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Cientistas desenvolvem primeiras cultivares de umbuzeiro do mundo

A pesquisa da Embrapa acaba de registrar as primeiras cultivares de umbuzeiro do País. Trata-se de um passo importante para a organização da cadeia produtiva do umbu, fruto capaz de servir de matéria-prima para vários alimentos, além de ser consumido in natura. Seu extrativismo proporciona renda a muitas famílias e com ele são feitos doces, geleias e até cerveja artesanal. A planta é bem conhecida dos moradores da Caatinga e os vaqueiros usam as batatas do umbuzeiro para matar a sede.

Foram quatro novos materiais registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa): as cultivares BRS 48, BRS 52, BRS 55 e BRS 68, todas com produtividade acima da média.

“A disponibilização de mudas desses materiais cairá como uma luva em iniciativas de revegetação da Caatinga, de estabelecimento de uma fruticultura de sequeiro e da agroindustrialização, presentes em praticamente todos os estados nordestinos”, afirma o pesquisador Viseldo Ribeiro, da Embrapa Semiárido (PE), que participou do desenvolvimento das cultivares.

As cultivares estão entre os resultados mais relevantes de pesquisa sobre umbuzeiros. De acordo com Ribeiro, elas são capazes de apoiar atividades de geração de renda e de serem associadas a projetos de preservação ambiental, como o reflorestamento da Caatinga. “Além disso, é um passo significativo para domesticar a espécie e viabilizar seu cultivo comercial com materiais de bom potencial produtivo e frutos de qualidade”, acredita o cientista.

Umbus maiores que a média

As quatro BRS se destacam pelo tamanho maior dos frutos em relação aos pesos médios dos umbus, entre 20g e 30g. Duas delas, as identificadas como 48 e 68, registram pesos médios de 85g e 96g, respectivamente, e são indicadas para consumo in natura ou de mesa. Nas outras duas, a 52 e a 55, os pesos dos frutos observados são de 42g e 51g por unidade, e tanto podem ser consumidos in natura ou usados como matéria-prima nas agroindústrias.

As quatro apresentam boas características físico-químicas, com destaque para sólidos solúveis (Brix) entre 10º e 12º, indicador de doçura do fruto, além de terem boa consistência de frutos. O lançamento das cultivares atende a uma antiga demanda de instituições vinculadas a Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Oepas) e de outras entidades.

Os dados sobre as cultivares foram registrados em condições naturais, semelhantes às sofridas pelas plantas que crescem entre a vegetação nativa, dependendo exclusivamente de água de chuva. Foram avaliadas também o cultivo sob irrigação.

Outra vantagem importante é que os pesquisadores não constataram relatos de ataques de pragas e doenças nas regiões onde as BRS 48, BRS 52, BRS 55 e BRS 68 foram avaliadas.

Frondosa e frutífera, com raízes onde se sobressaem “batatas” que acumulam litros e mais litros de água precipitada na época da chuva, essa espécie se funde a um monte de histórias de resiliência ao ambiente seco e quente do Semiárido do Brasil, a ponto do escritor Euclides da Cunha descrevê-la como “Árvore sagrada do sertão”.

Pesquisa teve início da década de 1980

Os trabalhos começaram em 1987 com estudos sobre a variabilidade de frutos em plantas espontâneas na área experimental da Embrapa Semiárido. A atuação foi depois ampliada para áreas de municípios próximos à sede da instituição e passou a envolver a localização de plantas, coleta de frutos e multiplicação por estacas e sementes, que deram origem aos primeiros testes com dezenas de umbuzeiros.

Na década de 1990, de acordo com o pesquisador da área de melhoramento genético Carlos Antônio Fernandes dos Santos, “a coleta saiu do entorno de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) e ‘desabamos no mundo’ a percorrer entre 20 mil e 25 mil quilômetros por BRs, estradas vicinais, caminhos e veredas do norte de Minas Gerais até o Rio Grande do Norte”.

Nesse trabalho, chegaram a coletar cerca de 50 mil sementes a fim de montar uma coleção básica com amostragem da ampla variabilidade como estratégia de conservação da espécie.

Ao mesmo tempo, orientados por informações fornecidas pela população, recolheram garfos de plantas que representavam a variabilidade visível da espécie com destaque para tamanho de fruto. Aquelas que possuíam essa característica foram usadas em ensaio de competição pioneiro na região com o fim de identificar clones para recomendação aos produtores e viveiristas.

“Os garfos foram utilizados na propagação das plantas originais e serviram para instalação do banco ativo de germoplasma (BAG). A variabilidade de formatos (pequenos, “gigantes” e de cacho) e pesos (de 4,88g até 96,5g) dos frutos dá boa ideia da diversidade genética da espécie”, conta Fernandes, informando que hoje, 80 acessos, ou tipos de umbuzeiros, são mantidos no BAG. Nos próximos anos, essa quantidade deve chegar a 90.

Os garfos das cultivares registradas têm origem em diferentes municípios da Bahia, Pernambuco e Minas Gerais e foram selecionados pelas maiores produções, frutos grandes e elevados teores de açúcar na polpa. Outro critério considerado foi o crescimento vegetativo mais acentuado.

Na seleção dessas cultivares os pesquisadores consideraram acessos mais precoces e tardios em relação ao período reprodutivo anual. “Em uma situação de cultivo comercial, o fato de ter clones com diferentes ciclos na mesma área assegura uma colheita mais prolongada, o que favorece a gestão da mão de obra disponível”, esclarece o pesquisador.

O tempo necessário para o início da produção ainda é um desafio para a pesquisa. A técnica da multiplicação vegetativa permitiu antecipar o tempo de produção da planta para em torno de oito anos após o cultivo. “É um tempo considerado inadequado para a precocidade de produção que almejamos”, argumenta o cientista da Embrapa.

No entanto, Ribeiro pondera que devem ser consideradas as condições naturais de ocorrência da espécie, com escassez hídrica e condições de solo mais severas. “Não se pode idealizar o uso de condições irrigadas semelhantes a culturas como a manga, por exemplo”, diz ele, informando sobre a necessidade de pesquisas que associem manejo cultural à irrigação para possibilitar avanços na precocidade da produção.

“Dessa forma será possível estabelecer um sistema de produção comercial de umbuzeiro e gerar produtos com maior aceitação e valor no mercado, cultivando essa frutífera em bases sustentáveis, até mesmo revertendo uma tendência de diminuição da população da planta na vegetação nativa”, acredita o pesquisador. Em avaliações preliminares de cultivares submetidas à irrigação, as safras chegam a alcançar quantidades próximas de três mil quilos por hectare.

Preservando o umbu na natureza

Para Viseldo Ribeiro, as quatro cultivares são uma inovação útil para projetos de enriquecimento do bioma, uma vez que algumas práticas extrativistas podem colocar em risco a dispersão dos umbuzeiros na vegetação nativa. O plantio comercial substitui esse tipo de exploração e pode dar novo impulso econômico a atividades de comercialização dos frutos, além de sustentar a indústria de processamento de umbu.

O aproveitamento mais comum era o consumo in natura, a umbuzada e o ‘tijolo’, um tipo de doce na forma barra, comercializados em feiras livres e mercearias em pequena escala. Com o registro das cultivares, os pesquisadores acreditam que será possível a produção de mudas em larga escala, o que pode tornar mais comum a produção do umbu na complementação de renda das comunidades rurais do Semiárido.

“Esses produtos ainda são encontrados em feiras, mas a partir do conhecimento cada vez maior do potencial do umbuzeiro, novas cooperativas de agricultores familiares e fábricas de processamento de frutos foram surgindo, projetando o umbu e seus produtos nas prateleiras de supermercados e até nas exportações, já que o produto tem conseguido espaço no mercado internacional”, afirma Ribeiro.

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