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Tem avestruz no pasto

Há quem diga que são desengonçados; há quem diga que são elegantes. Se a subjetividade dos observadores apresenta-se com acentuada divergência, o avestruz surge como um promissor habitante dos pastos brasileiros. Com um plantel de aproximadamente cinco mil cabeças, o País aparece tímido frente às imponentes criações do Sul da África e dos Estados Unidos, que detêm rebanhos de 600 mil 500 mil animais, respectivamente. No entanto fornecedor dos produtos do animal, em função das características climáticas e da infra-estrutura da pecuária bovina, que, sem muitos ajustes, pode ser adaptada à criação e abate. Basicamente, esse é o cenário que a estrutiocultura – cultura do Struthio camelus, nome científico do avestruz – vem se desenvolvendo nas terras brasileiras. Avestruz do Brasil (Acab) indicam que, num prazo de 10 anos, essa ave terá ganho 0,1% do consumo total de carnes, o que necessita de uma produção de 10.500 toneladas/ano. Por enquanto, o mercado nacional de avestruz vive da multiplicação do rebanho. Tudo que se vende vai para reprodução. O abate iniciar entre os anos 2002 e 2003, quando o plantel brasileiro bater na casa das 30.000 cabeças prontas para irem ao abatedouro, o que exigirá algo em torno de quatro a cinco mil fêmeas em regime de postura. Pela escassez atual, o quilo da carne de avestruz para o consumidor chega a custar R$ 75,00. Uma realidade que também afeta a comercialização no campo, onde animais adultos atingem valores de até R$ 8.000; os de 20 a 22 meses, saem por R$ 3.800; os de nove e dez meses, por R$ 2.200; e os filhotes de um dia, por R$ 700. Como todo setor em multiplicação, o nosso está em plena expansão e tais valores exprimem exatamente esse momento, comenta o presidente da Acab, Celso da Costa Carrer.

Um fator que deixou o mercado ainda mais reprimido, o Ministério da Agricultura proibiu, em agosto de 1997, a importação de reprodutores, como forma de preservar pela sanidade do rebanho de aves nacional, principalmente das doenças influenza aviária, que ainda não foi registrado nenhum caso no Brasil, e new castle, que encontra-se sob controle no rebanho nacional. O avestruz pode ser hospedeiro de ambas, mesmo não contraindo a enfermidade. A decisão foi tomada sob pressão das entidades avícolas, tendo em vista que a demanda por animais estrangeiros foi maior que a capacidade operacional do controle sanitário instalado no País. Condições, que, de um lado, atrasou o aumento do rebanho nacional, mas, de outro, ajudou a frear uma euforia comercial que crescia de maneira exagerada.

De lá para cá, ficou permitida somente a importação de ovos férteis e pintinhos de um dia. Como os primeiros três meses de vida correspondem a fase mais crítica do avestruz, devido a baixa resistência e a vulnerabilidade ao estresse, as negociações internacional. Sendo assim, a comercialização esteve restrita às transações locais, o que desacelerou a seleção genética do plantel nacional. Tudo que foi colocado à venda era matriz ou reprodutor. Agora, prestes a conseguir a liberação das importações, com rigor das avaliações do quarentenário, o setor se prepara para elevar a performance dos animais, trazendo exemplares top. Não se trata da aquisição de animais provados, pois a adaptação do avestruz ao novo ambiente pode demorar até seis meses, tendo em vista que seu comportamento é totalmente imprevisível.

No entanto, para termos escala industrial, precisamos de material novo, com qualidade genética e controle sanitário, reforça Carrer.

Primeira grande reprodução

Dessa forma, longe de ser um animal medroso, como diz a cultura popular, o avestruz aparece como uma importante alternativa na diversificação rural. Sem muito esforço, tradicionais pecuaristas podem adaptar uma pequena área da propriedade para a criação da ave. Atualmente, os maiores plantéis do País não utilizam mais que seis alqueires, com uma produtividade de 25 a 30 ovos/ ano, gerando entre 12 e 15 filhotes – a diferença entre a postura e o número de produtos se deve aos ovos não fecundados, aos que se quebram e aos embriões que morrem durante o período de incubação ou após o nascimento. Nas análises do presidente sa Acab, a safra 1999/2000 será a primeira grande estação de reprodução nacional – a época de postura inicia em setembro e termina em fevereiro. Os rebanhos chegaram num estágio de maturidade e, agora, vamos inaugurar a criação brasileira do ponto de vista reprodutivo, registrado algo em torno de três mil avestruz nascidos.

Na Avestruz & Cia, uma joint-venture como o Haras Capim Fino, de Jaguariúna (SP), por exemplo, passará de uma produção de 450 filhotes para aproximadamente 1.000 nascimentos, com os mesmos 160 animais adultos de seus piquetes. Segundo um dos sócios proprietários, Homero Setti Júnior, que comanda a empresa juntamente com Paulo Roberto Ferreira Levy, um dos expoentes na criação de cavalos Árabe, e Giovanni Costa, esse avanço se deve à aquisição de Know diante do primeiro ano de postura e ao término das instalações na propriedade. A gente sempre apanha um pouco quando começa, acrescenta.

Orgulhoso em possuir um plantel baseado na genética da companhia norte americana Pacesetter Ostrich Farm, que há 14 anos trabalha com a ave, Júnior ressalta que todos os animais ficaram em quarentena no Instituto Laura, em Campinas, e possuem certificado negativo dos exames. Com vendas para Santa Catarina, Bahia, Distrito Federal e o próprio Estado de São Paulo, a Avestruz & Cia. encontrou nos leilões a maneira mais interessante de divulgar e valorizar seus produtos. O primeiro foi realizado no ano passado, com a oferta de 96 exemplares, e o segundo em março deste ano, quando entraram na pista 148 cabeças.

Com a mão no futuro, a empresa também investe na importação de carne de avestruz, numa tentativa de preparar uma demanda para esse produto, já se adiantando à época que o País iniciar os abates. Em agosto de 1998, chegaram 1.200 Kg que, distribuídos pelo Empório Silvestre, de São Paulo, se esgotou em dezembro. A segunda remessa estava prevista para janeiro deste ano, mas a desvalorização fez adiar as negociações. Independente do câmbio, traremos mais 1.000 Kg em maio, afirma Júnior.

Europa à vista

Muito parecida com a bovina, tanto em aparência como em sabor, a carne de avestruz é vermelha e suas partes nobres se assemelham ao gosto e consistência do filé mignon. A diferença fica por conta dos baixos índices de calorias e gorduras, menores até que os encontrados no frango, peru e em algumas espécies de peixes. Em tempos que a alimentação saudável ganha força na dieta internacional, nem é preciso dizer que os cortes de avestruz têm tudo para conquistar consumidores assíduos. Nos Estados Unidos, carne de avestruz custa cerca de 15% mais que a de bovino, índice nada assustador para viabilizar sua comercialização, principalmente pelo forte marketing de um produto light.

No Brasil, espera-se que, partir do momento que os criatórios nacionais produzirem quantidade suficiente de animais para abate, os valores passarão a girar entre R$ 14,00 e R$ 18,00 o quilo, no varejo. No entanto, é bem possível que os País direcione sua produção de carne para exportação. Mundialmente, o avestruz é criado intensivamente somente há menos de 20 anos, o que aumenta ainda mais o potencial de seu mercado. De um lado, o mercado internacional está ávido desse tipo de carne De outro, não pretendemos mudar o hábito da população brasileira, que, em geral, gosta de carne gordurosa. Estamos introduzindo um nova opção, mas sem a pretensão modificar a tradição do consumo do produto bovino, esclarece Paulo Roberto Ferreira Levy, da Avestruz & Cia.

Nesse contexto, a Europa aparece como principal compradora da produção brasileira, tanto de carne quanto de couro. Sua condição climática não permite criação extensiva e a tradição ecológica de sua população aponta que, por ser tratar de uma ave exótica, não será possível desenvolver um comércio de avestruz oriundo de confinamentos. Atualmente, os países europeus consomem praticamente tudo que sai do Sul da África e de Israel. Segundo o presidente da Acab, as transações internacionais devem iniciar tão logo o Brasil adquira escala para abate. Os negócios com a Europa se desenvolverão simultaneamente ás vendas internas. O Exterior será a válvula para escoar a produção que não absorveremos aqui.

A média de vida da ave está entre 65 e 70 anos, com um período produtivo da fêmea de 30 a 35 anos. Considerando que cada matriz alcance a marca de 15 filhos/ano, é possível dizer que a criação de avestruz rende mais que a engorda de boi. A começar pelo espaço, um casal de avestruz adulto, por exemplo, precisa de 1.200 metros quadrados, com alguns casos que o mesmo piquete recebe até quatro fêmeas, dependendo da performance do macho. Quando o destino é o abate, um alqueire comporta até 150 animais. Nesse caso, um avestruz vai para o gancho com 11 meses, pesando entre 100 Kg e 110 Kg, fornecendo cerca de 35 Kg de carne limpa.

Fora isso, o couro de avestruz é disputado internacionalmente para a confecção de cintos, bolsas, sapatos, jaquetas etc. Há situações em que o preço desses itens se equivale a artigos de couro de crocodilo, o mais caro do mundo. Grifes famosas, como Christian Dior, Yves Saint Laurent e Gucci, aderiram á moda do couro de bolinhas as saliências do couro de avestruz são naturais, pois são as partes onde as penas se fixam. Para ter uma idéia, uma bota com couro dessa ave pode chegar a custar R$ 900,00, enquanto que uma jaqueta facilmente atinge o valor de R$ 2.500,00. Cada bicho produz de 1,2 m² a 1,4 m² de couro, que, sem tratamento, o criador pode receber entre R$ 160,00 e R$ 190,00. Índices até sete vezes maiores que os valores de uma peça de couro bovino, cujos valores, no Brasil, registram uma média de R$ 25,00.

Alternativa para o semi-árido

Se o destino da carne e do couro é o Exterior, o mesmo não acontece com a pluma. O País é o maior importador mundial do produto, comprado, anualmente, de 10 a 15 toneladas de plumas brancas, as maiores e mais bonitas – as plumas negras são de menor valor e vão para a indústria automobilística e informática, em função de sua característica eletrostática, que serve para a limpeza de resíduos antes da pintura dos veículos ou para espanar computadores antes de se colocar as placas. Com a ascensão do carnaval de São Paulo, a demanda nacional pode exigir ainda mais essa mercadoria de avestruz. Nos cálculos de Carrer, um animal em idade de abate fornece aproximadamente 300 gramas de plumas brancas, o que, só para atender as necessidades do Brasil, seria preciso, no mínimo, a produção de 50.000 bichos/ano.

Atualmente, a Acab possui 100 associados, de um universo de 150 criadores. Apesar do Estado de São Paulo despontar como o de mais adeptos ao avestruz, não faltam indicadores de que sua produção migrará par o Centro-Oeste e Nordeste. A semelhança com o habitat original abre uma porta até para melhorar questões sociais em regiões de caatinga e semi-árido. Passado o período de fragilidade do bicho, os três primeiros meses, a criação não exige cuidados excessivos, pois sua resistência á seca e á falta de alimentação é peculiar ao seu modo de vida. Preferencialmente herbívoros, esses animais também não hesitam em se alimentar de insetos, roedores répteis. Por instinto, ainda chegam a comer suas próprias fezes e, se necessário, se abastecem de água somente via alimento. Eles suportam oito dias sem beber água, perdendo apenas para o camelo no que se refere a sobrevivência desértica. Em situações de trato adequado, o avestruz apresenta alto índice de conversão alimentar. Entre nascer e ir para o abate, a relação de ganho de peso é 4×1 – a cada quatro quilos ingeridos. Nesse caso, a pastagem pode ser complementada com milho e a soja, mais ração comercial. Nada produz tanta carne vermelha, com custo tão baixo, prazo tão curto e área tão pequena, resume o sócio-proprietário da Central do Central do Avestruz, Antonio Paulo Azevedo Sodré.

Com piquetes em Tatuí e Botucatu (SP), a empresa possui um plantel em torno de 560 cabeças, basicamente de animais jovens. Cerca de 70% do rebanho é formado por bichos que ainda não entraram na fase de reprodução. Por sua ousadia e investimentos de quase R$ 60 mil na reforma do Quarentenário de Cananéia, a companhia será a primeira a realizar importações após a proibição de 1997. Ainda em maio, deve trazer ao Brasil 750 pintinhos. Atualmente, sua produção se desenvolve em 1,5 alqueire, mas outros 26 alqueires encontram-se disponíveis para aumentar a criação. Neste anos, pretendemos importar 12.000 animais entre um e sete dias, pontua Sodré, ressaltando que, apesar de ser a fase mais crítica do avestruz, com até 25% de perda, também é o período de maior lucratividade.

Para garantir a negociação de seus produtos, a Central do Avestruz não perdeu tempo em investir em marketing e um esquema de revendedores e parcerias comerciais. Um dos maiores sucessos nesse sentido é o showroom no Km 71 da Rodovia Presidente Castelo Branco, com animais e artigos em couro e em plumas. Recentemente, a empresa adquiriu um trailler para exposições, com capacidade para 25 animais adultos. Numa das estratégias de vendas, os compradores que adquirirem, no mínimo, 50 avestruzes, recebem 25 animais a mais, sem custo. Além disso, fornece um contrato de compromisso de comercialização desse excedente após um ano. Depois, fazemos o rateio dessa quantia, cujo valor se torna suficiente para o criador saldar seu investimento garante Sodré.

Outra possibilidade de negócio na Central do Avestruz diz respeito a quem não tem uma área pronta para a criação dos animais. A empresa faz locação de espaço para quem deseja começar e ainda não conta com a estrutura básica para iniciar o plantel. Em outras palavras, acredita-se tanto no potencial que o avestruz deve imprimir à agropecuária brasileira que vale tudo multiplicar do rebanho nacional.

No entanto, é necessário ficar atento ás exigências legais para criação dessa ave. Por se tratar de um bicho exótico, torna-se indispensável a autorização do Ibama e sua aprovação no controle sanitário do Ministério da Agricultura.

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