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Vaca com CCS alta pode apresentar cultura microbiológica do leite negativa

Por Raquel Maria Cury Rodrigues* e Brunna Granja** –  A Contagem de Células Somáticas (CCS) da vaca está alta. Que produtor de leite gosta de escutar essa afirmação? Provavelmente nenhum, mas, infelizmente, é uma situação rotineira em diversas propriedades.

Antes de ir para o ponto-chave desse artigo, é interessante entender a fisiologia da glândula mamária da vaca ao ser infectada por um micro-organismo. Assim que isso ocorre, para tentar combater a infecção, o sistema imune da vaca é ativado e grande quantia de leucócitos é direcionada ao leite. Se tudo ocorrer conforme o “script” e os micro-organismos forem eliminados, a CCS volta às escalas comuns. Todavia, pode ocorrer da defesa não ser suficiente e a infecção persistir, levando à alta CCS já que continuamente as células de defesa passam a ser eliminadas no leite. Outras questões também podem interferir na CCS, como a idade da vaca, época do ano e estágio de lactação.

Mas quais seriam os motivos de verificarmos uma elevada CCS na vaca ao mesmo tempo em que a cultura microbiológica dela está negativa?

Há algumas possibilidades que explicam a situação e algumas delas estão relacionadas à coleta do leite para análise. Antes de tudo, é importante que o produtor lembre sempre de três características importantes na escolha do procedimento da coleta: ela deve ser realizada a um custo acessível, ter boa acurácia (o que tornará os testes mais confiáveis) e agilidade para liberar o resultado. Inclusive, devido a determinadas particularidades específicas de alguns tipos de bactérias  – como Staphylococcus aureus – esses pilares necessitam ser ainda mais eficientes.

É importante frisar que a bactéria Staphylococcus aureus pode ser causa de mastite clínica, mas é uma das principais bactérias encontradas na mastite subclínica, com características de casos crônicos e de baixa resposta aos tratamentos com antibióticos.

Momento da coleta e cura espontânea

Pode ocorrer que no momento no qual é realizada a coleta de leite para a cultura microbiológica, o animal já tenha se curado espontaneamente ou esteja passando por um processo de recuperação. A vaca ainda continua apresentando CCS elevada mas já não há mais a presença do organismo causador de mastite. Como exemplo, podemos citar os casos de mastite subclínica cujas bactérias mais comuns são Staphylococcus não aureus e que apresentam como particularidade uma expressiva taxa de cura espontânea. A recomendação é observar os próximos testes de CCS lembrando que não há um tempo ideal para que o animal volte a alcançar a CCS nos padrões normais. Essa condição é dependente de cada indivíduo e pode levar até seis meses para a redução.

É válido lembrar que a CCS do tanque de leite normalmente é efetuada pelo laticínio que compra o leite da fazenda porque é um indicativo de qualidade da matéria-prima. Também pela indústria, é realizada a Contagem Bacteriana Total (CBT), parâmetro relacionado aos cuidados com a limpeza e higiene no processo de ordenha. Já o teste CMT (California Mastitis Test) é muito empregado para conhecer quais são as vacas com mastite subclínica e é realizado dentro da própria fazenda.

Congelamento das amostras

O congelamento das amostras para a cultura de animais com alta CCS pode ser responsável pela morte da bactéria causadora de mastite visto que algumas delas são sensíveis às baixas temperaturas. Quando levanta-se essa suspeita, é importante que as próximas culturas dessa determinada vaca sejam executadas com leite fresco ou resfriado por 24h para o descarte dessa hipótese.

Vale destacar que pesquisas atuais apontam que não há benefícios significativos em congelar amostras em termos de obter um resultado rápido e com alta sensibilidade. Já é comprovado, por exemplo, que o congelamento reduz o número de bactérias presentes no leite de dois importantes grupos: E. colie Streptococcus.

A melhor estratégia é fazer a cultura em até 24h após a coleta da amostra e com isso, a fazenda obterá um resultado rápido e com boa sensibilidade. Caso não seja possível realizar a cultura microbiológica em até 24 horas após a coleta das amostras de leite, o produtor deve seguir as devidas recomendações, como por exemplo, se informar sobre o máximo de dias que esse material pode ficar congelado, entre outros.

Quantidade de colônias na amostra de leite

Alguns micro-organismos possuem um padrão cíclico de eliminação e novamente a bactéria Staphylococcus aureus pode ser exemplificada nessas condições. Isso significa que pode ser que ela não apareça sempre no leite e nesse caso, a quantia de amostras é importante para reduzir problemas. Então, é significante pensar no número de amostras já que quando realizamos apenas uma, para algumas bactérias, a chance de termos resultados verdadeiramente positivos é de 75%, o que denota uma menor sensibilidade. Já quando são coletadas duas amostras com intervalo de uma semana entre as coletas, essa porcentagem salta para 95% e com três, 99%. Quanto mais amostras, mais fidedigna se torna a ferramenta.

Não menos importante, o produtor deve ficar atento às recomendações de uso da ferramenta para reduzir a chance de resultados falso-negativos. Por placa, nunca devem ser realizadas mais de duas amostras visto que com essa ação, uma menor quantia de leite é acrescentada. Com menos leite, aumenta-se a possibilidade de resultados não reais. Assim, às vezes a vaca possui a bactéria mas esse fato acaba sendo desconsiderado pela má conduta da investigação.

Uma outra possibilidade é que possa ocorrer falha na coleta de leite para a cultura. No dia da coleta, talvez não tenha sido extraída uma amostragem similar de leite de todos os quartos mamários. Nesse caso, pode ser que apenas um quarto mamário esteja infectado e se pouco leite foi extraído dele, quando passa a ser diluído com o leite dos demais quartos, que estão sadios, a quantidade de bactérias na amostra final pode ser muito pequena, inviabilizando o crescimento delas. Para reduzir a chance disso ocorrer, pode ser feito o teste de CMT antes da coleta de leite para cultura a fim de  selecionar e coletar leite apenas dos quartos que apresentarem resultado positivo no teste de CMT, aumentando assim, a chance de coletar amostras apenas dos quartos com alguma infecção.

Uma outra pressuposição é que as vacas estejam contaminadas com espécies de bactérias que não se desenvolvem em meios de cultura e testes de laboratórios convencionais. O que fazer? Serão necessários exames específicos que inclusive nem todos os laboratórios fazem e o alinhamento dessa demanda com o técnico responsável. Esse plano deve contar com a ajuda de outras evidências e/ou sintomatologias clínicas. Uma espécie de micro-organismo com esse comportamento é o Mycoplasma e também, bactérias anaeróbicas e micro-organismos de crescimento lento.

Para finalizar, deve ser frisado o importante papel da cultura microbiológica nas fazendas leiteiras a fim de se conhecer os patógenos responsáveis pela mastite na propriedade e assim, direcionar os esforços para resolver o problema e prevenir dores de cabeça futuras!

(*) Raquel Maria Cury Rodrigues é Zootecnista pela Unesp de Botucatu

(**) Brunna Granja é Médica Veterinária, Mestre em Ciências Veterinárias em qualidade do leite, diagnóstico e controle de mastite bovina pela FMVZ/USP. Analista de Sucesso do Cliente na OnFarm

Foto: Divulgação / OnFarm

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