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IGOK – a nova safra de produtos certificados

Depois de ganhar o rótulo de bebida genuinamente brasileira, assim como as demais produzidas pelo País, a cachaça da cidade de Salinas, a 640 quilômetros da capital Belo Horizonte (MG), acaba de receber o selo de Indicação Geográfica (IG).

Há seis longos anos, os produtores pediram ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) o direito de aplicar o selo na bebida produzida no município. A nomenclatura, ainda recém-conquistada pela agroindústria brasileira, tem como objetivo garantir a procedência do produto, dando ainda mais visibilidade para a região. “Além de inibir que produtos de outras regiões sejam vendidos, neste caso, como as originais cachaças salinenses, garante também valor agregado, uma vez que o consumidor passa a exigir esse selo, que atesta a qualidade”, diz Ednilson Machado, gerente de marketing da Cachaça Seleta.

Faz parte desse grupo especial das cachaças que acabaram de receber o selo, que será colocado nos rótulos das bebidas, a Cachaça Seleta, que há mais de 40 anos, faz parte da história regional do estado mineiro. A empresa produz, hoje, três marcas de cachaça do Brasil: Seleta, Boazinha e Saliboa.

Para Machado, o selo vem comprovar que o produto é genuíno que tem suas características diferenciadas, encontradas somente nessa região. “Sem dúvida, fortalece o mercado de cachaça e promove o desenvolvimento sustentável aos produtores. Aqui na Seleta faz-se a produção própria desde o plantio da cana até o envelhecimento da bebida”, diz. Segundo ele, desde o surgimento da produção de cachaça em Salinas até hoje, ela segue todas as etapas do modo artesanal, impondo uma lógica de produção particular no município.

Para organizar a produção na região e garantir mais qualidade para a cachaça “made in Salinas” os produtores, por meio da Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Apacs) e da Associação Mineira de Produção Agroecológica (Ampag), se organizaram para obter o registro de Indicação Geográfica da produção. O Inpi deferiu, no dia 17 de julho, dois pedidos de IG. O primeiro se refere ao nome Salinas como Indicação de Procedência (selo dado ao nome geográfico conhecido pela produção, extração ou fabricação de determinado produto) neste caso para aguardente de cana, do tipo cachaça o outro foi para os produtos têxteis confeccionados em algodão colorido, no Estado da Paraíba.

Dados do Ministério da Agricultura aponta que Salinas é conhecida mundialmente como a “Capital da Cachaça”, e é a única cidade brasileira que abriga o curso Tecnólogo em Produção de Cachaça. Foi a segunda região do País a receber o reconhecimento oficial do Inpi como Indicação de Procedência da cachaça, após Paraty, no Estado do Rio de Janeiro.

De acordo com a Apacs, a região autointitulada de maior polo regional da cachaça artesanal do País, conta com 25 empresas produtoras registradas, proprietárias de 52 rótulos. Juntos, elas produzem cinco milhões de litros por ano. Em todo o Estado são mais de nove mil produtores, entre formais e informais, mas apenas 900 deles estão na regularidade.

A fama da região de Salinas como principal centro produtor da cachaça artesanal não ocorreu por acaso. “A combinação de clima quente e solo fértil favoreceram o plantio de cana. Além disso, a baixa quantidade de chuvas auxilia no crescimento da cana-de-açúcar”, diz Machado.

Esses fatores somados resultam em um brix (que é teor de açúcar da planta) ainda maior. “Basicamente a cachaça de Salinas vem de uma boa variedade de cana que consegue manter um brix entre 22% e 24% durante todo o processo de produção da aguardente, que leva em média três dias. Nas primeiras 24 horas, o caldo da cana é armazenado em toneis de madeira, onde são acrescentadas leveduras, responsáveis pela fermentação do líquido”, diz Cristiane Corrêa Costa, gerente agrícola da Cachaça Seleta.

Ela explica que durante esse processo, o cheiro doce da garapa toma conta do ambiente, enquanto as leveduras transformam todo o açúcar em álcool, fazendo o líquido dentro dos toneis borbulhar com intensidade. Na etapa seguinte, o vinho, como é chamado o caldo fermentado, desce por canos até os alambiques e é aquecido a 90 graus. Ali, o produto evapora e são separados o coração, o rabo da bebida e a cabeça. “Depois de pronta, a cachaça é armazenada em toneis para envelhecimento por pelo menos um ano. Hoje a cachaça Seleta mantém uma produção de 330 mil litros por mês, que vem de 145 hectares de cana”, diz Cristiane Costa.

“Com a conquista do selo, a cachaça ganha valor e parte para uma concorrência mercadológica justa, otimizando a exportação do produto que adquire status e reconhecimento como produto diferenciado”, diz advogado especialista em propriedade intelectual, Renato Dolabella.

Embora não seja a salvação da lavoura, a IG pode representar uma espécie de blindagem mercadológica para os produtores, uma vez que se tem o direito de exclusividade ao nome da região. “O uso do nome deixa de ser de uso comum”, afirma o advogado. Dolabella explica que a IG a exemplo do presunto de Parma, na Itália, no qual nenhuma outra região pode se apropriar tem como objetivo estabelecer diferenças para determinados produtos de acordo com a região onde é produzido. “O produto portador de uma IG tem identidade própria e é inconfundível, ou seja, é necessário que haja algum componente histórico ou cultural com a região que o diferencie dos demais. As Indicações Geográficas são um direito de propriedade intelectual, do mesmo modo que as patentes e as marcas”, explica.

“No Brasil, o IG ainda é muito recente. Apenas há poucos registros de Indicações Geográficas enquanto que na Europa chega à marca de cinco mil. O primeiro selo aconteceu em 2002, no Vale dos Vinhedos. Porém, já se percebe um aumento progressivo neste sentido”, ressalta.

No Nordeste e Sul do País

Em agosto do ano passado, o registro de Indicação Geográfica foi para o camarão da Costa Negra. Aliás, no mundo, foi o primeiro selo concedido a um crustáceo. O camarão criado em cativeiro, no Ceará, faz parte das fazendas situadas na região, que se estende das praias de Itarema até Acaraú e Cruz, litoral oeste do Estado. No local, estão reunidos 33 associados, sendo 32 fazendas de criação de camarão e uma indústria de beneficiamento.

A produção de camarões é de nove mil toneladas por ano, sendo que 99% ficam em supermercados, como os de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Somente 1% da produção é exportada. No Brasil, em 2011, foram produzidas em média 90 mil toneladas de camarão em cativeiro, sendo que 10% saíram das fazendas dos associados na Costa Negra. O cultivo do camarão movimenta toda economia local e gera quase cinco mil empregos. As fazendas da Costa Negra se estendem por 900 hectares de cultivo. Um dos grandes produtores da região é Livino Sales. Sua propriedade fica localizada em Acaraú e produz 120 toneladas de camarão por mês.

No mesmo período, outro município que carimbou o selo foi o de Pelotas (RS), que completa 200 anos em 2012. O Inpi deferiu o selo de Indicação Geográfica e poderão utilizar os produtos que fabricam o selo denominado Indicação de Procedência (IP) aos Doces de Pelotas, os responsáveis pela fama do município gaúcho, distante a 260 quilômetros de Porto Alegre. O trabalho foi resultado de três anos coordenado pelo Sebrae Nacional, Sebrae no Rio Grande do Sul, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Prefeitura Municipal, Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e Associação dos Produtores de Doces do município.

Para a presidente da Associação dos produtores de Doces de Pelotas no Rio Grande do Sul, Maria Helena Jeske, a ideia inicial era garantir produtos de qualidade para fortalecer e promover o setor dos doces regionais. “São 16 associados que produzem quitutes, de papo de anjo a camafeus. Entre os doces, são os amanteigados, de origem portuguesa”, diz Maria Helena.

Ela explica que neste primeiro momento quem recebe o selo é a associação. Após, um conselho regulador composto por duas associadas, um representante da Embrapa e outro da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), que fará a inspeção das empresas, levando em consideração determinados quesitos de produção e comercialização. “Se todas as normas e padrões forem atendidos, o empreendimento recebe o selo. A primeira exigência é fazer parte da associação”, afirma.

A partir do deferimento do Inpi, somente especialidades fabricadas na região conhecida como “antiga Pelotas” podem receber a denominação “Doces de Pelotas” – formada pelo próprio município e por Arroio do Padre, Capão do Leão, Morro Redondo e São Lourenço do Sul. “E com um detalhe a mais a qualidade dos doces é garantida graças às características do solo da região que favorece o plantio de arvores frutíferas, como pêssegos, ideais para a fabricação dos quitutes”, diz.

Entendendo as funções

O registro de Indicação Geográfica (IG) é um mecanismo para comunicar ao mercado um produto diferenciado em relação aos concorrentes. Por trás de um selo de Indicação de Procedência e, principalmente, de Denominação de Origem estão garantidas características únicas de um produto. “Essas garantias identificadas pelos consumidores são à base de sua fidelização a qualquer coisa que se certifique. Para essa conquista, são definidas normas reunidas em um caderno de especificações no qual se descrevem o processo produtivo, as matérias primas e as características finais que se espera sejam percebidas pelos consumidores”, explica Hulda Giesbrecht, analista técnica da unidade de acesso à inovação e Tecnologia do Sebrae.

Entre as vantagens a IG pode impulsionar a economia de uma região por meio da ampliação do fluxo turístico, considerando a curiosidade das pessoas em conhecer produtos com história.

“Como consequência há uma valorização das propriedades rurais e do turismo na região. O registro concede também um aumento em até 10% no valor dos produtos comercializados na região”, diz Hulda. No Brasil, a certificação está prevista na Lei da Propriedade Industrial desde 1996.

Conheça os exemplos mais famosos de Indicações Geográficas

Alguns produtos já possuem uma identidade tão famosa, relacionadas ao local em que são produzidos, que já viraram sinônimo do produto:

Na França: “Champagne” – Vinho espumante proveniente da famosa região francesa, chamada Champagne; os magníficos vinhos tintos da área de Bordeaux; os queijos das regiões de Roquefort, Comté, Cantal e Camember e o Cognac.

Em Portugal: O vinho da região do Porto e o queijo da Serra da Estrela.

Na Itália: O presunto de Parma e os queijos Parmesão e Grana Padano.

Na Espanha: O presunto cru Pata Negra, os torrones de Alicante, a massa pão de Toledo, o azeite de oliva dos Montes de Toledo, os cítricos de Valência e o açafrão da Mancha.

América Latina: O café da Colômbia (a primeira Indicação Geográfica de fora da Europa a solicitar reconhecimento como IG no continente europeu), o pisco do Peru, a tequila e o café Vera Cruz – México, o café Blue Montain –Jamaica, o café de Antigua – Guatemala e os famosos charutos de Cuba.

África: O óleo de oliva de Aragan – Marrocos, a cebola violeta de Galmi – Nigéria, o abacaxi da Guiné e o chá do Quênia.

Registro que agrega Valor

Atualmente, segundo dados do Sebrae, no país há 27 Indicações Geográficas registradas, dentre elas, por exemplo, 12 Indicações de Procedência – recentemente a cachaça de Salinas, algodão colorido da Paraíba, vinho do Vale dos Vinhedos, café do Cerrado Mineiro, carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional, couro acabado da Vale dos sinos, cachaça de Paraty, manga e uva do Vale do Submédio São Francisco, vinho e espumantes de Pinto Bandeira, capim dourado do Jalapão, panelas de barro de Goiabeiras, café da Serra da Mantiqueira de Minas Gerais, doces de Pelotas e queijo do Serro –, e duas Denominações de Origem, que é destinada para produtos cujas qualidades são exclusivas ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais, a exemplo do arroz do Litoral Norte Gaúcho e camarão da Costa Negra.

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