Sustentabilidade

São Francisco: rio da integração nacional

Ele carrega o nome da santidade tida como o patrono dos animais e do meio ambiente, mas as bênçãos que este traz recaem sobre cerca de 13 milhões de filhos de Deus, isso, pelo fato da longa peregrinação que ele faz – da na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até 2.700 quilômetros (km) depois, na divisa dos Estados de Sergipe e Alagoas. Por muitas terras de dialetos e sotaques distintos, ele está presente, e, por onde corre, a vida literalmente parece brotar da terra.

Em Petrolina (PE), por exemplo, muitas famílias de pequenos agricultores e assentados viram-se capazes de produzir frutas, como a uva e a manga, em pleno semiárido. Atualmente a região é uma das maiores exportadoras de frutas do País, chegando a uma venda de US$ 300 milhões por ano – tudo isso, graças às águas do rio São Francisco, do qual saem canais para o desenvolvimento de projetos de irrigação.

O mais novo projeto, também chega ao município de Petrolina, e possuirá uma área total irrigável de 7.717 hectares. Trata-se do Projeto Pontal, a primeira parceria público-privada (PPP) em irrigação no País e a primeira estruturada diretamente pelo governo federal.

Iniciado em 1995, com as obras de implantação a partir de 1996, o Pontal prevê a exploração de 52% do perímetro irrigável em regime de integração agrícola, em que pequenos produtores rurais terão amplo acesso à assistência técnica e à cadeia logística. A expectativa é de que cerca de 200 famílias sejam beneficiadas com esta iniciativa.

“Petrolina faz parte da Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE) do Polo Petrolina-Juazeiro (Lei Complementar nº 113, de 19 de setembro de 2001, e regulamentada pelo Decreto nº 4.366, de 9 de setembro de 2002), a qual já é um polo de desenvolvimento tecnológico da fruticultura irrigada, implantado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e iniciativa privada, com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)”, declara Clementino de Souza Coelho, diretor da Área de Desenvolvimento Integrado e Infraestrutura da Codevasf. “A região dispõe da infraestrutura do Aeroporto Internacional de Petrolina – a, aproximadamente, 40 km do Projeto Pontal – que já administra aviões de carga que exportam frutas para outros continentes. Também já existe na região, a Hidrovia do Rio São Francisco, incluindo portos fluviais, com o Lago de Sobradinho, o maior lago artificial do mundo, com eclusas na Barragem de Sobradinho, além de ligação rodoviária em boas condições com as principais capitais do Nordeste, e, também uma termoelétrica com capacidade para geração 138 megawatts de energia”, enumera.

Por esses pontos favoráveis, Petrolina demonstrara que era a região mais adequada para a implantação do projeto que, agora, poderá dinamizar mais em termos de novas áreas de exploração irrigada, bem como o desenvolvimento de demais atividades.

As regras do jogo

O governo construiu para um terceiro tomar conta – grosso modo, pode-se fazer essa leitura sobre o projeto que se desenha em Pernambuco. Caberá a esse terceiro, no caso, a empresa Tetto SPE6 Gestão de Recebíveis Ltda., a regulação quanto ao uso e disponibilidade de água aos produtores, além de comandar as subconcessões às empresas agrícolas que atuarão também no projeto.

Para o Pontal, o governo já investiu R$ 235 milhões em construção e estima-se que a Tetto tenha de realizar mais R$ 87 milhões para concluir as obras. A concessão do perímetro do Pontal será de 25 anos.

“O custo pela utilização da água consiste no pagamento da tarifa d’água, cujo valor máximo foi definido no edital de licitação”, explica Coelho. “A cobrança da tarifa d’água é realizada pela concessionária junta às empresas agrícolas, que poderão realizar o pagamento em nome das famílias integradas, como adiantamento. A partir do firmamento do contrato de subconcessão do direito real de uso do lote com a Empresa Agrícola, as famílias automaticamente terão garantido seu direito à utilização da água”.

Produção planejada

O plano de ocupação agrícola, pelo Projeto Pontal, está focado na produção de coco, sorgo e proteína de origem animal (leite, piscicultura e ovinocaprinocultura). As indicações vieram do Grupo de Estudos de Agronegócios da Universidade de São Paulo, o grupo Pensa, o qual destacou essas atividades como as culturas mais rentáveis e adaptadas ao semiário, dentro do Programa Integrado de Negócios Sustentáveis (PINS) – estudos disponíveis pelo endereço de Internet: www.codevasf.gov.br/pins.

No que toca às famílias que serão integradas ao projeto, elas poderão contar com (1) garantia de compra da produção contratada (conforme as condições comerciais pactuadas; (2) assistência técnica (extensão rural, consistindo com orientações e a definição de normas técnicas de produção, com o fornecimento de assistência técnica por profissionais qualificados); (3) apoio creditício (entendido como a possibilidade de disponibilidade de capital adiantada pelas empresas agrícolas); e (4) disponibilidade de insumos (adiantamento). “Em contrapartida, as famílias integradas deverão observar os padrões de produção (qualidade, quantidade e prazo) acordados com a empresa agrícola. Além disso, o governo federal, atendendo a recomendações do International Finance Corporation (IFC), órgão membro do Grupo Banco Mundial, de forma pioneira está estruturando um programa de mitigação de passivos sociais denominado ‘Projeto Sequeiro’. Este programa consiste no reassentamento nas áreas de sequeiro do Projeto Pontal das famílias desapropriadas por força da obra. Se assim optarem, essas pessoas poderão ter auxílio do governo federal na estruturação de suas atividades tradicionais de sequeiro (majoritariamente, a ovinocaprinocultura), mediante o fornecimento da infraestrutura mínima necessária (vias de escoamento da produção, acesso à água para fins de abastecimento humano e dessedentação animal e implantação de capineiras de uso comum), além de assistência técnica (acompanhamento técnico, orientações agronômicas e genéticas etc.)”, afirma Coelho.

O rio para todas as sedes

Seja para saciar a sede humana, dos animais, ou, até mesmo das plantas e do solo, o rio São Francisco tem sido a principal fonte. Nesse sentido, duas vertentes se utilizam das águas do Velho Chico. A primeira, a irrigação, e a segunda, a integração de bacias, a partir do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional – um empreendimento do governo federal, sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional.

A partir dessa integração, o governo estima que seja assegurada a oferta de água, em 2025, a cerca de 12 milhões de habitantes de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

A integração do rio São Francisco às bacias dos rios temporários do semiárido será possível com a retirada contínua de 26,4 metros cúbicos por segundo (m³/s) de água, o equivalente a apenas 1,42% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1.850 m³/s), sendo que 16,4 m³/s (0,88%) seguirão para o Eixo Norte e 10 m³/s (0,54%) para o Eixo Leste.

Irrigação

Já sobre os projetos de irrigação pela bacia do São Chico, só a Codevasf opera 25. “Com uma área irrigável, ou seja, com possibilidade de produzir utilizando-se a irrigação, maior que 130 mil hectares”, certifica Frederico Orlando Calazans Machado, secretário-executivo da Área de Gestão dos Empreendimentos de Irrigação da Codevasf. “Além disso, a empresa, por força de convênio com a Companhia Hidro Elétrica de São Francisco (Chesf), mantém e opera nove projetos de reassentamento com infraestrutura de irrigação pública com uma área aproximada de 13 mil hectares, o que totalizam uma área superior a 143 mil hectares sob a coordenação e supervisão da Codevasf”, afirma.

Ainda segundo Machado, a Codevasf mantém perímetros de irrigação em funcionamento desde a década de 1960, porém a grande maioria entrou em operação entre as décadas de 1980 e 1990.

O outro lado da moeda

Se por um lado há os benefícios reais da implantação da irrigação, por outro, há riscos que essa intervenção humana pode causar ao rio, bem como ao ecossistema no qual ele se insere. No estudo “Vetores estruturantes da dimensão socioeconômica da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”, divulgado em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chega-se a conclusão de que a prática da irrigação na bacia do São Francisco deve ser avaliada com cuidado, apesar da sua importância numa área caracterizada por um déficit hídrico significativo ao longo do ano. De acordo com órgão, estudos recentes sobre a região de Irecê (BA), um dos polos da produção de grãos do Nordeste, especialmente do feijão, têm revelado os impactos da irrigação intensiva nos solos agrícolas. Os riscos recaem sobre uma possível falta de infraestrutura em projetos de irrigação precários em torno do rio, que podem provocar a erosão ou o acúmulo de sais no solo.

Para a transformação da agricultura de sequeiro em irrigada, segundo dados da Codevasf, aspectos ecológicos devem ser observados, uma vez que tanto a total desconsideração quanto a supervalorização do impacto ambiental não são benéficas ao desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, o órgão pontua que, na elaboração de um projeto de irrigação, deve-se quantificar o peso dos impactos ambientais ocasionados pela implantação e adoção das correspondentes medidas que aliviem o processo. Quando em operação, deve-se considerar os aspectos ecológicos, na busca de dinamizar a produtividade e a eficiência do uso da água, manter as condições de umidade do solo e de fitossanidade favoráveis ao bom desenvolvimento da cultura, melhorar ou, no mínimo, manter as condições físicas, químicas e biológicas do solo, fatores esses que muito influenciam na vida útil do projeto.

A modificação do meio ambiente, a salinização do solo, a contaminação dos recursos hídricos, o consumo exagerado de água, os problemas de saúde pública são considerados os pontos mais importantes a serem analisados nos estudos referentes aos impactos ambientais.

Rio São Francisco

Descoberto em 1502, é o “rio da integração nacional”, por ser o caminho de ligação do Sudeste e do Centro-Oeste com o Nordeste, e banha cinco Estados (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além de a Bacia dele alcançar, também, Goiás e o Distrito Federal). Recebe água de 168 afluentes (dos quais 99 são perenes), sendo que 90 estão na sua margem direita e 78 na esquerda. Veja algumas curiosidades sobre ele:

Extensão: 2.700 km;
Área da Bacia: 634 mil km²;
Dividi-se em quatro trechos:
(1) Alto São Francisco – das nascentes até a cidade de Pirapora (MG), com 100.076 km², ou 16% da área da Bacia, e 702 km de extensão. Atende a 6,247 milhões de habitantes;
(2) Médio São Francisco – de Pirapora (MG) até Remanso (BA), com 402.531 km², ou 53% da área da Bacia, e 1.230 km de extensão. Atende a 3,232 milhões de habitantes;
(3) Submédio São Francisco – de Remanso (BA) até Paulo Afonso (BA), com 110.446 km², ou 17% da área da Bacia, e 440 km de extensão. Atende a 1,944 milhões de habitantes;
(4) Baixo São Francisco – de Paulo Afonso (BA) até a foz, entre Sergipe e Alagoas, com 25.523 km², ou 4% da área da Bacia, e 214 km de extensão. Atende a uma população de 1,373 milhões de habitantes;

A Bacia do rio abrange 504 de municípios, ou 9% do total de municípios do País. Desse total, 48,2% estão na Bahia, 36,8% em Minas Gerais, 10,9% em Pernambuco, 2,2% em Alagoas, 1,2% em Sergipe, 0,5% em Goiás e 0,2% no Distrito Federal;

Consumo atual de água da Bacia do rio São Francisco: 91 m³/s;
Vazão firme na foz (garantia de 100%): 1.850 m³/s;
Vazão média na foz: 2.700 m³/s;
Vazão disponibilizada para consumos variados: 360 m³/s;
Vazão mínima fixada após Sobradinho: 1.300 m³/s;
Vazão firme para a integração das bacias: 26 m³/s (1,4% de 1.850 m³/s).

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