Pecuária

Cruzamento industrial: faça a escolha certa!

Um projeto de cruzamento industrial vitorioso começa com a escolha das raças, ou tipo animal, mais indicados para cada caso, dependendo da região, da genética disponível e da infra-estrutura da propriedade.

A pecuária aos poucos vem voltando a ser um bom negócio. Mas, para começar a investir nessa área são necessários diversos cuidados e, principalmente, conhecimentos, para que a atividade dê retorno. Pecuaristas costumam dizer que são cinco os pilares que sustentam a atividade pecuária. São eles nutrição, genética, manejo, gestão e sanidade. Se algum destes pilares não estiver firme, a estrutura cede. Tão importante quanto todos esses fatores, é a escolha da raça com a qual o produtor vai trabalhar.

Cruzamentos com diferentes raças são válidos e vantajosos, porém são necessários conhecimento, tempo e recursos para que as experiências sejam vantajosas. Para poupar os pecuaristas de decepções financeiras, a Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos, interior de São Paulo, realiza linhas de pesquisa com cruzamentos para poder indicar ao produtor rural quais são as melhores raças ou que tipo de cruzamentos são mais adequados para cada finalidade. “Esse é o papel da pesquisa, porque nenhum produtor pode se dar ao luxo de ficar fazendo [pesquisa] por si próprio. É um dever do estado, é um dever do País dar esse tipo de resposta”, explica Pedro Franklin Barbosa, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste. Pedro é o responsável pelas pesquisas de cruzamento industrial e é um dos maiores nomes no Brasil na área de Zootecnia, com ênfase em Genética e Melhoramento dos Animais Domésticos (gado de corte e gado de leite), atuando principalmente nas áreas de seleção, sistemas de acasalamento, cruzamentos, crescimento, modelagem e simulação de sistemas de produção animal.

Pedro conta que atualmente, a Embrapa trabalha com duas raças puras. Uma é a Canchim, raça desenvolvida na Fazenda Canchim, local onde hoje se localiza a Embrapa Pecuária Sudeste e que é composta de 5/8 da raça européia Charolês e 3/8 Zebu. A outra raça é o Nelore, que ali é utilizada como valor de referência. “Se nós, com todo esse esforço de pesquisa, recomendarmos alguma estratégia diferente da utilização do Nelore, essa estratégia tem que ser melhor do que o Nelore. Ou melhor em termos econômicos, ou em termos biológicos”, explica Franklin.

Os cruzamentos em andamento na Embrapa Pecuária Sudeste atualmente são de Angus com Nelore, que dá uma vaca de tipo médio, e Simental com Nelore, cujo resultado fornece uma vaca de tamanho grande. Mais recentemente, a Embrapa Pecuária Sudeste está testando nestes cruzamentos, vacas Angus, Bonsmara e Canchim. “A idéia por trás disso tudo é a seguinte: Com as raças Angus e Bonsmara, aumentar a proporção de taurinos, para ver se nós melhoramos a qualidade da carne sem perder a adaptação”, enfatiza Franklin. A raça Bonsmara foi desenvolvida pela África do Sul ainda na década de 40, com o intuito de ter um gado 560 taurino que suporte as condições de clima e pasto daquele país, onde as temperaturas chegam facilmente aos 45 graus e a vegetação é seca e pobre. Segundo Franklin, a raça Canchim entra nessa pesquisa por ser uma raça que foi ali desenvolvida e precisa ser sempre testada. Além disso, os cruzamentos dessas raças com Canchim, dão sempre animais brancos. Esse experimento já está na terceira safra, porém, ainda sem resultados conclusivos.

Um outro importante experimento em andamento na Embrapa Pecuária Sudeste utiliza cruzamentos de Angus com Nelore, Senepol com Nelore e os compara com Nelore puro. O objetivo é ver como cada um desses cruzamentos trabalha nas condições de pasto e clima do centro-oeste. A raça Senepol nasceu do cruzamento entre a africana de origem européia N´Dama e a britânica Red Poll. Seu local de origem é Saint Croix, uma das Ilhas Virgens, no Caribe. Franklin explica que com o cruzamento entre Senepol e Nelore, é possível utilizar touro Senepol em monta natural. Com cruzamento entre Angus e Nelore, na região Centro-Oeste, não é possível usar touro Angus puro por causa do estress térmico que o animal vai sofrer. A segunda parte do experimento consiste em pegar os resultados desses cruzamentos e cruzar com touros Canchim para, na segunda cria, cruzar com raças maiores para o abate. “A tendência nossa é sempre utilizar tipos biológicos diferentes. Por exemplo, não adianta comparar duas raças grandes, de maturação tardia. Não adianta pegar duas raças de maturação precoce. Então temos de pegar animais de porte pequeno, médio e grande. Nós usamos touros de diferentes tamanhos e raças com o objetivo de, no final, recomendar alguma coisa com segurança. É como se fosse um manual de especificação. A nossa grande pretensão é essa: É lançar ao final do projeto, um manual de recomendação sobre utilização de raças de bovinos de corte”, explica Pedro Franklin.

A Embrapa Pecuária Sudeste vêm realizando há décadas pesquisas com cruzamentos de diferentes raças. Porém, Pedro explica que ainda não é possível afirmar com clareza quais cruzamentos têm obtido melhores resultados, mas algumas conclusões já podem ser tiradas. Segundo Pedro, cruzamento de Nelore com Simental é melhor para quem vende bezerro na desmama, pelo fato da raça Simental ser maior. Para quem vende boi terminado, Nelore com Angus é um cruzamento mais eficiente, já que produz uma carne melhor. “Nós vamos analisar um sistema como um todo. Daqui a dois anos nós vamos ter a avaliação econômica desses cruzamentos, para indicar com firmeza qual cruzamento é melhor para cada atividade”, explica Pedro Franklin, que também conta que além das características das raças, existem mitos que contam muito na hora da compra e da venda: “No Brasil, existe o mito do boi branco. Se você for vender bezerro na desmama, mesmo que seja pesado, mas que o bicho é malhado, colorido, o preço é menor. Vender bezerro na desmama que é branco, o preço é maior, mesmo que ele seja mais leve. Então tem toda esse cenário de mercado para considerar.

O mercado é, sem dúvida, o primeiro fator a ser considerado quando o assunto for escolha de raças ou cruzamentos. “No Brasil, o Nelore, ou animais derivados de Nelore – anelorados – é a raça mais criada no país. Tem o maior número e o maior efetivo. O Nelore tem determinadas especificações, tem características da raça e do produto que é vendido. Então o primeiro critério para escolher seria esse, atender o mercado. Qual o mercado que você quer atender. Se você fizer essa lição de casa, com certeza você vai encontrar dentro dessa diversidade toda de raças que existem no mundo, aquela que mais se adapta, que mais se adequa ao teu mercado”, explica o pesquisador. Acredita-se que existam cerca de 1.100 raças bovinas no mundo, tanto leiteiras quanto de corte. Dessas 1.100, cerca de 850 têm importância numérica, ou seja, possuem mais de 50.000 animais registrados. No Brasil existem cerca de 80 raças sendo criadas hoje, portanto a diversidade é grande e a possibilidade de errar na compra também. “Mais uma vez, voltando a insistir, o mercado é quem manda. Não adianta produzir aquilo que o povo não compra. Você tem que produzir um produto que o mercado vá comprar, que o mercado vai pagar mais se tiver maior valor agregado. Se tiver maior valor agregado, se tiver maior qualidade, se tiver melhor sabor, maior maciez de carne, o mercado vai comprar. Não só o mercado interno, como também o mercado externo”, enfatiza o pesquisador, que também acredita que não é um bom negócio para o rebanho brasileiro investir em apenas uma raça, como o Nelore, por exemplo, que corresponde a quase 80% do gado nacional. “O Brasil não pode e não deve, em termos estratégicos, ficar confinado ou ficar restrito a oferta de apenas um produto. Nós temos de diversificar produtos porque nós temos diferentes mercados e nós podemos atender esses diferentes mercados de diferentes maneiras.”

O segundo critério que deve ser levado em conta, na opinião de Pedro Franklin, é a oferta de material genético. “Nem todas essas raças têm garantia de oferta de material genético no futuro. Então você tem que optar por um produto, por uma raça, para escolher essa raça, ou usar em cruzamento, ou formar novas raças, qualquer que seja a sua estratégia, você tem que ter garantia de oferta de produto, de material genético”, afirma o pesquisador. Esse material genético, segundo Franklin, não é só de animais vivos. Material genético pode ser tanto sêmen, quanto embriões ou animais vivos. Se for possível importar e criar esses animais, a oferta de material genético para o futuro fica garantida.

O terceiro critério, porém não menos importante é o gosto pessoal. Franklin explica que o criador deve ter afinidade com o que pretende criar. “Ninguém cria aquilo que não gosta. Ninguém compra aquilo que não gosta. Ninguém compra um carro, por melhor que ele seja, se não gostar do modelo. E é igualzinho com bovino de corte. E bovino de leite também é assim. Nós temos que ouvir o mercado, que tipo de produto, se tem garantia de oferta, e o gosto pessoal. Com esses três critérios, eu acho que nós conseguimos resumir bem como escolher uma raça de bovinos para criar”.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *