Pecuária

Boi capim: produtor amarga prejuízos com o “apagão sanitário”

De acordo com os pecuaristas, o quadro da saúde animal em nosso país está centrado em duas vertentes: a do setor privado e a do governamental. Cabia ao governo federal liderar o processo, incentivando e provendo o setor de recursos materiais e humanos.

“Hoje, a situação está bem diferente porque os produtores estão fazendo a sua parte e o governo, especialmente o federal, não vem alocando os recursos na hora e nos locais certos. O contingenciamento de recursos do orçamento federal vem prejudicando em muito a saúde animal em nosso país”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Medicina Veterinária – SBMV, Josélio Moura. Ele defende a existência de “uma permanente atualização dos laboratórios de diagnóstico e também uma atenção especial na melhoria da qualidade das vacinas utilizadas no combate as mais diversas doenças que afetam os nossos rebanhos”.

Para Moura, o contingenciamento e outras falhas do sistema têm que mudar o mais rápido possível, tendo em vista que o complexo produtivo de todas as carnes, não apenas a de bovinos, gerou no ano passado 10,8 bilhões de dólares. É uma questão de economia”. Entende o técnico e líder do setor veterinário que se fossem alocados 5% desses recursos o País teria um programa sanitário à altura de sua posição no ranking dos mercados internacionais.

Dentre os problemas sanitários, o mais grave é o da febre aftosa. Segundo o ex-presidente da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia – Adab e atual consultor para assuntos de febre aftosa, José Lira, é preciso fazer grande esforço para combater a doença, porque os rebanhos estão aumentando e, consequentemente, a vigilância deve ser maior. Lira enfatizou ainda que nem tudo está bem em vários estados brasileiros quanto ao controle da febre aftosa e recomenda o revigoramento das ações e o fortalecimento da gestão sanitária para que se alcance uma execução robusta. O consultor propôs algumas ações: cobertura vacinal de 80% do rebanho e em algumas situações de 560; vigilância sanitária proativa com barreiras fixas e móveis; programas de educação sanitária e de treinamento em todos os níveis; montagem de um corpo técnico e auxiliar altamente capacitado e motivado para exercer com o rigor recomendado pela legislação o serviço de erradicação de enfermidades que afetam os rebanhos de exploração comercial.

O presidente do Conselho Nacional da Pecuária de Corte – CNPC, Sebastião Costa Guedes destacou a dificuldade de se estabelecer uma política sanitária consistente, embora acredite que o País tenha evoluído muito neste aspecto nos últimos anos. Sob a ótica do combate a febre aftosa, por exemplo, Guedes sugere atenção especial na fronteira dos estados do Mato Grosso do Sul e Paraná com o Paraguai; também nas divisas de Mato Grosso, Acre e Rondônia com a Bolívia e a calha do rio Amazonas; além de tratamento mais objetivo das restrições de risco no Nordeste brasileiro. Outro aspecto que ele defende é uma atuação mais efetiva para ampliar a rastreabilidade, que tem que ser exigida e auditada para ser confiável.

“Temos também que cuidar da imagem da sustentabilidade com o envolvimento dos aspectos sociais e ambientais”, disse Guedes, acrescentando que “o Brasil tem uma ótima infraestrutura frigorífica que precisa ser mostrada lá fora, e aliado a isto, temos que disseminar o bem-estar animal na sua criação, transporte e abate”.

Altino Rodrigues Neto, diretor-geral do Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA, falou detalhadamente sobre o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), criado no início de 2006, como medida para fiscalização de maneira integrada de produtos animais. O Suasa substitui o serviço municipal, estadual e federal, que atua isoladamente, transformando estes serviços em um único sistema. “É uma legislação que já está em vigor e muitos técnicos não a conhece, nem adotam, não só no estado como no país”, explicou. A medida permite que um produto originário de determinado município, seja comercializado em qualquer parte do país, desde que o município tenha aderido ao Suasa.

Exportação

Para o técnico Nelson Piñeda, da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu – ABCZ, um dos grandes embates travados pelo governo brasileiro na defesa das exportações de carne é a definição de novas fronteiras pecuárias. “Toda a cadeia produtiva deve estar atenta a este e outros aspectos que darão sustentabilidade à nossa posição como maiores exportadores de carne”, disse Piñeda. Ele acredita que a mudança na política energética, com o destaque dado ao biodiesel em todo o mundo, tem alguns aspectos positivos como, por exemplo, provocar o aumento do preço do milho no mercado americano que está utilizando e vai utilizar ainda mais este cereal para produzir mais biodiesel. “Com isto, o preço da commodity tende a aumentar. Como consequência teremos o aumento do preço do frango e do suíno. Isso poderá dar à carne bovina mais competitividade em preço”.

“O Brasil exporta carne para 150 países, conquistou recentemente vários mercados. Temos uma carne competitiva, volume e qualidade. Precisamos investir mais, especialmente o governo em pesquisa, combate as doenças e extensão rural para evitar que surjam problemas que resultem em suspensão provisória de importação de carne por países como Estados Unidos e Rússia”, disse o assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, Paulo Sérgio Mustefaga. “Essas suspensões são prejudiciais a toda cadeia produtiva brasileira e causa grave repercussão negativa. Porém, mesmo com essas suspensões que ocorreram o Brasil mantém o primeiro lugar como produtor e exportador de carne bovina”. Mustefaga ressaltou também a necessidade de chegarmos à zona livre de aftosa sem vacinação no país inteiro.

Pedro Eduardo de Felício, médico veterinário e professor da faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, destacou que o Brasil tem potencialidade para conseguir mais mercados no Oriente Médio. “Devemos ainda estudar melhor o Mercado da União Européia, com atenção voltada para os aspectos psicológicos de consumo, principalmente nos países do Reino Unido e Irlanda do Norte”. Ele lembrou que quando a missão da Irlanda visitou fazendas no Brasil, fez pressão para banalizar a carne brasileira, partindo do ponto que o produto não atende os padrões da Europa. “O europeu classifica a carne brasileira em condição sanitária arriscada”, disse.

Para o zootecnista Murilo Henrique Quintiliano, do Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA, o mercado internacional exige valor moral e grau de acabamento como itens importantes para definir a qualidade da carne. “O valor moral da carne tem a ver com qualidade das pastagens onde o boi é engordado, o manejo e o bem-estar dos animais e seres humanos”, disse. Quintiliano enfatizou a importância das boas práticas de manejo para manter o bem-estar dos bovinos. “O controle dos animais não pode existir baseado na agressão e sim pela compreensão do seu comportamento; tratamentos agressivos trazem más conseqüências como perdas quantitativas e qualitativas de carne devido ao estresse no pré-abate, a dor e o sofrimento, entre outras coisas”. Segundo ele, a busca pela melhoria na produtividade, nas condições de trabalho e de vida, são fatores apontados pela resistência européia no combate à carne bovina brasileira.

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