Agricultura

Lavouras transgênicas – o peso da desconfiança

Os organismos geneticamente modificados (OGM), chegaram para ficar. Os cientistas, tanto do setor público como privado, consideram, sem dúvidas, a alteração genética como um importante novo conjunto de instrumentos, uma vez que dá à indústria tem uma oportunidade de aumentar sua receita. No entanto, a população de muitos países não confia nesse tipo de planta ou alimento e, com freqüência, os vê como parte da globalização e da privatização, considerando-os “anti democráticos” ou que “se intrometem naquilo que seria uma evolução natural”.

Paralelamente, poucos governos possuem políticas eficientes sobre o assunto e ainda não criaram nem aplicaram infraestruturas e mecanismos adequados para as lavouras transgênicas.

Com essa afirmação, a subdiretora geral do Departamento de agricultura da FAO (Organização para Alimentos e Agricultura), da ONU, Louise O. Fresco, num artigo para a revista “Agricultura 21”, em novembro último, observa que, na maior parte dos países, não há consenso na possível intervenção da biotecnologia, e em particular dos OGM, nos principais desafios dos setores de alimentação e de agricultura.

A FAO acrescenta reconhece o grande potencial e as complicações dessas novas tecnologias. É necessário proceder com cautela, com pleno conhecimento dos fatores envolvidos. Sobretudo, recomenda avaliar os produtos geneticamente alterados desde o ponto de vista de suas repercussões na segurança alimentar, na pobreza, na biossegurança e na sustentabilidade da agricultura. Diferenciada esse tipo de cultura não pode ser vista deforma isolada, como mera conquista técnica. Para Louise Fresco, tampouco se pode falar com inteligência das plantas modificadas enquanto o debate for concentrado em generalidades. Por este motivo, a FAO está elaborando um inventário mundial de aplicações agrícolas e produtos biotecnológicos, com especial enfoque aos países em desenvolvimento. Os resultados preliminares mostram que a superfície total para esse tipo de plantio está em torno de 44,2 milhões de hectares, enquanto apenas em três anos atrás eram 11 milhões/ha. Aproximadamente 75% da extensão estão localizados em países desenvolvidos. A maior parte desses cultivos se concentra em quatro produtos: soja, milho, algodão e canola.

Objetivos da biotecnologia são limitados

Cerca de 16% do total plantado estão voltados para a produção de variedades geneticamente modificadas, com duas características predominantes: a resistência aos insetos e tolerância a herbicidas. Existem, ainda, áreas menores nas quais são produzidas batatas e mamões (papaya), que receberam genes para ter uma maturação mais demorada e resistir ao ataque de vírus. Apenas sete países em desenvolvimento cultivam comercialmente os OGM, onde quase toda área semeada e produzindo (exceto a Argentina e Chile), têm menos de 100 mil hectares.

O predomínio é exercido pelas lavouras de soja e algodão. A China cultiva algodão modificado no país. As demais nações periféricas obtiveram produtos genéticos ou variedades transgênicas dos países industrializados. O levantamento da FAO descobriu que numerosas espécies de árvores florestais (coníferas, álamos, liquidâmbares e eucaliptos), foram transformadas mediante uma tecnologia de recombinação do DNA, e ainda que não são comercializadas. Constatou, também, não ter havido muita atenção às frutíferas tropicais em geral.

A conclusão da FAO, conforme Louise, é de que existem poucas lavouras genéticas em produção, desde o ponto de vista dos tipos de cultivos e das características, além de não se concentrarem nas necessidades específicas dos países em desenvolvimento. Para ela, é difícil saber o que acontece. Isso porque em todo o mundo houve milhares de experiências sobre a relação do solo com os OGM. Porém, a realização de testes acontece só nos países industrializados.

Existem estudos que usam perto de 200 cultivos nos países periféricos. A grande maioria (152), está na América Latina, em segundo lugar na África (33), e por último na Ásia (19). Outros países participam, além dos sete que já cultivam os OGM, com inúmeras investigações sobre outras combinações de lavouras e características, com maior prioridade na resistência aos vírus, em questões de qualidade e, em alguns casos, tolerância às pressões abióticas (falta de vida). Com isso, Louise afirma ser possível antecipar que o número de produtos geneticamente modificados, listados para o comércio nesses países, aumentará consideravelmente nos próximos anos.

Qualidade e inocuidade ainda deixam a desejar

Contudo alerta, não há qualquer enfoque as lavouras consideradas importantes, como a produção de legumes, vegetais em geral, e nem aos cultivos industriais ou a certas características, como a tolerância a seca e ao alumínio. Conforme aumentam as aplicações da mudança genética, a comunidade internacional precisa assegurar que as lavouras genéticas tenham uma ótima contribuição para a segurança alimentar mundial, à inocuidade e qualidade dos alimentos, assim como a sustentabilidade, além de estarem disponíveis para o público consumidor em geral. Apesar dos indícios alentadores, o inventário da FAO, o potencial lucrativo dos transgênicos desviado o investimento em investigação e aplicação, tanto no setor público como no privado, dos sistemas de gestão de pragas para um maior apoio a produção de monucultura. “Não há motivo plausível que justifique o aquecimento de um possível custo ambiental a longo prazo, dessas estratégias”, pondera.

A manutenção de lavouras biotecnológicas exige investimento enormes e a necessidade de obter, em troca, um retorno (faturamento) volumoso. A pequena quantidade de tecnologias de alteração genética atualmente em uso indica um “verdadeiro perigo” de que a escala de financiamento conduza a uma concentração seletiva nas espécies e nos problemas de importância mundial, com a inércia inerente ao capital. Ao mesmo tempo, cada vez mais se utilizam os direitos intelectuais “duros” em matéria de sementes e materiais de cultivo, além dos instrumentos de engenharia genética. “Isto modifica a relação entre os setores públicos e privados, em detrimento do primeiro”, constata.

Ao que diz, um problema normativo, que os governos precisarão atender, tanto no âmbito nacional como internacional, está relacionado em assegurar que a investigação pública “não se converta no primo pobre”. Nos países em desenvolvimento, em particular, é importante que a área pública conserve suficiente capacidade, recursos e independência para oferecer os serviços que possam ser aproveitados pelo setor privado nacional. Também terão que criar diretrizes orientando os cultivos de transgênicos que tenham origem em outro local, fora de suas fronteiras.

Neste aspecto, a Convenção Internacional de Proteção Fitossanitária (CIPF), está definindo uma operação prática com o Convênio sobre a Diversidade Biológica (CDB) e seu protocolo de biosseguridade. Elabora, ainda, um fio condutor específico e detalhado para as normas internacionais destinadas a medidas fitossanitárias, buscando determinar e avaliar os riscos de pragas associados aos organismos vivos modificados.

Outro tema de preocupação, conforme Louise, é o acesso dos países em desenvolvimento, dos produtores pobres e dos consumidores à investigação e às novas tecnologias. A biotecnologia na agricultura, assinala, se aplica aos recursos genéticos, fruto da seleção e da obra dos agricultores do mundo todo, desde o neolítico. Isto possibilita o surgimento imediato da pergunta sobre como garantir um acesso contínuo para os agricultores e “melhoradores”.

Um passo importante, aponta, é o compromisso internacional sobre recursos fitogenéticos, que embute a proposta de criar um sistema multilateral de facilidades de acesso e distribuição dos benefícios dos principais cultivos do planeta. Essa medida compreende democratizar os resultados da comercialização dos materiais desse modelo, através do pagamento obrigatório de uma taxa. O acesso dos “melhoradores” ao material genético para aprimorar produtos, cada vez mais difícil em virtude das patentes das plantas transgênicas, é uma condição que deve ser protegida Sobre isso, a FAO participa dos debates sobre alimentos, agricultura e patentes de propriedades intelectual, em associação com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual.

Embora as alterações genéticas tenham aumentado a produção de algumas lavouras, a realidade indica que, até agora, essa tecnologia atende poucos problemas e dá um enfoque rarefeito aos cultivos importantes ao esquema de produção dos países periféricos. Os países industrializados impuseram limites à adoção dessas técnicas, devido à falta de benefícios evidentes para o consumidor e, também, pela ausência de segurança sobre a inocuidade dos produtos. O volume de investimentos necessários e o atrativo da ciência avançada podem distorcer as propriedades da pesquisa.

A alteração genética não é um bem em sim mesma, mas um instrumento integrado num programa mais amplo de experimentos, no qual a ciência pública e privada pode se compensar. Orientar corretamente as experiências, assim como buscar acordos internacionais adequados sobre a inocuidade e acesso é tarefa difícil. “Hoje é mais evidente que nunca a necessidade de administrar com responsabilidade os bens públicos internacionais. Os instrumentos políticos para isso são débeis e, numa economia globalizada, com freqüência a voz dos países pobres não é ouvida, bem como as dos produtores e dos consumidores”.

Para Louisse, a fim de que as pesquisas encarem os desafios da agricultura, é preciso situar a modificação genética em seu contexto e levar em conta de que é apenas um de tantos elementos da transformação agrícola.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *