Opinião

Três pilares da sustentabilidade na cadeia da cana

Por Denis Arroyo Alves* – Me ensinaram, ainda no colégio, que aprender sobre fatos históricos é importante para estudar o passado, compreender o presente e tentar prever alguns cenários futuros.Pois bem, estive recentemente conversando com um produtor de cana-de-açúcar do estado de São Paulo sobre os desafios da safra atual e a deterioração das relações entre produtores e usinas em um ambiente de baixa confiança.

Nessa conversa ele me falou sobre o tema que é título deste artigo: cana obrigada. Contou-me, em breves palavras que, na época dos primeiros engenhos de açúcar, quando também surgiram os primeiros produtores de cana-de-açúcar, as terras adquiridas por estes produtores nas regiões do engenho deveriam fornecer a cana exclusivamente ali, sendo chamada de cana obrigada.

Achei o termo interessante e decidi procurar mais sobre ele. Encontrei diversos materiais e, em um deles, o termo aparecia de maneira muito clara e detalhada. Seu título fala sobre a “subordinação dos lavradores de cana aos senhores de engenho”. O artigo analisa os mecanismos de poder utilizados pelos donos de engenho para subordinar os produtores de cana e manter a supremacia no conjunto da produção.

A cana obrigada era, conforme dito anteriormente, a cana produzida por produtores em terras da região do engenho e, do total de açúcar produzido, o engenho ficaria com no mínimo 50% para pagamento do processamento.

O artigo traz também outros pontos interessantes, como um texto histórico em que um escritor alerta para a importância de ser construída uma boa e verdadeira relação com os produtores, baseada em confiança e prosperidade, pois estes eram fundamentais ao sucesso dos engenhos e seus proprietários.

Bem, agora que estudamos o passado, vamos entender o presente. Estamos no início da economia verde, de baixo carbono e com uma pauta presente de ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) e nestas questões, a cadeia de cana-de-açúcar é extremamente eficiente. Para se ter uma ideia, a cada 80 toneladas de cana produzidas por hectare são retiradas do ar 60 toneladas de CO2. A descarbonização acontece realmente no campo e é gigantesca.

Alinhados neste caminho e nos benefícios à saúde que esta economia baseada em baixo carbono pode trazer, o Governo Federal aprovou a lei do RenovaBio, programa que visa reconhecer os benefícios ambientais da cadeia do etanol (na verdade de todos os biocombustíveis) face a dos combustíveis fósseis, uma vez que esta é de menores emissões de poluentes, pois, como dito acima, a área agrícola, tira CO2 do ar e o fixa na biomassa gerando assim um saldo positivo de carbono em relação a gasolina e diesel, por exemplo.

Atrelada a esta lei e suas regras de comercialização muito bem estabelecidas, chega o momento de remunerar ao produtor por este crédito verde.

Por incrível que possa parecer, as usinas produtoras de etanol ofereceram 50% do valor do crédito, pois, segundo elas, a cana não faz parte deste ganho uma vez que quem gera o crédito verde é apenas o etanol. E como as usinas já compram a cana do produtor e já é posse dela, ela insere este volume no programa do RenovaBio de maneira obrigada, sem mesmo precisar da aprovação do produtor. 50% pela cana obrigada! Mais de 500 anos depois!

Apesar dos estudos técnicos apresentados pelos produtores, as usinas declinaram de uma negociação coletiva e estão buscando produtores individualmente, tendo aí um desproporcional desequilíbrio de forças, subordinar os produtores de cana por força de contrato oferecendo um bônus deste credito de 50%. Ou seja, o produtor será presenteado com metade do que é dele.

Falei de ESG rapidamente, mas volto a ele para chamar a atenção que o “S”, de social, é diretamente relacionado também ao produtor de cana e às relações que a cadeia tem com ele, quer seja usina, indústrias, distribuidores ou mesmo clientes finais.

E a letra de “E”, de meio ambiente, está ligada ao BIO do biocombustível que é o etanol. É neste BIO que a descarbonizaçao acontece. E o “G”, de governança, remete a como estas relações são geridas verdadeiramente, por exemplo verificando in loco, para os acionistas, se a forma como a alta gestão diz se relacionar com os produtores acontece realmente. Como falar de ESG e deixar de lado estes pontos?

Passado e presente tratados, o que podemos esperar do futuro se a cadeia sucroenergética seguir neste mesmo caminho de décadas?

  1. Migração dos produtores de cana para arrendamento e consequente concentração de produção nas usinas, levando a menor eficiência destas e impacto na economia da sociedade em que está inserida, pois o produtor movimenta pequenos negócios da região, o que deixará de acontecer neste cenário;
  2. Migração para outras culturas. A soja tem avançado sobre as áreas de cana, uma vez que os resultados desta cultura reagem mais ao mercado, com mecanismos de proteção e ofertando rentabilidade de cinco a dez vezes mais. No setor sucroenergético de SP 40% da cana vêm de produtores. Como ficará a produção de energia no estado (etanol e energia elétrica de biomassa) se essa migração ocorrer?
  3. Perda de eficiência da cadeia produtivas, pois a concentração nas usinas trará custos maiores, incremento de custos fixos e em remuneração de ativos, maior risco de produção, uma vez que o negocio agrícola não é escalável como o industrial, pois depende de incremento de mais áreas e com isso deslocamentos e complexidade logística e operacional.

Em minha visão, há solução sim para essa crise de confiança que, infelizmente, não está apenas no RenovaBio, mas também no Consecana e nas negociações locais individuais.

Precisamos ampliar o valor dessa cadeia produtiva trabalhando em economia colaborativa, trazendo melhores ganhos e compartilhando de maneira justa até chegar aos produtores, retomando assim a atratividade e a lucratividade da cultura.

Mas o principal é retomar o orgulho do produtor e fazê-lo sentir-se parte do negócio sucroenergetico que é um orgulho nacional. Além disso, a sociedade não aceita mais quem pratica no presente um passado que não condiz com o futuro que se deseja.

A cana não é obrigada, para a cana se diz: Obrigado!

(*) Denis Arroyo Alves é Diretor Executivo da Orplana – Organização das Associações dos Produtores de Cana do Brasil

 

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