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Transformando a fazenda num modelo de gestão

Revista Rural 261 / março 2020 – Um bacharelado e uma pós-graduação na área de exatas, uma sucessão familiar e a vida como produtora rural. Caminhos tão opostos que se cruzaram na vida de Márcia Piati, após uma fatalidade familiar, hoje servem de história como exemplo de superação e trabalho duro em prol da agricultura. Filha de Dona Ezir e Seu Luiz Piati, ela é a mais velha entre quatro irmãs. Aliás, “Quatro Filhas” é o nome dado a fazenda da família, localizado na cidade de Céu Azul, oeste do Paraná. A família que vem de origem interiorana, chegou no local no ano de 1983, e Seu Luiz cuidava de todas as funções dentro da produção. “Antes da mecanização, de forma braçal ele plantava de tudo um pouco e atuava em toda a propriedade. Depois, com a chegada da modernidade nos campos, passou a cultivar soja, milho verão e trigo, contando com a ajuda de um ou dois funcionários”, conta a produtora.

Nenhuma das filhas participava ativamente no dia a dia da produção, e Dona Ezir comenta que o marido as incentivava a irem buscar novos rumos fora da fazenda, mesmo que pensasse em vê-las atuando pelo campo. “Ele as queria ver formadas, trabalhando com o que gostam. Nunca forçou a participação aqui no sítio. Já eu tinha esperança que, pelo menos, uma trabalhasse conosco”, declara. Mas, quis a vida que o rumo da família mudasse de repente, sem aviso prévio. Em abril de 2008, aos 54 anos, Luiz Piati faleceu, deixando o futuro da fazenda como incerto. Foi nesse momento que Márcia, à época formada em matemática há oito anos, tomou a maior decisão que poderia imaginar. “Eu abracei minha mãe e prometi que viria ajudar aqui, não deixando o trabalho construído por eles partir junto do meu pai”.

Os desafiadores primeiros passos

Com a tomada de decisão, Márcia deixou para trás dois concursos públicos e uma carreira já bem estruturada na área matemática, e passou a estudar e aprimorar conhecimentos para a lida diária do campo. “Dei o meu sim a esta nova vida. Com isso, fui fazendo todo tipo de curso que aparecia, pois não passou pela minha cabeça vender o sítio em momento algum”, diz.

Para a nova realidade que se iniciava, Dona Ezir comenta que a primeira grande dificuldade foi encontrar funcionários que topassem trabalhar na Quatro Filhas. “As pessoas não achavam que seríamos capazes de tocar o negócio. Então, pensando em se tratar de um ‘emprego instável’, pouca gente se interessava pelos cargos disponíveis”.

Com o passar do tempo e a capacitação ofertada aos trabalhadores, os negócios entraram nos trilhos. Segundo Márcia, as pessoas passaram a acreditar e ver que o trabalho deu certo há aproximadamente três anos, ou seja, nove após ela assumir a propriedade. “Hoje contamos com três funcionários fixos, até dois temporários, e, se necessário terceirizamos até 15% da colheita”, diz.

Há quase 12 anos a frente da propriedade, a produtora comenta que além de ampliar o sítio em 40%, a principal mudança realizada fica por conta do planejamento por ela desenvolvido. Com sua habilidade na área de exatas conseguiu na parte administrativa do negócio planejar o passo a passo dos cultivos, gerando assim lucratividade e melhor sintonia entre o financeiro e a produção. “Fazendo contas e na percepção diária, senti que era necessário investir em todo processo, e não apenas no que se refere ao campo”.

Ser modelo de produção

Mesmo com o recente sucesso reconhecido pelos vizinhos e produtores paranaenses, um problema surgiu na vida das Piatis em meados de 2014. Devido as fortes chuvas na região, o sítio apresentou erosões no solo, o que atrapalhou a produção. “De repente descobrimos que ele não tinha o preparo adequado para suportar um alto volume de água, e assim, perdemos a camada boa da terra”. Em consequência disso, foi preciso também arrumar as curvas de nível da fazenda, o que demandou ainda mais custos. Devido à necessidade, a reforma foi feita e um solo de mais de 20 anos de existência segue sendo substituído por um novo. “Gastamos aproximadamente R$ 450 mil ao todo, contando as horas das máquinas terceirizadas, gastos com adubo orgânico e calcário para recuperação inicial da área removida, além das horas extras dos funcionários da propriedade”, declara Márcia. Segundo ela, nessa reestruturação toda, 85% da obra já está realizada. 

A produtora conta que a recuperação do investimento começará a ser conferida a partir deste ano, através do rendimento da produção, que agora está num solo mais apropriado. “Os vizinhos nos criticaram por termos investido nisso, mas, na verdade, estamos na vanguarda. Sei que quando eles tiverem estes problemas no solo, eu estarei colhendo uma alta produtividade”, diz.

Por falar em colher, em 2019 e em 2020 no sítio foram plantados 430 hectares de soja, e Márcia está colhendo cerca de 65 sacas por ha. No ano passado, a média foi de 53 sacas/ha. “Esse aumento significativo já é fruto do bom solo e da maior preocupação que temos com tudo que o envolve”, revela. Para se ter ideia, na comercialização, a produtora utiliza o mercado futuro durante o verão e em até 30% da lavoura, além das cooperativas no restante da safra. Dessa maneira, ela já conseguiu atingir preços satisfatórios, que chegaram até a casa dos R$ 78,00 a saca. “É assim que temos crescido e nos estabelecido com uma produtividade considerada modelo aqui na região”. Após a colheita, Dona Ezir diz que cerca de 1/3 da área será destinada ao milho safrinha, enquanto no restante entrará com trigo, como cultura de inverno. “Neste ano vamos plantar aproximadamente 150 hectares de milho. Aqui tivemos atraso no plantio da soja, o que tornou a janela para o safrinha mais curta, mas, mesmo assim, a expectativa ainda é positiva”, declara. Quanto ao trigo, ela comenta que é difícil prever o quanto será plantado e colhido, uma vez que depende de diversas variáveis.

Para que o futuro siga promissor, com produtos de valor agregado, Márcia diz que em toda produção utiliza 40% de recursos próprios e o resto busca nos créditos oficiais. No futuro, a intenção da produtora é inverter esse dado. “A ideia é chegar até os 60% de recursos próprios nos próximos dois anos, para depender menos das linhas oferecidas a todos e também poder realizar mais negociações à vista, o que para mim é melhor”. 

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