Agricultura

Um café “super especial”, e com um toque feminino

Mulheres se destacam na produção de cafés especiais em Santa Rita do Sapucaí. Empreendedoras, elas conquistam espaço no cultivo, exportação e no turismo rural.

A história conta que os primeiros plantios de café em Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas, surgiram no final do século 19. Naquela época, a produção agrícola do município ainda era dominada pelo cultivo do fumo. Mas a chegada da estrada de ferro e a valorização do café, impulsionaram o investimento nesta nova cultura, aos pés da Serra da Mantiqueira.

A cafeicultura prosperou na região, beneficiada pelo clima e topografia do local. Mesmo enfrentando crises, dividindo espaço com a bovinocultura de leite e vendo surgir nos tempos atuais o avanço do polo tecnológico em Santa Rita do Sapucaí, a cafeicultura continua como forte atividade econômica no meio rural. Atualmente a produção está em torno de 120 mil sacas (60kg) por ano e a área plantada é de 5,8 mil hectares.

Mas um detalhe vem chamando atenção nos últimos anos: a presença de um grupo de 15 mulheres empreendedoras, que estão investindo com sucesso na cafeicultura do município. O trabalho desenvolvido por elas envolve a produção no campo, abertura de cafeterias, exportação do produto e até o turismo rural em fazendas de café. Todas as mulheres do grupo também fazem parte do programa Certifica Minas Café. Trata-se de um programa do Governo de Minas Gerais, executado pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), por meio da Emater-MG e do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). A ideia é estimular os produtores a adotarem boas práticas de produção e uma gestão moderna da propriedade para agregar valor ao café mineiro.

“É fascinante o ânimo e o espírito empreendedor destas mulheres. Elas participam de eventos, de cursos, seminários. É uma união de forças”, explica a técnica da Bem-Estar Social da Emater-MG no município, Marina de Castro Barbosa.

Empreendedorismo

A produtora Maria Dorothéia Rennó Moreira vem de uma família tradicional de Santa Rita do Sapucaí. Em casa, guarda fotos antigas das terras que herdou, ainda do início do século 20. Hoje, com ajuda do filho, ela cuida da produção de café na Fazenda Santa Maria. Orgulhosa do trabalho que desenvolve, Maria Dorothéia conta que se preocupa com a qualidade do café que sai da lavoura e que é exigente com o monitoramento de pragas e doenças.

“Eu costumava falar que café era como uma receita de bolo que eu colhia, adubava e esperava a outra colheita. Mas não é assim. Cada café tem um terroir (característica de solo e microclima de uma extensão de terra) que é dele. Cada um é suscetível a doenças que são dele, tem lugares mais frios com mais ferrugem, tem lugar que sofre mais com a seca. Todos estes cuidados a gente tem que monitorar durante o ano”, explica.

Mas não foram só a parte técnica e os cuidados com a lavoura de 130 hectares que vêm marcando a trajetória da produtora de café. Maria Dorothéia também fala sobre como é ser mulher num ambiente ainda dominado por homens. “O primeiro desafio foi me impor como ‘mulher patroa’, com empregados homens que estão acostumados a mandar na casa deles. É um grande desafio e você tem que tomar muito cuidado. O segundo desafio foi me capacitar para poder gerir uma lavoura grande, com eficiência, profissionalismo e foco. Por isso tenho assistência técnica, ofereço treinamento para os funcionários. Eu tenho uma baixa rotatividade de empregados, porque eles gostam da fazenda, eles vestem a camisa. É muito gratificante trabalhar com uma equipe boa. Quando eu cheguei aqui eu tinha funcionários. Hoje tenho uma família”.

De pai para filha

Santa Rita do Sapucaí é hoje conhecida como Vale da Eletrônica. E uma das “pratas da casa” neste setor também está desenvolvendo com sucesso a carreira como produtora e empresária de café. Com a formação em Técnica em Eletrônica, Laura Junqueira Mendes foi para São Paulo, na época com 17 anos, estudar Economia. Em seguida, começou a trabalhar com empresas de internet no Brasil e no exterior. De volta ao país, em 2013, foi trabalhar com startups.

Pouco tempo depois, ela recebeu um convite do pai para ir a Santa Rita do Sapucaí desenvolver um programa de gestão para a fazenda da família. “Era para ser um projeto de dois meses. Mas cheguei na fazenda e vi um lugar lindo, cheio de potencial, com cafés maravilhosos. Os dois meses viraram três, quatro, cinco. E eu assumi a fazenda”.

Hoje ela está há três anos administrando a Fazenda Condado São José, com 150 hectares. A propriedade foi certificada, os cafés especiais passaram por uma rastreabilidade, houve investimento em gestão e tecnologia. Laura Mendes conta que o programa Certifica Minas foi iniciado há dois anos no local. Segundo ela, foi uma maneira de estruturar a fazenda. “A gente chegou junto com o pessoal da Emater-MG para melhorar a fazenda como um grupo. Foi um trampolim para outras certificações e também ajudou a receber mais pela saca de café”, afirma.

O mais recente passo foi o início da exportação do produto. “No ano passado começamos com o projeto de exportação direta para o comprador. Estamos, com muito sucesso, exportando para Espanha, Noruega, Estados Unidos e Hong Kong”, explica.

Mas a porta aberta pela jovem produtora no exterior também está beneficiando outros cafeicultores do município. “Comecei exportando só os cafés da propriedade, mas vi que tinha muitos pequenos produtores à minha volta, com cafés maravilhosos e que eu não podia deixar de fora. Então, estamos exportando o café desses produtores. Eles chegam a receber até 200% a mais do que normalmente receberiam”.

Como mulher, Laura Mendes ressalta uma característica que está ajudando a diminuir os custos de produção, melhorar a gestão e pensar na fazenda como uma empresa. “Uma coisa legal das mulheres é que a gente não tem medo de perguntar o que fazer para que algo fique melhor. Somos mais humildezinhas”, diz a produtora e empresária.

Café e turismo

Aproveitando a beleza natural da região da Serra da Mantiqueira, outra mulher do município vizinho Cachoeira de Minas, mas que participa do grupo, resolveu investir em um setor da cafeicultura que vai além da produção e da comercialização do produto: o turismo rural.

A ideia foi abrir as porteiras do Sítio São Sebastião para os visitantes, entre maio e outubro, época da colheita do café. “Eles passeiam pela fazenda, vendo os funcionários colhendo o café, além de todo processo de limpeza, lavagem, secagem no terreiro até a torra. Conseguimos agregar valor à nossa produção por causa das variedades que temos aqui e que as pessoas não conhecem, são sabores diferenciados”, explica a proprietária Mara Serafim Gomes.

Ela conta que os visitantes pro-curam o lugar para curtir a natureza e a beleza das lavouras no período da colheita do café, com o movimento de trabalhadores na plantação. O marido, junto com o filho, cuida da lavoura, que faz parte do programa Certifica Minas. E ela, como anfitriã dos turistas, capricha também na gastronomia. “Hoje faço muitas coisas com sabor de café, como nozes caramelizada com sabor de café, alfajor, cocada de café”, conta a produtora.

Além do Certifica Minas, a Emater-MG trabalha a parte gastronômica, conhecida como Delícias do Café. São mais de 200 receitas ensinadas às mulheres do município, usando o café como ingrediente. “Os pratos já participaram de diversos festivais e viraram até livros. São receitas doces, salgadas e bebidas”, explica a técnica da Emater-MG Marina Barbosa.

Mara Serafim conta que se capacitou tanto para aprender a fazer as receitas como para entender sobre o processo de produção de café. “É muito difícil a gente entrar no mercado dos homens. Hoje me sinto uma pessoa capacitada para falar sobre café. Fui aprendendo e colocando em prática o que aprendi”.

Para outras mulheres interessantes em investir na cafeicultura, ela dá a receita. “É um cuidado que nós mulheres já temos. É a organização, a limpeza, o carinho, o amor. E tudo acontece. Que comecem a desejar ser diferente. Amar é ser diferente”.

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