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15 anos de Revista Rural: retrospectiva

A pecuária e a agricultura ganharam novas conjunturas. O agronegócio ultrapassou fronteiras, apostou em novas tecnologias e hoje é o “carro chefe” que move a economia. No ano em que completa uma década e meia, a Revista Rural mostra o que de fato mudou no setor que ajudou a engrandecer o Brasil.

No ano de 1997, quando a edição zero da Revista Rural foi publicada havia uma visão positiva do desempenho e futuro da agricultura brasileira advindos do comércio exterior e da própria questão agrária. Por sua vez, a pecuária brasileira crescia firme rumo às exportações e o rebanho ainda desfrutava do prestígio de várias raças sendo criadas e testadas no País.

Entre 1997 a 2012, o cenário mudou. Foram 15 anos de avanços, mas também de alguns altos e baixos no mundo do agronegócio brasileiro. Nesse período, fatos como o crédito agrícola, as safras recordes registradas no País, os avanços biotecnológicos na agricultura, a larga divulgação do plantio direto, a agricultura de precisão, os marcadores moleculares e a obtenção do status de maior exportador mundial de carne conviveram com as questões cambiais, que prejudicaram a comercialização e a readequação do produtor ao mercado. Mas, o que será que mudou nesses últimos anos? Para falar sobre o assunto, a Revista Rural saiu a campo e abordou alguns especialistas, renomados nomes da agricultura e, principalmente, da pecuária brasileira. Cada um tratou dentro de sua área fazer uma retrospectiva dessa década e meia.

O fortalecimento de uma agricultura

Quando a primeira edição da Revista Rural chegou às mãos do leitor, o cenário político da época era o seguinte: havia uma enorme expectativa quanto ao aumento de verba e uma diminuição na taxa de juros. Os impasses e os principais destaques do plano de financiamento da Safra 1997/1998 estavam nas mãos do ministro da Agricultura, Arlindo Porto. Naquele ano, ao anunciar o plano de financiamento da safra, o ministro dizia acreditar que haveria “mais crédito disponível para o produtor e custos menores, fortalecendo a agricultura familiar e as culturas que gerariam maior demanda por mão de obra”.

Naquele tempo, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) completava um ano de existência. Com o objetivo voltado para a agricultura familiar, o programa contaria com R$ 1,65 bilhão do total de seus recursos, o que deveria atender mais de 500 mil famílias, só naquela safra. No campo, além da nova promessa, os preços como os dos insumos se mostravam favoráveis e estimulariam o plantio da safra que era apontada como recorde pelo governo. Com o otimismo, o ministro previa uma safra de 84 milhões de toneladas de grãos, um crescimento em torno de 7% em comparação ao ano anterior.

Quinze anos depois, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário são R$ 16 bilhões para financiar operações de custeio e investimento do Pronaf. Só o Valor Bruto da Produção Agrícola atinge hoje um recorde alcançando R$ 205,8 bilhões, número que representa 11,7% maior que o de 2010. Só a safra agrícola, apontada pelo Ministério da Agricultura, em seu nono levantamento da safra de grãos 2011/12, mostra uma quantidade de 161,23 milhões de toneladas de grãos.

Quando questionado sobre o que mudou no agronegócio desde a safra 1997/98, o vice-presidente de agronegócios e micro e pequenas empresas do Banco do Brasil, Osmar Fernandes Dias, descreve que a consolidação do processo de estabilização econômica no Brasil, verificada na década de 1990, passou a exigir maior atenção – por parte dos agentes do agronegócio -, para questões relacionadas aos custos de produção e do capital. “O cenário possibilitou condições de planejar e desenvolver suas atividades com visão de médio e longo prazo, com renovação do parque de máquinas e implementos, e a incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo, o que resultou em novos patamares de produtividade no campo”, diz.

Segundo Dias, em sintonia com as necessidades do setor, governo desenvolveu medidas de apoio que possibilitaram o fortalecimento da atividade rural, com a criação do Pronaf e dos programas de equacionamento de dívidas (Securitização, PESA, Recoop, entre outros), dos novos mecanismos de financiamento e comercialização (CPR, Leilões de Estoques Públicos, PGPM, Novos Títulos do Agronegócio e novas linhas de financiamento), dos instrumentos de proteção da produção e renda rural, dos programas de investimento agropecuário voltados à modernização do parque de máquinas e da infraestrutura produtiva (logística de transporte e armazenagem) e no estímulo à produção e consumo de biocombustíveis.

“Como o País, já naquela época, possuía diferenciais competitivos no segmento do agronegócio, não tardou em firmar sua posição de destaque na exportação de importantes commodities agropecuárias. Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar a importante contribuição das áreas de pesquisa e assistência técnica agropecuária, com destaque para a Embrapa”, afirma Dias.

Biotecnologia nas mãos do produtor

Embora presente no dia a dia da população, a biotecnologia se tornou popular no ano de 1994, quando as pessoas conheceram o “tomate Flavr Savr”, o primeiro produto derivado de uma planta geneticamente modificada. Dali para frente veio à consagração da biotecnologia no campo. “A grande mudança nos últimos anos pode se dizer foi a entrada dos transgênicos nas culturas do algodão, soja e do milho. A nova era dos geneticamente modificados, tolerantes as pragas e doenças, acabou com o discurso desconfiado, daquela época”, afirma Romeu Afonso de Souza Kiihl, diretor Científico e Melhorista de Germoplasma da Tropical Melhoramento & Genética (TMG).

Na visão de Kiihl, que começou suas pesquisas nos anos de 1960 no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o ano de 1997 foi marcado pelos questionamentos quanto ao uso dos transgênicos. “Se utilizava muito o princípio da equivalência, ou seja, ele era igual ou não ao convencional. Os seus riscos à saúde humana. Embora estudos, ao longo dos anos, comprovassem sua eficiência na lavoura”, afirma.

“A biotecnologia facilitou o manejo e aumentou a produtividade. Sem dúvida, foi uma das melhores ferramentas que surgiram na agricultura brasileira”, diz Éberson Sanches Calvo, diretor superintendente da Tropical Melhoramento & Genética (TMG), da região Sul do Brasil. De acordo com ele, é bom recordar um dos fatores que propiciaram o investimento de multinacionais no campo da biotecnologia, veio no ano de 1997 com a lei de proteção de cultivares. “Mais empresas se apressaram para investir na genética e oferecer a cada ano diversos produtos”, lembra Calvo.

Plantio Direto e a Agricultura de precisão: o começo de tudo

É impossível traçar um panorama da agricultura, sem deixar de falar do plantio direto, técnica que consiste em fazer a semeadura em cima da palha da cultura anterior, sem a necessidade de queima da área e de revolvimento do solo, reduzindo a liberação do dióxido de carbono (CO2). “Mesmo que a técnica tenha começado lá, na década de 1970, sua contribuição ao longo dos anos é fabulosa”, diz Franke Djikstra que, ao lado do agrônomo holandês Hans Peiten, foi um dos precursores do plantio direto no País.

“Havia uma produtividade muito baixa. O que fizemos foi buscar meios de recuperar os solos degradados. Por volta 1970, a erosão era tanta que ameaçava inviabilizar a agricultura brasileira. Com as chuvas, as camadas férteis eram arrastadas, assoreando os rios”, diz. “Depois do plantio direto, a produtividade brasileira se multiplicou. Uma terra que dava uma safra ou meia por ano, agora dá três”, diz Djikstra, imigrante holandês que tinha cinco anos quando chegou a Carambeí, a 100 quilômetros da capital paranaense.

Há exatamente 15 anos, a técnica apesar de eficaz não era tão eficiente na sua divulgação. “Foram anos de demonstração apontando que a técnica era vantajosa. Havia muita gente desconfiada”, conta. “Sem o plantio direto podíamos diz hoje que não haveria área disponível para nenhuma agricultura no Estado do Paraná”.

Dados do Ministério da Agricultura estima que, em dez anos, a técnica de plantio direto seja ampliada em oito milhões de hectares no Brasil. No ano passado, o País contabilizava 30 milhões de hectares, com crescimento anual em torno de 1% a 2%.

Outra tecnologia a ser disseminada no campo foi a agricultura de precisão. A inserção do sensoriamento direto e remoto, geração de mapas, piloto automático e sistema de posicionamento global (GPS) eram as novidades que as máquinas agrícolas passavam a possuir. Quando a agricultura de precisão chegou ao Brasil, em 1998, o País não contava com tecnologia de ponta. A partir de 2002, novos conceitos ganharam espaços, com soluções adequadas a cada caso. “Quando chegou a agricultura de precisão no País havia uma discussão e falta de entendimento por parte dos produtores para utilizar a tecnologia. O potencial e o retorno econômico não eram devidamente explorados”, lembra o pesquisador Ricardo Inamassu, da Embrapa Instrumentação, de São Carlos (SP).

Com ações por parte das instituições de ensino, como a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/ USP) e a Embrapa tudo mudou. “A ferramenta foi inserida no campo de uma forma prática, bastante difundida e eficiente que traz hoje inúmeros benefícios, inclusive às culturas perenes e aos pequenos produtores”, conta Inamassu.

Os marcadores da pecuária

No ano de 1997, a ovelha Dolly foi apresentada como o primeiro mamífero clonado do mundo. O animal foi um marco da genética. Bem, próximo do avanço genético estava também a pecuária bovina. “Há 15 anos se falasse que ia abater um boi com três anos de idade, isso seria uma heresia. Agora, vários pecuaristas fazem abate com 24 meses ou 30 meses”, foi o que lembrou o pecuarista Luiz Meneghel Neto, da Agropecuária 3M, localizada em Marilândia do Sul (PR).

“Na década de 1990, profundas mudanças ocorreram na genética bovina. O surgimento das técnicas de inseminação artificial e a fertilização in vitro foram ferramentas que favoreceram uma seleção mais rápida, ou seja, que abreviou um trabalho de 50 para cinco anos. Porém, com a demanda de mão de obra ficou impossível acompanhar e inseminar o rebanho no tempo exato. Eis que com o avanço da tecnologia chegou a Inseminação Artificial em Tempo Fixo, a IATF”, lembra o especialista em genética, José Fernando Garcia, professor do departamento de apoio, produção e saúde animal da Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba (Unesp). Garcia, responsável por projetos na área de seleção genômica na instituição com diversas parcerias nacionais e internacionais, acrescenta que a tecnologia foi a palavra de ordem no campo da pecuária. “Rápidas transformações ocorreram e que culminaram na ‘terceira onda’ que denominamos de genômica, que começaram com os marcadores moleculares”, afirma.

No ano de 2008, um grupo de pesquisadores concluiu o sequenciamento do genoma bovino. O estudo, mais completo feito até hoje, veio com a intenção de proporcionar novas informações sobre a evolução da espécie bovina e apontar novos caminhos de pesquisas que podiam gerar maior sustentabilidade da produção de carne e leite. A pesquisa descobriu que o genoma bovino é constituído por pelo menos 22 mil genes. “A partir daquele momento, diversos projetos e pesquisas começaram a ser dedicados a desvendar outras características do genoma bovino. Esse foi só o começo”, lembra Garcia.

Na opinião de Vicente Ferraz, engenheiro agrônomo e diretor técnico da Informa Economics FNP, ao olhar a pecuária de corte hoje no País se depara essencialmente com uma cadeia produtiva que avançou bastante, principalmente, no quesito das exportações. “Foram avanços importantes. Trouxe um padrão de exigência para a cadeia produtiva”, diz. “E difícil imaginar que em 1997 o Brasil chegou a importar carne bovina, o que significou uma vergonha para o setor. De lá pra cá, eliminaram-se os abates clandestinos, ocorreu à profissionalização da indústria frigorífica, houve avanço técnico na nutrição do gado, no controle das enfermidades que assolaram no nosso país, como a febre aftosa. Só isso representou um salto positivo para o setor”, afirma Ferraz.

Elitizado e “Nelorizado”, mas nem tanto

Em 1997, quando ainda se falava em leilões de gado de elite era quase impossível não deixar de associá-lo a eventos cheios de glamoures e com um cenário repleto de espetáculo. Diga-se de passagem, que os leilões promovidos pelo pecuarista Ivan Zurita se transformou em espetáculos “show biz” do nelore.

Naquele tempo, o mundo milionário do circuito de leilões de gado de elite no Brasil já fazia a cabeça de muitos criadores, peões, empresários, políticos e artistas. Sob a lona das grandes fazendas, em geral recinto onde eram realizados os eventos. Começava ali também, o surgimento das leiloeiras, responsável por promover os eventos. Assim também surgiam os primeiros canais de televisão voltados para o campo, 24 horas por dia. Um deles, o Canal do Boi, foi um dos primeiros que abriu, com uma programação em que o eixo principal era a transmissão de leilões em tempo real, de gado comercial para recria e engorda. Ao mesmo tempo, sob o martelo milionário se democratizaram e esparramavam a genética de ponta pelo Brasil.

As vendas pela TV ofereciam oportunidades para os grandes, médios e pequenos criadores, pois eram variadas e as compras parceladas em até 14 meses sem juros. Além do gado de corte e de leite, negociam-se cavalos, pôneis, ovinos e caprinos. “Quase ninguém acreditava que seria possível arrematar uma boa vaca ou um cavalo de raça sentado na poltrona de sua casa”, lembra Tonico Carvalho, proprietário da Fazenda Brumado, localizada em Barretos (SP). Aliás, a família Carvalho foi uma das quais viveu a transformação da pecuária. Afinal, a história do “Dr. Rubico”, pai de Tonico Carvalho, confunde-se com a da pecuária brasileira. Em 1962, foi o “doutor” quem fez a última importação de vacas e touros nelore, trazidos da Índia.

Ao longo do tempo, os Carvalhos acompanharam os negócios da pecuária, viram matrizes valerem tanto. “Dinheiro que dá para comprar duas ou três fazendas”, diz. No show milionário do “sagrado” boi branco da Índia tudo era possível. “E ainda é”, justifica Tonico Carvalho. “De modo geral, nos últimos 15 anos não se perdeu o glamour e nem os canais de comercialização, como os leilões”, conta. “Só temos agora a certeza de que os animais que estão na pista estão sendo avaliados e provados geneticamente”, diz Carvalho.

Porém, diferentemente dos princípios da criação dos anos de 1990 também estão as grandes propriedades espalhadas pelo País. De acordo com Carvalho, a atividade está hoje centralizada no Centro-Oeste e no Norte do País. “Ela subiu. Antigamente, estava associado à região Sudeste. O que se tem são os confinamentos, principalmente, nos Estados de Goiás e Mato Grosso, e indústrias frigoríficas, desbravando fronteiras juntos. Outra questão, é que houve a tecnificação da produção”, diz Carvalho.

“Podemos dizer que nos últimos quinze anos, houve um aumento significativo quanto à questão de tecnologias, que favorecem a produção pecuária no Brasil”, afirma Eduardo Biaggi, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ). Porém, vale afirmar que a raça zebuína deu um salto gigantesco e superior as europeias, que na época de 1990 estavam sendo testadas. “Atualmente, cerca de 80% do rebanho nacional possui sangue zebu. As raças zebuínas com aptidão de corte, especialmente o nelore, contribuem com quase a totalidade do que é produzido no País. Em relação ao leite, graças às raças com boa aptidão leiteira, como o gir, o sindi e o guzerá a produção leiteira melhorou em produtividade”, diz Eduardo Biaggi, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ).

Pecuária leiteira em questão

E há quem diga a pecuária leiteira, o “patinho” feio do agronegócio viveu nos últimos anos profundas transformações e os produtores se transformaram junto com a atividade. “Exemplo de profissionalização ocorreram na década de 1990, com a entrada do Leite Longa Vida. Hoje, a bacia de Castro, no Paraná, é responsável por uma das maiores produtividades do País. Ali, as vacas produzem média de 3.527 litros por ano, índice que se iguala ao das matrizes neozelandesas, uma referência no mundo do leite”, diz Eldo Berger, diretor de pecuária da Cooperativa Batavo.

Berger lembra que a atividade passou por mudanças em 1997, quando produtores tiveram o primeiro contato com técnicos em pecuária leiteira. “Na época, era oferecido à assistência técnica nas propriedades para abandonar de vez uma atividade ‘sem benefícios’ e a adoção de práticas ‘abolicionistas’, lembra.

A primeira delas foi o pastejo rotacionado; com o advento das pastagens, o serviço em muitas propriedades foi reduzido. A atenção ao melhoramento genético também foi outro importante fator para elevar os índices de produtividade do gado. “As expectativas dão conta de que a produção interna está crescente. O produtor alcançou maior produtividade, porém, os custos da produção permanecerem altos. Em 1996 e 97, a rentabilidade era na margem dos 12%, baixou para 10% e nos últimos três anos está na casa dos 18%. Claro que nesses últimos anos houve um aumento de consumo, devido ao aumento da renda”, pontua Berger.

Mesmo com o sobe e desce, as safras recordes, crédito facilitado, mecanização e tecnologia são fatores que contribuíram para a agricultura e a pecuária brasileira nesses últimos 15 anos. Certamente, muitas boas e produtivas mudanças serão percebidas no agronegócio durante as próximas décadas.

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