Sustentabilidade

Dedo de prosa: área de preservação permanente em questão

No dia 26 de junho, diversas personalidades de entidades federais, entre elas, a Agência Nacional de Águas (ANA) – e parlamentares da Câmara e do Senado – participaram da audiência pública para tratar da Medida Provisória (MP) nº 571/12, que altera o Código Florestal que foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff, em maio. A discussão a respeito da mudança do Código Florestal contribuiu com uma nota técnica que avaliou a definição de faixa de largura mínima para as áreas de proteção permanente (APPs) ao longo dos cursos d’água, do ponto de vista dos recursos hídricos.

O assunto, entre muitos outros, também foi um dos abordados durante a Cúpula Rio+20, a Conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, realizado no mês de junho. Segundo o coordenador de gestão estratégica da ANA, Bruno Pagnoccheschi, em entrevista à repórter Fátima Costa, o Brasil virou modelo no quesito de APPS, porém, ainda há muito que fazer.

Revista Rural – O Sr. pode nos dizer qual foi o resultado da Cúpula Rio+20, a Conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável. O evento cumpriu o papel esperado pela ANA e de outras entidades que participaram dele?

Bruno Pagnoccheschi – Primeiramente, na minha honesta opinião, é preciso ressaltar que a Rio+20 foi na realidade uma reunião dos chefes de estados e de governos. Participamos do evento no Espaço AgroBrasil, paralelo à Rio+20. A reunião entre os países não se restringiu aos eventos ou às reivindicações separadas, como no nosso caso apresentando proposta para a universalização do conceito das Áreas de Preservação Permanente (APPs). A Rio+20 culminou em um documento assinado pelos chefes de estados. Diria que todos saíram muitos frustrados, pois as opiniões contrárias foram negociadas em um esforço diplomático. É claro, tivemos avanços em algumas áreas, porém, muito pouco.

Rural – Durante a Rio+20, foram apresentadas propostas de universalização do conceito das áreas de preservação permanente. A proposta era mesma apresentada, em março, pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), ANA e Embrapa, durante o 6º Fórum Mundial da Água, em Marselha, na França. O que se avançou com essas propostas na Rio+20?

Pagnoccheschi – O 6º Fórum Mundial da Água foi um sucesso. A delegação brasileira teve presença marcante, representada por deputados e senadores, pela Agência Nacional das Águas (ANA), com seu stand temático, pela Embrapa, e pela CNA, além de prefeitos e secretários estaduais de meio ambiente. A senadora Kátia Abreu, também presidente da CNA, propôs a criação de áreas de proteção permanente no mundo, seguindo experiência bem-sucedida no Brasil com as chamadas APPs. A iniciativa visa incentivar a proteção, em todo o mundo, de áreas localizadas às margens de rios, das nascentes e nas áreas de grande declividade, a fim de proteger a qualidade das águas, indispensáveis à agricultura e à sobrevivência dos seres vivos no planeta. Aproveitando a oportunidade, o governo brasileiro levou para a Rio+20 a proposta de APPs mundiais. O tema abriu uma discussão paralela e fez com que o Brasil servisse de exemplo para o mundo. Isso realmente foi um ponto positivo. Falamos sobre a experiência brasileira de preservação das margens de rios, nascentes e áreas de recarga de aquíferos, incentivando a criação, em todo o mundo, de áreas protegidas para a preservação dos recursos hídricos do planeta. Essa proposta de universalização do conceito das áreas de preservação permanente foi apresentada, primeiramente, em março.

Rural – Podemos dizer que o 6º Fórum Mundial da Água, em Marselha, foi mais importante e teve um retorno mais positivo em comparação a Rio+20?

Pagnoccheschi – Durante o fórum tivemos 400 sessões técnicas. Na Rio+20 podemos dizer que não houve espaço em meio a tantos assuntos. Como o fórum ocorre a cada três anos, existiu uma dinâmica muito mais intensa.

Rural – A questão das áreas de Preservação Permanente (APPs) gerou discussões durante o voto do Código Florestal? Por que afinal é tão difícil chegar a um consenso?

Pagnoccheschi – A APPS é uma ideia que está inserida há muito tempo no Código Florestal para proteger os rios. As APPs são áreas nas quais, por imposição da lei, a vegetação deve ser mantida intacta, no sentido de garantir a preservação dos recursos hídricos, da estabilidade geológica e da biodiversidade, assim como o bem estar das populações humanas. O que está se discutindo agora é a extensão das APPs. Esse é o maior desafio a ser enfrentado para que a Câmara e o Senado produzam um texto de consenso. Pela medida provisória, o tamanho da recomposição de APP varia de acordo com o módulo fiscal da propriedade. A polêmica se dá porque o projeto flexibiliza a extensão e o uso dessas áreas, especialmente nas margens de rios já ocupadas. Com o escalonamento na recuperação das áreas de preservação permanente por módulos fiscais, as propriedades com mais de 10 módulos terão que recuperar 30 metros. Essa discussão voltará nas próximas semanas no Congresso. Lembrando que a Medida Provisória (MP), que altera o novo Código Florestal, preenche as lacunas deixadas pelos 12 vetos da presidente. Se admitido na comissão mista encarregada de estudar os pressupostos de relevância, urgência e constitucionalidade da MP, o texto segue para votação na Câmara e no Senado.

Rural – A ANA defende que os rios têm estudo técnico pedindo recuo mínimos de 30 metros em Apps, medidas que podem influenciar vetos negativos para a agricultura. Isso já aconteceu?

Pagnoccheschi – A ANA defende que as APPs precisam ter no mínimo 30 metros para cumprirem eficientemente suas funções de proteção dos rios. O novo código pretende reduzir a preservação das matas ciliares para um mínimo de 15 metros. Um projeto de lei apresentado pela bancada ruralista diminui ainda mais as APPs para rios menos largos. Para cursos d’água de até cinco metros de largura, a nova proposta prevê uma conservação de cinco metros; para rios de cinco a dez metros, uma preservação de 7,5 metros e para cursos de dez a 30 metros, uma recuperação de dez metros. Defendemos que os rios de menor largura precisam de uma proteção igualmente cautelosa em suas margens, pois qualquer mudança representa uma alteração ainda maior para estes cursos.

Rural – Há um trabalho em prol à preservação dos rios, com o pagamento por proteção ambiental. Como isso funciona e qual é o retorno?

Pagnoccheschi – O projeto é uma ação inovadora que realiza o pagamento aos produtores de forma proporcional ao serviço ambiental prestado. Os agricultores se tornam produtores de água e passam a ter na preservação ambiental mais uma fonte de renda na propriedade. Os pagamentos são feitos conforme a área disponibilizada para proteção. Um dos pioneiros foi o programa Produtores de Água que foi implantado no município de Extrema, no Estado de Minas Gerais. No caso, o dinheiro para pagamento dos agricultores capixabas vem do Fundágua, cujos recursos são provenientes de 3% dos royalties do petróleo e da compensação financeira do setor energético. Porém, há outros que estão se disseminado pelo País.

Rural – O governo estimulou a população que vive perto de hidrelétricas a criar peixes como alternativa de renda. Foi uma saída viável para promover a proteção ambiental?

Pagnoccheschi – A piscicultura em reservatórios de hidrelétricas tem algumas vantagens em relação a outros reservatórios menores. Além de ter grandes volumes de água represados, esses reservatórios estão normalmente associados a rios perenes e caudalosos, o que provoca melhor renovação da água, maior capacidade de produção e melhor qualidade do pescado. Segundo dados recentes existem 216 reservatórios de usinas hidrelétricas da União em todo o país e seis deles desenvolvem atividades especialmente ligadas ao cultivo do peixe. A nossa função é de ser uma entidade regulatória sobre os rios ou reservatório da União. O interessante é que esse projeto tem crescido muito, principalmente em regiões Nordeste e Norte do País. Todos os dias, recebemos uma grande demanda de novas licenças. Porém, cada caso é avaliado, uma vez que condiciona sempre a capacidade de suporte do reservatório e a adequação da alimentação aos peixes, o intuito é justamente pela preservação da água quer servirá para o abastecimento humano.

Rural – Por que o agronegócio é o grande vilão quando se envolve os recursos hídricas?

Pagnoccheschi – A agricultura brasileira disponibiliza métodos de irrigação diferentes. Por outro lado, dependendo da cultura, o custo da irrigação pode variar entre 4% e 12% do investimento e absorve grande quantidade de recursos hídricos. Porém, hoje, há mecanismos modernos e econômicos como a irrigação por gotejamento. Simples e extremamente preciso, esse tipo de irrigação aumenta significativamente a produtividade e promove a utilização racional da água: a eficiência uso do recurso hídrico é de 95%, com economia de energia. Mas a grande tacada foi atrelar a irrigação com a fertilização, criando a nutri-irrigação. A planta não recebe água apenas, mas água com adubo na medida certa para o seu desenvolvimento.

Rural – O agronegócio está cada vez mais se modernizando para enfrentar essas dificuldades. O plantio direto e a irrigação foram tecnologias que chegaram para ajudar?

Pagnoccheschi – Sem dúvida, o plantio direto protege o solo, reduz o uso de água, aumenta a produtividade da lavoura e diminui despesas com maquinário e combustível. As empresas também estão oferecendo também ferramentas e assistências para que se diminua cada vez mais o uso da água.

Rural – Em entrevista recente, a ANA alertou para o risco crescente de escassez de água que ameaça o País. Segundo estatísticas, 55% das cidades brasileiras não fazem os investimentos necessários para evitar problemas sérios de escassez no futuro. Na opinião da entidade, quanto tempo correr-se o risco da escassez, se o investimento não existir?

Pagnoccheschi – De acordo com a pesquisa, aumentou a demanda por água para irrigação de cultivos de alimentos, para produção de energia elétrica e para fins sanitários. O Altas Brasil, documento produzido pela ANA, ressaltou ainda que as mudanças climáticas estão reduzindo os suprimentos ao alterar os padrões de chuvas, provocando secas mais prolongadas e o derretimento de geleiras. O Atlas acendeu a luz de alerta ao revelar que mais de 55% dos 5.565 municípios brasileiros podem enfrentar falta de água até 2015. Isso quer dizer que 3.059 municípios precisam de investimentos prioritários no setor, sobretudo em obras nos mananciais e nos sistemas de produção. Caso essas obras não sejam concluídas até o ano de 2015, o déficit no fornecimento de água será inevitável a partir de 2025. O maior problema se concentra em grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre. Por isso é que, dos R$ 22,12 bilhões previstos pelo Atlas Brasil como necessários até 2025 no setor de abastecimento, 75% se referem às grandes regiões metropolitanas e de adensamento populacional, sobretudo nos sistemas integrados da região Nordeste e no Sudeste. Os 25% restantes estão para municípios de até 50 mil habitantes.

Rural – O que a ANA está fazendo para evitar esse colapso?

Pagnoccheschi – Um diagnóstico. Fizemos um levantamento para ajudar a identificar os gargalos e carências de várias regiões e evidência os impasses dos grandes centros urbanos que disputam as mesmas fontes mananciais, além de possibilitar uma avaliação de suas infraestruturas para dar conta de atender ao abastecimento público. Levantamos um estudo para discutirmos e levarmos esse problema para as entidades responsáveis direta ou indiretamente. Procuramos também por alternativas concretas e viabilidade permanente para que esse colapso não aconteça.

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