Agricultura

Trigo: lavoura perdido espaço para o cultivo de milho de segunda safra

Do pão francês ao caseiro, passando pelo bolo e biscoitos, o macarrão e até alguns tipos de cerveja, todos, obtidos a partir do trigo (Triticum aestivum). Uma commodity agrícola tão essencial à alimentação jamais poderia perder espaço na produção nacional – sendo o Brasil o celeiro do mundo, não poderia deixar de lado esse importante produto da cesta alimentar. De fato, é justamente isso tem ocorrido de uns tempos pra cá.

Uma série de fatores tem depreciado o trigo brasileiro, em especial, os melhores rendimentos obtidos com a lavoura de milho de segunda safra, que concorre com o cultivo de trigo, especialmente no Estado do Paraná. Lá, há fazendas em que produtores nem falam mais em trigo no inverno. Outras questões atrapalham a comercialização do produto nacional, em termos de qualidade, e a concorrência do cereal argentino e uruguaio.

Em busca de soluções para animar os produtores brasileiros, a pesquisa tem apresentado cultivares melhoradas que podem respaldar o incremento da classificação dos grãos – no entanto, há outros entraves mais específicos que só poderão ser solucionados com o comprometimento da cadeia como um todo, além do estabelecimento de políticas que fortaleçam a lavoura tritícola.

Panorama

Essa gramínea é uma lavoura tradicional para o cultivo de inverno, e segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), já chegou até ser implantada na Bahia, mas atualmente, é focado nas Regiões Centro-Oeste, Sudeste e principalmente, no Sul.

Pode-se dizer que o trigo está entre as lavouras mais multifacetadas do País, considerando-se os aspectos de área, produtividade, produção e a própria classificação qualitativa da farinha que ele resulta. O Paraná, por exemplo, tem sido historicamente o maior produtor e o que detém a maior área de plantio, de acordo com o levantamento da Conab. No entanto, é no Centro-Oeste onde estão os melhores resultados em termos de rendimento e qualidade do grão.

As estimativas para a safra paranaense deste ano giram em 1,042 milhões de hectares (ha) em área cultivada – queda de 9,12% em relação à prevista em 2011; e um total de 2,501 milhões de toneladas (t) produzidas, ou 24,55% a menos do total colhido no ano passado. Este ano, em especial, é o Rio Grande do Sul que passa à frente do Paraná na produção com uma possível safra de 2,742 milhões de t – incremento de 38,86% em comparação à temporada 2011.

Já em termos de rendimento, nada se compara os ganhos dos Estados produtores do Cerrado – o Distrito Federal é o destaque com a obtenção de uma média de 5.200 quilos por hectare (kg/ha), estimada para este ano. Para se ter uma ideia, isso representaria 53,87% da produtividade do PR e 56,56% da do RS – também estimadas para esta safra. Logo atrás da capital brasileira vem Goiás e Minas Gerais, com médias de 4.949 kg/ha e 3.917 kg/ha, respectivamente. As melhores condições de clima aliada ao sistema de irrigação são os fatores que impulsionam a produção tritícola do Cerrado, além de lá saírem os trigos de melhor tipo. Santa Catarina está em quarto lugar em produtividade, nacionalmente, com um rendimento médio de 3.100 kg/ha.

Custo benefício

Em termos de área, a redução esperada em todo o País, da safra de 2010 para a de 2012, é de 10,78%. Basicamente, grande parte dos Estados produtores reduziu suas áreas – só o Rio Grande do Sul sinalizou aumento de 8,44% nesse período. Em Santa Catarina a redução de área está estimada em 35% e no Paraná, 19,78%.

Pela região do grande polo tritícola do País, o milho safrinha tem se tornado a opção mais viável tanto no quesito redução de custos e como melhor remuneração. Dados da Conab, de 2005 a 2010, apontam para uma média de custo da lavoura de trigo de R$ 34,46 por saca de 60 kg, ao passo que o milho de inverno, o custo ficaria em R$ 19,21 a saca.

“Na região, o preço do milho tem se mantido aquecido ultimamente, e como essa cultura pode ser desenvolvida na mesma época, a segunda safra, o grão tem tomado espaço de áreas do trigo”, acrescenta Carlos Roberto Riede, pesquisador da área de melhoramento genético de trigo do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), em Londrina.

Para ele, no Estado, a competição econômica é o fator que tem depreciado a cultura. “De fato, nós, da área da pesquisa, temos feito a nossa parte, através de lançamento de cultivares melhoradas, mais produtivas e de boa sanidade. No entanto esbarramos num problema de ordem econômica, onde há até maiores facilidades de importação de trigo vindo do Mercosul e isso atrapalha a dinâmica de comercialização do produto nacional”.

Em alguns casos, a farinha já vem até pronta para o beneficiamento nos moinhos. Isso, certamente, agrava a comercialização do trigo brasileiro que, em suma, já tem um histórico de pouco competitividade em termos de custo.

Classificação

Outro ponto fundamental da história recai sobre os tipos de trigo que são obtidos no campo. Pela legislação vigente (Instrução Normativa nº 38, válida já para a esta safra de 2012), há cinco padrões para o cereal – melhorador, pão, doméstico, básico (ou biscoito) e outros usos. “Pela nova norma, os critérios estarão mais rígidos para a classificação”, diz Eduardo Caierão, pesquisador da Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS). “Isso, inicialmente, pode trazer problemas ao produtor para apresentação de um produto de melhor qualidade, no entanto, a médio e longo prazo isso fortalecerá a cadeia como um todo, com a obtenção de um produto ideal ao consumidor”.

Agora, o trigo melhorador, além de ter força de glúten (W) 300, tem de possuir o índice de 14 em estabilidade (EST) e Número de Queda (NQ) de 250. Já o pão, pode possuir 220 W ou 10 EST e 220 NQ; doméstico deve ter 160 W ou 6 EST e 220 NQ; e o básico, 100 W ou 3 EST e 200 NQ. O trigo para outros usos não possui padronização, podendo registrar qualquer valor.

É justamente na classificação do trigo que esbarra a produção gaúcha. Tanto pela variabilidade que as cultivares ditas “melhoradoras” em apresentar outras classificações, como pelo mau sistema de armazenagem. “De fato, os problemas do trigo não estão relacionados propriamente às cultivares, mas a diversos fatores que influenciam o cereal gaúcho a não ter uma identidade”, diz Caierão. “Há aproximadamente uma década o produto colhido no Estado detinha uma classificação como ‘ruim’. De lá pra cá, o trigo ganhou força e passou a também registrar os tipos pão e melhorador”.

Os contras da produção

Entre os pontos que mais depreciam a qualidade do cereal gaúcho, de acordo com o pesquisador da Embrapa Trigo, primeiramente, estão as condições climáticas desfavoráveis, em especial, a incidência de chuva na colheita e geadas tardias.

Outra questão é a falta de segregação do produto no processo de armazenagem. Isso ocorre pela falta de estrutura dos armazéns, em cooperativas, por exemplo, em função de não deterem uma quantidade silos suficientes para garantir a separação do produto por qualidade específica, ou mesmo, por subutilizar o silo em função dessa distinção de qualidade do produto. Isso faz com se misture tipos distintos de trigo e aí ele perde a conceituação.

Também é um fator complicador a variabilidade da classificação do trigo de materiais estáveis, depois da colheita. “Há cultivares estáveis que podem oscilar o tipo de classificação do produto obtido – uma cultivar do tipo pão pode chegar a render grãos de tipo doméstico, por exemplo”, explica Caierão.

Por fim, no quesito comercialização, o Rio Grande do Sul também leva a pior. É o último Estado do País a colher o trigo. Isso prejudica a comercialização pela pressão da presença do produto já colhido em outros Estados, como no Distrito Federal, Paraná e Santa Catarina. Com muita oferta, o produto gaúcho tende a sempre pegar o momento no qual os preços estariam sempre em baixa.

As saídas para a lavoura

No caso do Paraná, a saída para o trigo teria de vir de uma melhoria nas normas de comercialização dos países do Mercosul. Segundo Riede, esse deverá ser um dos temas a serem discutidos na 6ª Reunião da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale (RCBPTT), que será realizada de 30 de julho a 2 de agosto deste ano em Londrina. “Atualmente, a produção nacional chega a ser 50% do total consumido, ou um pouco mais que isso. O resto é tudo importado. Se qualquer coisa vir a ocorrer nesses países, uma quebra significativa de safra, por exemplo, o Brasil pode ser penalizado por isso. O importante é não ficarmos na mão, por isso o trigo nacional chega ser uma questão de segurança alimentar, por se tratar de uma fonte da alimentação humana que se relaciona a inúmeros produtos”, avalia o pesquisador do Iapar.

Já para o Rio Grande do Sul a saída tem de se pautar numa melhor sintonia da área da pesquisa com o produtor e cooperativas na hora de separar a produção. Ao contrário do Paraná, no Estado não há como estabelecer o plantio de milho safrinha. Nesse caso, as culturas de inverno resumem-se em trigo, aveia e cevada. Como estas duas últimas não possuem expressividade em termos de demanda, o trigo torna-se a cultura principal de inverno.

“Em termos de estudos, a Embrapa Trigo tem servido os produtores com opções de cultivares de potencial qualitativo, além de atuar na disseminação de novas tecnologias e metodologias adequadas de manejo da lavoura através de dias de campo, distribuição de materiais informativos, e com a própria reunião anual, onde são discutidas as recomendações técnicas para serem repassadas ao setor tritícola”, diz Caierão.

Cultivares

Tanto Embrapa e Iapar constantemente têm lançado variedades de trigo mais produtivas e adaptadas. O foco da Embrapa, por exemplo, está na divulgação do material BRS 327, lançado em 2010. De acordo com Caierão, a planta possui a classificação pão (241 W, em média) aliada a obtenção de uma farinha mais branca que as demais. Isso é um diferencial para obtenção de melhores preços perante a indústria. O material é voltado para regiões do RS, SC, PR e MS.

Ainda a cultivar, de ciclo precoce, apresenta elevado PH e boa sanidade, sendo moderadamente residente à ferrugem da folha (exceto à Raça B34), giberela, oídio, manchas foliares e mosaico do trigo. Ainda é moderadamente resistente à geada na fase vegetativa (queima de folha), à debulha natural e à germinação da espiga. É também moderadamente tolerante ao crestamento e moderadamente suscetível ao acamamento.

Já do Iapar, a promessa vem da IBR Catuara TM, lançada na safra 2011 para a produção de sementes e que este ano já está disponível à produção, no entanto, Riede acredita que o material esteja melhor difundido de dois a três anos. É o tipo melhorador com força de glúten de cerca de 400 W, além de ser precoce e de conferir resistência a alumínio. Está adaptado a regiões do PR, MS, SP, SC e RS. A produtividade chega de 4.200 a 4.300 kg/ha.

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