Agricultura

Soja: produção mais grãos e mais doenças

A busca desenfreada por melhores rendimentos na lavoura de soja pode, concomitantemente, contribuir para a fragilidade da planta a pragas e doenças.

O problema está relacionado a uma certa tendência do germoplasma da soja em tornar as plantas mais suscetíveis a pragas e doenças. As causas disso estão justamente ligadas à aceleração da produtividade nos campos. A ideia parte do engenheiro agrônomo, pesquisador e especialista em fitopalogia, também docente da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e diretor do Instituto Phytus, Ricardo Silveiro Balardin.

O germoplasma é o elemento dos recursos genéticos que permite a manipulação da variabilidade de tipos entre e dentro da espécie, com fins de utilização para a pesquisa em geral, especialmente para desenvolvimento de melhoramento da planta atravé da biotecnologia.

“Se nós pegarmos os últimos dez anos”, diz Balardin, “houve uma mudança em termos de ciclo, de grupo de maturação por questões comerciais, e, também, em função da própria ferrugem, houve uma antecipação de plantio e um encurtamento de ciclo. Essa combinação de fatores, associada com materiais novos sendo lançado no mercado, favoreceu a predominância de variedades com alto potencial produtivo. A partir daí, se começou observar uma rusticidade da soja decrescente. Isso quer dizer que ela se torna cada vez mais vulnerável a pragas e doenças. O fato motivou, de certa forma, o aumento de pulverizações, porque o produtor começou a perceber que se ele antecipar e aumentar o período de proteção ele garantiria um ganho correspondente em produtividade”.

Resposta genética

Pressões de mercado, da pesquisa e dos tratos culturais acabaram fortalecendo a expansão da lavoura e assim foi possível ampliar o rendimento por saca por hectare. A princípio, para a obtenção desse feito era necessário garantir a manutenção da saúde da planta, para que assim ela pudesse desempenhar o melhor papel possível para encher os grãos.

Ao se decidir pela alta produtividade, decide-se também que o germoplasma da planta desloque grande de energia (ou carboidrato) à parte aérea do vegetal, em consequência, pouco sobra para a raiz. Segundo Balardin, isso acarreta numa diminuição da agressividade radicular, que será ainda mais fragilizada em funçãodo próprio método de plantio.

Para se plantar mais rápido, opta-se por equipamentos com discos – e não mais o sulcador. Isso fez com que a raiz da soja ficasse mais na parte superficial do solo. Ainda, para tornar mais rápida e barata a semeadura, retirou-se o adubo da linha e o pôs a lanço. “Na minha opinão, estamos numa busca excessiva pela questão da alta produtividade. Talvez não seja politicamente correta essa afirmação, mas é uma preocupação que tenho. Hoje, uma plantadeira média custa cerca de R$ 200 mil. Se tu jogares a linha de adubo, você tem de aumentar a potência do trator para puxar essa plantadeira, e aí ela vai custar mais uns R$ 100 mil… Essa equação é simples na cabeça do produtor – tira a linha de adubo! Isso não e uma crítica. Eu, como produtor, faria a mesma coisa”.

Bem próximo ao inimigo

A questão volta-se contra a segurança fitossanitária da plantação. Pois, a concentração das raízes da planta na parte superficial do solo faz com que elas estejam justamente na camada onde estão os fungos causadores de doenças. Segundo Balardin, essa é a primeira faixa a qual possui 15 centímetros de profundidade. Ainda, soma-se a questão de dificuldade para absorção de nutrientes e de água nesse extrato, aliado a um comprimento de raiz um tanto curto. Estudos indicam que a planta possui genética e fisiologia para alcançar 1,2 metro de raiz.

“O meu potencial produtivo está limitado pela questão fitossanitária ou ele está limitado pelas questões fisiológicas? Ou os dois?”, indaga Balardin. “E, ainda, eu agravo a questão fisiológica com um manejo de semeadura, uma utilização de solo com muita monocultura… Soja e milho. O que está ocorrendo? A doença é uma consequência da vulnerabilidade da planta. Aí, ela entra como oportunista”. Diante de toda essa conjuntura exposta pelo pesquisador, o desenvolvimento da sojicultura no País sugere que mais se tem criado condições para a planta se tornar vulnerável. O País tem potencial para produzir mais por quilos por hectare, em função de disponibilidade de área e clima, e, também, pelo avanço em termos de pesquisa e tecnologia, especialmente quando o assunto é a produção de cultivares. Atualmente, são contabilizadas 867 para as espécies Glycine max (L.) Merr. e Neonotonia wightii (Wight et Arn.) J.A. Lackey = Glycine javanica L. no Registro Nacional de Cultivares (RNC), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “Pegando apenas o Rio Grande do Sul, tem umas oito ou dez cultivares que predominam, no entanto há mais de 100 registradas para aquele Estado. Se for para Mato Grosso, deve ter mais de 300 registradas”, ressalta Balardin.

Essa é uma quantidade maciça de material genético que passa despercebido pelos campos. Fica em produçao, na melhor das hipóteses, em quase três safras e depois sai. Deve-se considerar, nesse caso, que o tempo de obtenção de cada germoplasma seja, por exemplo, leva cerca de seis anos. Depois, mais três anos para chegar ao mercado. De acordo com Balardin, isso não permite conhecer esse material, pois há um fluxo constante de variedades que são lançadas no mercado – sempre, uma versão melhor ou mais produtiva toma o lugar de versões mais antigas. De fato um avanço, mas que também guarda peculiaridades. “Faço ensaios com cultivares a quase dez anos. A maior dificuldade que tenho é repetir o estudo com a mesma variedade três anos consecutivos. O máximo que consigo são dois anos. Isso porque a variedade mudou e, aí, já nem faz mais sentido trabalhar com materiais antigos”.

Contextualizar as ações

A saída, para o pesquisador, tem de partir de análise contextual da produção, e não, somente, através de soluções pontuais – como a administração do defensivo tal para controlar o problema “x” ou “y”. A integração dos fatores produtivos como a questão do solo, do clima (ou fatores ambientais), dos recursos naturais e biológicos são pontos estariam envolvidos para a concepção de uma agricultura focada no incremento dos rendimentos e que também promova a melhoria fitossanitária da lavoura.

“Hoje estamos num grau de sofisticação de processo tão grande que, erros na data de semeadura, erros no arranjo de plantas e equívocos na hora de semear vão ter repercussão no final. Estive recentemente nos Estados Unidos e vi um problema sério que nós vamos ter aqui, é a questão de resistência de plantas daninhas”, destaca Balardin.

Nesse sentido, o ideal é se pensar o manejo da lavoura de forma integrada e ainda a área da pesquisa tem de buscar um germoplasma equilibrado na questão produtividade e maior tolerância ou menor sensibilidade às ações de pragas e doenças. Segundo o pesquisador, entre as estratégias atuais para tornar a planta mais eficiente, do ponto de vista fisiológico, está a otimização do aproveitamento da água e da captação de luz solar.

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