Agricultura

Milho: demanda superaquecida

A procura pelo grão em nível mundial fez com que os valores disparassem no mercado internacional e aqui dentro do País.

Precisamente no dia 3 de maio de 2010 a saca de milho de 60 quilos(kg) atingia o pior preço daquele ano, R$ 17,97 – baseado no levantamento da média de preços do cereal na região de Campinas (SP), feito pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Cepea/Esalq), vinculada à Universidade de São Paulo (USP). De lá pra cá, a tendência que se viu foi uma escalada bem acentuada na valorização do produto, a qual culminou, em 2 de fevereiro deste ano, no valor mais alto praticado por saca desde maio do ano passado – R$ 32,25. A alta verificada foi de 79,47%, num período de praticamente nove meses (ou 269 dias).

A principal causa apontada por esse incremento está relacionada à quebra da safra americana 2010/2011 de milho, que sofreu perdas significativas. Os Estados Unidos (EUA) são o principal produtor e chegam a ser responsável pela oferta de 50% do total do grão produzido no mundo todo. “Na verdade”, conta o analista de mercado de milho da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Thomé Luiz Freire Guth, “na época que foi anunciada essa projeção, esta chegou a ser a queda mais baixa dos últimos 20 anos. A safra 2011/2012 também está com risco de quebra porque foi plantada fora de época – e em função do excesso de chuvas que ocorreu em regiões produtoras de milho”. Depois desse cenário, as regiões produtoras americanas foram afetadas por uma onda de calor e estiagem, que deve impactar negativamente a produtividade.

Anterior à crise da safra dos EUA, o primeiro fator que engatilharia o aquecimento da demanda seria a quebra da safra de trigo forrageiro na Rússia em função da seca. De acordo com Guth, o alimento compõe a base da dieta dos rebanhos naquele país, e, com a falta dele, os produtores se voltaram ao milho como substituto. Igualmente, demais países europeus sofreriam com a seca e majorariam a lista de compradores do cereal. “Houve também outros fatores coadjuvantes como a possibilidade de quebra de safra da Argentina e o aumento do consumo da China”, acrescenta.

Baixas na produção

Oferta e procura – este é o princípio que rege a economia e é a partir dele que está relacionada a flutuação dos preços, seja de qual produto ou serviço for. Daí, a crescente procura por milho e a perspectiva de níveis mais baixos desse item tornaram-o supervalorizado. As vendas que ocorreram desde então fizeram com que os níveis de estoque do cereal despencassem significativamente.

Para muitos analistas de mercado, tradings (empresas especializadas no comércio de commodities) e fundos especulativos, o consenso a que se chega é da falta de credibilidade de recuperação desses estoques nessa safra. “Mesmo que os EUA consigam ter uma safra de cerca de 342 milhões de toneladas (t), ainda assim, o estoque de consumo deles continuará baixo”, avalia Guth.

No Brasil a produção também não parece ter o mesmo desempenho de safras passadas. Apesar da estimativa da safra 2010/2011, feita pela Conab, ser de 57,12 milhões de t (1,97% maior do que a previsão da de 2009/2010), há indícios de que esse número deva cair – só ainda não se sabe ao certo para quanto. Segundo o especilista da Conab, é preciso muita cautela com as informações alarmistas, feitas muitas vezes só por base na observação isolada dos acontecimentos.

O fato é que os Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná sofreram com a influência de efeitos climáticos distintos na segunda safra de milho. O primeiro, pela seca, e os demais, por intensas geadas. “Pode-se dizer que a geada de Mato Grosso do Sul e do Paraná, principalmente do Paraná, é a situação mais drástica do que a seca de Mato Grosso”, testifica Guth que esteve em regiões produtoras paranaenses justamente nos dias da intensa geada, ocorrida em 27 e 28 de junho. “Isso porque, boa parte dessa safra foi plantada atrasada, fora da janela de plantio. O pessoal resolveu arriscar, achando que não poderia acontecer um efeito climático que, de fato, é normal ocorrer nos meses de maio, junho e julho. O problema todo é que a geada que veio para o Estado foi mais forte que se imaginava”.

O Brasil também foi prejudicado com a falta do produto no início do ano também em função do atraso no plantio da safra de verão, o que forçou a venda dos estoques públicos do cereal. “Apesar disso tudo, ainda é cedo para se apontar a extensao das perdas, pois o Paraná, por exemplo, ainda atravessa uma colheita muito incipiente. Tenho ouvindo muitos números, como 40%, 50% ou 60% de quebra de safra. Certamente haverá perdas, mas não há como dar crédito a esse tipo de informação”, pondera.

Mercados em competição

O grão conquistou uma dada importância tanto para a alimentação humana como para compor a dieta animal, especialmente para o setor de aves e suínos. Diante da busca por garantia do cereal, a rixa ficou acirrada entre compradores dentro e fora do País. A exportação tem sido realmente mais atraente ao produtor, ao passo que o mercado interno também tem feito pressão para adquirir o produto.

Só para se ter uma ideia, Mato Grosso, por exemplo, já vendeu 66% da safra de milho (antes mesmo de colher, mais de 40% da produção já tinha sido comercializada no mercado futuro).

Estima-se agora que os produtores mato-grossenses terminem a colheita e segure um pouco esses grãos que lhe restam para negociar e, até mesmo, especular um pouco o valor a ser praticado por saca. Esse fato tem sido observado em várias praças no País – particularidades regionais de produção tem feito o milho se tornar uma commodity equiparada à soja (só que esta ainda mantem o patamar de maior relevância dentro do mercado agrícola).

Do inferno ao céu

De maio de 2010 para cá, o que favoreceu também esse aumento de preços foi a questão de volume de escoamento feito através do Prêmio para Escoamento da Produção (PEP), que serviu de incentivo à exportação. Esta ferramenta, disponibilizada pela Conab, é uma subvenção econômica concedida àqueles que se disponham em adquirir o produto indicado pelo governo federal, diretamente do produtor rural e (ou) sua cooperativa, pelo valor de referência fixado (Preço Mínimo), promovendo o seu escoamento para uma região de consumo previamente estabelecida.

Logo depois os preços começaram a melhorar no mercado externo o que levou o produtor a vender mais o produto lá fora. Com a falta de milho, houve um descompasso entre a oferta e a demanda que jamais se imaginava, o que culminou em vendas de volume que nem supriam a necessidade da mercadoria. “Chicago [Chicago Board of Trade (CBOT), a Bolsa de Valores de Chicago] chegou num patamar que, historicamente, nunca havia chegado – como o milho ser negociado próximo a US$ 8 o bushel [unidade que representa 25,401168 quilos]”, diz Guth.

As perspectivas

Tudo o que pode ser previsto só serve para ilustrar um cenário ou uma tendência, e não há, nesse caso, como ponturar se isso realmente irá ou não ocorrer. Nesse sentido, o especialista da Conab pondera que se o Brasil tiver condições climáticas favoráveis, se houver o plantio da soja na época recomendada, então, Mato Grosso plantará a soja precoce, para tentar colher no final de dezembro. Daí o Estado poderá plantar milho a “dar com pau”. É possível que os gaúchos e os catarineneses se animem e também façam um incremento da área. O Paraná pode até deixar esse aumento de área para a safrinha. “Atualmente, é muito difícil de se lidar com a primeira safra desse cereal pois ela está muito próxima à da safra de soja, e esta tem garantido rentabilidade muito boa. Algumas regiões, como no Paraná, não dariam para aumentar a área – o que pode ocorrer é o uso de terras de outras culturas, como o feijão.

Feito isso, o País poderia chegar próximo a 60 milhões de t de milho (no total das duas safras). Mas para isso, o clima teria de ajudar, pois em termos de tecnologia a produção do cereal estaria bem resolvida no Brasil.

Ainda, há uma tendência de os EUA não conseguirem atingir a produtividade. Se eles quebrarem a safra novamente o preço então se manterá em alta no mercado externo. A projeção de plantio do milho americano é a partir de maio. Se chegar em meados de junho e julho e a produção americana se recuperar, aí os preços então começariam a cair. “Se eles recuperarem o patamar de 345 milhões de toneladas, é provável que os preços voltem para a casa de US$ 3, o que era anteriormente”.

A dinâmica da agricultura brasileira tem crescido a cada ano, especialmente pelo uso de tecnologia – seja com sementes de variedades mais produtivas e adaptadas e manejo correto com a lavoura, feitos na época certa. Esse desenvolvimento da lavoura tem aberto novas fronteiras de produção que hoje percebem a importância do cultivo do grão, como em alguns Estados do Nordeste.

Diante dessa realidade, o que resta ao País é estabelecer uma competitividade com mercados como EUA e Argentina. Apesar de haver um aumento no consumo de milho, o interessante para economia também seria focar a exportação. Nesse ponto, o que pesa é falta de atratividade do produto brasileiro no porto, por ser encarecido pelo custo logístico.

Nada supera 2007

Apesar da alta verificada nessa última safra, esta nem se compara à de 2006/2007, na qual foram registrados os maiores preços do milho em todo período pesquisado pelo Cepea. “Problemas com o trigo e milho no mercado externo”, destaca Lucilio Rogerio Alves, pesquirador da área de grãos do Cepea, “em função da crise de produção deram a oportunidade ao Brasil a exportar a mercadoria. Mercados como o da Europa e do Oriente Médio vieram bater à nossa porta e aí nos consagramos com o recorde de exportação”.

A alta mais significativa naquele período compreende os dias 10 de julho e 6 de dezembro de 2007. O valor da saca saltou de R$ 18,64 para R$ 34,62, o que representou uma alta de 85,73%, num espaço de tempo de quase cinco meses (ou 146 dias).

A restrição de oferta no mercado interno deixou compradores preocupados e a intervenção governamental foi essencial para atendimento da demanda doméstica. Algumas informações de preços nos mercados internos e externos chamaram a atenção em 2007. Na CBOT, a alta observada entre a média de janeiro e dezembro daquele ano foi de 7,7%, depois de terem subido 52% no último trimestre de 2006. A média de preços em 2007 foi aproximadamente de 60% maior que as dos últimos três anos.

O ano anterior – 2006 – fora justamente o oposto. Nele, em 30 de março, era registrada a cotação mais baixa do produto averiguada pelo Cepea desde 2004. A saca de milho chegou a uma média de R$ 13,32 naquele dia.

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