Pecuária

Genética: de olho no sabor

O que é preciso para se produzir um rebanho para, no final da cadeia, ter uma carne macia e saborosa, que agrade o paladar do consumidor mais exigente? O que há de novo quando o assunto são os avanços dos programas de melhoramento genético?

Esses foram temas abordados na Expogenética (mostra que reúne animais avaliados pelos principais programas de melhoramento genético do País), que foi realizada no Parque Fernando Costa, em Uberaba (MG) e terminou no dia 22 de agosto, com um faturamento de R$ 10 bilhões. Sinal que cada vez mais há um trabalho intenso voltado e uma preocupação, no sentido de melhorar a cadeia produtiva da carne e, é claro, ao atendimento do gosto do “freguês”.

No entanto, para que essa proteína chegue até aos açougues, em grande quantidade e qualidade e de lá até a mesa do consumidor, há um longo caminho a ser percorrido. E é nos laboratórios que tudo começa, com a saída das doses de sêmen de touros para o melhoramento do rebanho.

Há cerca de 20 anos, um animal era abatido quando atingia a idade de cinco a seis anos. Hoje, graças às constantes pesquisas, é possível abater um boi “perfeito” dentro de um prazo de um ano e meio. O gado ficou mais pesado, mais fértil e mais precoce. E quanto mais cedo é o abate, melhor é a probabilidade da qualidade da carne. Mas, será que somente a ferramenta do melhoramento genético trouxe 100% a totalidade destes resultados?

Os especialistas são unânimes ao afirmar que uma série de melhorias genéticas, nutricionais e sanitárias auxiliam no processo de uma excelente produção. Entretanto, continuará a existir trabalhos clássicos de seleção e cruzamento cada vez mais apoiados em ferramentas da genômica. “Os marcadores moleculares, por exemplo, permitem agilizar a identificação de animais desde o seu nascimento. Ele auxilia o criador a tomar decisões rápidas e em um curto espaço de tempo. Porém, ele não substitui as ferramentas já utilizadas pelo pecuarista no campo, pois individualmente cada animal tem suas características genotípicas, que condicionam animais com maior marmoreio, mais qualidade de carne, maior ganho de peso, atributos que conferem melhores resultados para os produtores”, esclarece Pablo Paiva, médico veterinário e gerente da Pfizer Genética Animal do Brasil. Aliás, recentemente, a empresa anunciou a entrada no campo de genética bovina. A princípio, os marcadores da Pfizer estão direcionados para zebuínos da raça Nelore e estão em fase de testes. Um dos focos da companhia é, além do melhoramento genético das gerações, identificar e selecionar animais sexualmente precoces.

Paiva também lembra que de nada adianta ter todos os aparatos tecnológicos, já que vários outros fatores caminham juntos, tais como a influência do ambiente no qual vive o animal, manejo, condições sanitárias e nutricionais. “Tudo isso contribui para que o rebanho possa expressar todo o seu potencial genético”, ressalta.

E quando o assunto são os fatores relacionados ao sabor da carne? “Características como, palatabilidade, suculência e mastigabilidade têm uma relação mais próxima de fatores ambientais. Para obter um produto de qualidade, tudo dependerá de criação, manejo nutricional, pré e pós-abate”, responde Luis Artur Loyola Chardulo, professor da Unesp de Botucatu (SP). Segundo o pesquisador Rymer Ramiz Tullio, da Embrapa Pecuária Sudeste, localizada em São Carlos (SP), além disso, vários outros itens podem influenciar quanto ao sabor da carne. “Tais como o teor de gordura, a capa na parte externa do músculo do animal ou aquela conhecida quanto à questão ao marmoreio, a gordura intramuscular que propicia uma carne mais macia e saborosa e ainda a possibilidade desta carne em reter líquido, ficar bem suculenta. Sem esses atribuídos, não há como garantir um bom produto”, conta. “Além disso, há outras interferências externas, como o manejo pré e pós-abate, até como o preparo da carne até à mesa. Logicamente, os animais com pré-disposição genética favorecem esses atributos que tanto o mercado procura”, reforça o pesquisador.

Diante destas questões e em busca de respostas, desde 1993 começaram as pesquisas com os cruzamentos. Porém, somente agora eles tiveram mais ênfase na carne de qualidade. O estudo denominado “Carne bovina de qualidade”, que tem o nome fantasia “Bifequali” (que seria “bife de qualidade”), liderado pela Embrapa Pecuária Sudeste não se limita à produção no pasto. A proposta chega ao frigorífico e ao consumidor, com os cortes de carnes sendo analisados no sabor, maciez, localização e teor de gordura, cor, textura, entre outros fatores que possam contribuir para um produto de primeira. “Nosso projeto tem como objetivo propor dois caminhos: um é a avaliação de animais da raça Nelore e o segundo com raças cruzadas. Com o Nelore, estamos no meio do caminho, avaliando a eficiência alimentar da raça, estudando todas as linhagens existentes no País. Além disso, procuramos a genética e obtenção de maciez, nos abates e exigência de animais com gordura entremeada (mamoreio) para o abate. Neste projeto, a avaliação genética será realizada nos Estados Unidos, junto com outros colaboradores”, frisa.

O projeto liderado pela Embrapa Pecuária Sudeste tem a participação importante de pesquisadores das Embrapas Pecuária Sul (Bagé/RS), Gado de Corte (Campo Grande/MS), Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília/DF), Informática Agropecuária (Campinas/SP), Meio Norte (Teresina/PI), e de outros órgãos de pesquisa como o Instituto de Zootecnia (IZ), da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, em Nova Odessa e Sertãozinho (SP), a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), em Piracicaba (SP), a Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal (SP), e a Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus (BA). “Um outro trabalho é com as raças europeias adaptadas avaliando o desempenho de cruzamentos, para se obter animais produtivos – adaptados às condições tropicais e subtropicais – precoces e produtores de carne de boa qualidade. Há um trabalho existente no Sul do País com as raças Angus, Hereford e Caracu. No Norte do País, é a raça Curraleiro. No Sudeste o trabalho é voltado para o Angus, Senepol, Bonsmara e Simental. No Centro-Oeste a direção dos trabalhos são as raças Angus, Caracu e Valdostana (essa originária da Itália). Todos os trabalhos envolvem o Nelore, raça base das nossas pesquisas, visando sempre a qualidade da carne”, pontua.

Em busca do melhor

No caminho das pesquisas, especialistas discutem como encontrar o caminho perfeito para a carne tão desejada. “Recentemente, em conversa com frigoríficos, eles solicitaram todas as tecnologias relacionadas à carne, desde avaliação genética. Para este elo da cadeia é muito importante ter volume e genética de animais cada vez mais jovens”, diz Paiva.

O trabalho, afirmam os pesquisadores, envolve toda a cadeia produtiva. “Um estudo que fizemos em 800 carcaças em uma planta industrial, usamos as características como parâmetros de carcaça, como A, B, C, relacionado a idade, conformação e abate. Foi identificado que 18,71% da carne exportada para Europa tinha maciez inadequada, ou seja, era carne dura. Então veja a ferramenta de classificação chega a margem de erro de 20%”, conta Chardulo.

Dentro deste contexto, a maciez é questionável. “Ela é uma das principais características desejada pelo consumidor. De dez itens solicitados na qualidade da carne, cinco, sem dúvida, é quanto à questão da sua maciez”, menciona o professor.

As novas exigências do consumidor – tanto no Brasil como nos mais de 150 países aos quais o Brasil exporta – implicam em melhorias na alimentação dos animais, na sanidade, no importante fator genético (racial), escolha de raças e cruzamentos, o bem estar animal, boas práticas agropecuárias, entre outras. A proposta, segundo o pesquisador da Embrapa, é até o final do ano disponibilizar uma cartilha destinada ao pecuarista com a intenção de ensiná-lo a produzir uma carne de boa qualidade. “O foco será conseguir abater animais entre 12 e 14 meses dentro de um sistema de manejo. Nós, teremos várias opções para o produtor e, peso e qualidade. Além disso, há uma preocupação quanto ao transporte e o frigorífico com refrigeração, o que garante pouca interferência na alteração do PH, que interfere na cor da carne. Nesse caso, cada elo da cadeia tem de fazer a sua parte”, comenta o pesquisador.

Já na opinião de Argeu Silveira, médico veterinário e responsável técnico do Programa Genética Aditiva, empresa que atua no segmento de melhoramento genético, as pessoas necessitam de informação de qualidade. “Pensando neste nicho de mercado, produtores têm se organizado para poder oferecer, de maneira regular, um produto de qualidade a este público específico. Um destes exemplos é a Associação do Novilho Precoce (MS), que recentemente lançou a primeira “carne de grife” do Estado, a Selection. O produto, resultado da aliança mercadológica com o grupo varejista Carrefour, possui o selo de Garantia de Origem (GO), que comprova a qualidade da cadeia produtiva do pasto até a gôndola dos supermercados”, conta.

Segundo ele, todo este cenário explica a existência e consolidação das “boutiques” de carne no Brasil e, também, do lançamento destas marcas próprias de carne. “Ambas as ações são passos importantes no sentido de consolidar essa oferta ao mercado”, diz Argeu.

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