Agricultura

Citrus: o gene da cura

Das lavouras permanentes no País, a de citros – a qual inclui as laranjas, limões e tangerinas – é a que mais vem causando dores de cabeça ao produtor para se manter atualmente. Diferentes doenças e pragas de difícil controle são a explicação para isso. Nesse sentido, a identificação de métodos economicamente viáveis e com resultados satisfatórios tem sido o desafio para as equipes de pesquisadores nessa área.

Diante desse contexto que espécies com resistência a pragas e com frutos melhores saíram de campos de experimentação e atualmente estão à disposição do citricultor brasileiro – resultado do trabalho desenvolvido pelo Centro APTA de Citros Sylvio Moreira, em Cordeirópolis (SP), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA/SP). A entidade é referência no Brasil em termos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para a área de citros.

Um exemplo disso foi o sequenciamento genético, realizado no ano de 2000, da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da doença clorose variegada dos citros (CVC), comumente conhecida pelos produtores por amarelinho. Ela foi detectada em 1987 em pomar de laranja Pera enxertada sobre limão Cravo, em Macaubal, região centro-oeste do Estado de São Paulo e posteriormente no Triângulo Mineiro. “Em função da importância da citricultura e o total desconhecimento da bactéria na época, optamos por fazer esse sequenciamento, inclusive, a publicação desse trabalho foi capa de Nature, uma das revistas científicas mais importantes do mundo”, destaca Alessandra Alves de Souza, pesquisadora do APTA Citros, especialista em genética funcional. “Foi o primeiro fitopatógeno no mundo a ser sequenciado, e ainda por um grupo brasileiro”. Além do Centro de Citricultura de Cordeirópolis, também participaram desse estudo pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

O gene da vez

Com o gene sequenciado, Xylella fastidiosa abriu um campo de pesquisas muito rico para o trabalho de pesquisadores como Alessandra, que pode, a partir de então, entender como funciona cada gene e qual o papel dele no organismo da bactéria, neste caso – daí é que se deriva a especialidade de Souza, a genética funcional. “Não adianta você só sequenciar o genoma. Você sequencia e aí você tem um monte de letrinhas. Para quê isso serve? Como esses genes atuam? Em que momento eles têm um papel que expressam uma função para alguma coisa? Então, de lá pra cá, foram feitos estudos, inclusive de diagnósticos, que tratam do genoma funcional, tentando explicar cada uma dessas perguntas. E, partir da genética funcional, queremos descobrir como essa bactéria causa a doença e quais os genes que ela expressa para causar esse mal à planta”, explica Souza.

Uma das descobertas desse estudo, foi a associação de um gene na formação de um agregado celular (biofilme), o qual faz com que as bactérias se unam uma com as outras, entupindo o xilema [canal por onde corre, da raiz às folhas, a água com sais minerais dissolvidos, a seiva bruta] da planta. “Fora isso, a gente também viu que ela precisa de alguns genes responsáveis pelo movimento dela na planta. Então além de a bactéria entupir, ela consegue se movimentar, dessa forma, vai entupindo diversos outros locais na planta”.

A cura

Desfazer o biofilme produzido pela bactéria foi um dos alvos da pesquisa. Nesse sentido, o estudo com os genes que atuam na formação e resistência desse aglomerado celular foi preponderante para a descoberta de uma possível forma de controle – e a possível solução saiu da prateleira de uma drogaria.

“Eu vi que essa bactéria se parece muito com as que causam doenças em humanos. Então, fui atrás de medicamentos que pudessem ser utilizados para a planta, por exemplo. Alguns compostos e moléculas encontrados se saíram interessantes e, inclusive, reduziram o sintoma da CVC”.

Medicamentos que auxiliam o homem no controle de doenças respiratórias, ou mesmo o alívio do catarro, ajudaram a descobrir uma possível forma de controle para a CVC. De acordo com a pesquisadora, o composto é muito simples e barato e ajuda a desfazer o biofilme, permitindo a cura.

“Você não vai matar a bactéria, mas ela não consegue bloquear o xilema, e sem esse bloqueio, não há a doença, e sem doença você não tem dano econômico, que é tudo que a gente quer”, avalia Souza.

Outro ponto destacado é que sem o biofilme a população de Xylella fastidiosa cai na planta. Daí a ideia de que isso também permitiria a diminuição da infecção da bactéria para as outras árvores do pomar, feita pelo vetor da doença, a cigarrinha. “Eu ainda não fiz essa comprovação, mas provavelmente isso vai acontecer baseado em outros estudos”, prevê.

O sistema de manejo não é só para o controle de Xylella fastidiosa, mas também pode servir de base para o controle do huanglongbing (HLB), mais conhecido por greening, Xanthomonas axonopodis pv. citri, que causa o cancro cítrico, entre outras bactérias.

Genes irmãos

A obtenção de híbridos também é alvo de estudos pelo Centro APTA Citros – estes poderão gerar as plantas com potencial a barrar qualquer tipo de doença ou mesmo, conferir resistência a esses patógenos e até a questões climáticas, como o caso do estresse hídrico.

A cisgenia é a área na qual trabalha a pesquisadora Raquel Luciana Boscariol Camargo. Trata-se de um conceito atual e consiste em utilizar genes da própria espécie ou gênero para transformação genética das plantas, de acordo com Camargo. “Um exemplo é a superexpressão de um gene de citros para outra planta de citros, e não um gene derivado de uma bactéria, vírus, etc. A diferença, em relação a transgenia, é que esta usa genes de qualquer origem e a cisgenia identifica genes potenciais no próprio genoma do indivíduo, nesse caso, da planta, para superexpressão ou silenciamento de um gene. As implicações disto é que esta geração de organismo geneticamente modificado (OGM) seria mais aceita comercialmente, teria mais facilidade de liberação no campo, menor riscos de causar alergias, etc”, analisa.

Dessa linha de pesquisa pode nascer um híbrido entre a laranja e a tangerina – alvo de estudo tanto de Souza como também da coordenadora de pesquisas do centro, Mariângela Cristofani-Yaly. “A tangerina é resistente à Xylella, então, o que buscamos são híbridos entre tangerina e laranja doce que tenham a qualidade do fruto da laranja e que leve a resistência da tangerina”, afirma Souza.

Essa hibridização já ocorre naturalmente nos pomares, dela se originou a variedade de tangerina Murcott – a partir de uma mistura aleatória dos genes de ambas as plantas. No entanto, em laboratório, esse processo deixa de ser aleatório e assim é possível pegar o gene exato para conferir as qualidades que produtor e consumidor querem.

Genes exóticos

Já, efetivamente, na área de transgenia, a exemplo do que se viu ocorrer ao milho, com a introdução de material genético vindo da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), tecnologia semelhante também foi possível com a laranja. “Em citros, a transformação genética é feita utilizando uma bactéria do solo chamada Agrobacterium tumefaciens”, explica Camargo. “Esta bactéria depois de manipulada em laboratório irá conter o gene de interesse e em contato com o tecido da planta vai transferir este gene para ela, a qual será selecionada em meio de cultura in vitro e depois avaliada para confirmar a transformação genética e se o gene inserido se expressa na planta”.

Este é um exemplo de trabalho que está sendo desenvolvido. Outros genes identificados tanto dentro do próprio genoma do citros ou espécies próximas (cisgenia) como os de patógenos importantes para a citricultura são avaliados para a obtenção de representantes mais resistentes.

Em média, são dez anos de pesquisa até se chegar uma variedade desse tipo para o produtor – incluindo aí todo o processo necessário, desde a obtenção da planta transgênica em si, a realização de testes de expressão gênica e ensaios biológicos, autorização para testes no campo e, enfim, o lançamento da nova variedade comercial, segundo pontua Camargo.

“Temos alguns resultados preliminares de plantas transgênicas com boa tolerância ao cancro cítrico e que devem ser testadas no campo. Outras pesquisas em andamento envolvem resistência ao HLB, leprose e CVC, onde estamos na fase de obtenção e propagação das plantas transgênicas. Temos ainda porta-enxertos transgênicos que devem ser testados sob condições de estresse hídrico”.

Resistência à seca

No município de Colômbia (SP), estudos desenvolvidos em dois campos experimentais, um com diversas cultivares de porta-enxertos e outro com cerca de 80 híbridos de tangerina Sunki (Citrus sunki Hort. ex Tanaka) vs Poncirus trifoliata cv. Rubidoux, conhecidos como citrandarins, estão sendo avaliados quanto à resistência à seca. Este é um trabalho que está sendo visto bem de perto por Cristofani-Yaly.

“Em avaliações realizadas em agosto deste ano, após um período de 90 dias de estiagem, encontraram-se plantas altamente suscetíveis à seca, apresentando intensa queda de folhas e frutos; plantas com um nível intermediário de resistência, onde se observaram sintomas de murcha em folhas e frutos, mas com queda moderada de folhas; e plantas que apresentavam resistência à seca comparável ou superior à do limão Cravo, sem sintomas de murcha”, constata a pesquisadora.

Esses ensaios de campo terão continuidade, de acordo com Cristofani-Yaly, avaliando-se a produção com variedades de copa de laranja Pera e com resistência à morte súbita dos citros (MSC) – doença que envolve o processo de enxertia em citros. “Novos estudos ainda são necessários, entretanto, alguns desses materiais, híbridos ou não, já apresentam potencial para se tornarem novas alternativas de porta-enxertos para a citricultura”, atesta a pesquisadora.

Genes difíceis de se lidar

O huanglongbing (HLB) – greening – é a mais devastadora de todas as doenças existentes no País, na área da citricultura. De acordo com a pesquisadora Mariângela Cristofani-Yaly, três espécies da bactéria Candidatus Liberibacter spp são as grandes responsáveis por esse mal que se dissemina com muita agilidade nos pomares brasileiros.

A dificuldade no uso da genética para o controle da doença está relacionada à falta de mais estudos quanto à suscetibilidade ou resistência em grande parte do material genético de citros atualmente existente no Brasil. Quanto mais avaliações desse tipo forem realizadas, maior será chance de se encontrar uma espécie que possa conferir tolerância ao greening.

“Nesse sentido, experimentos foram conduzidos em casa de vegetação no Centro APTA Citros para avaliar a multiplicação da bactéria e o desenvolvimento de sintomas em seis espécies e variedades de citros, assim como, em oito gêneros próximos”, diz Cristofani-Yaly. “Após a infecção por borbulhas que continham a bactéria, foi possível detectá-la em todos os genótipos avaliados, embora com variação na quantidade do patógeno”.

A boa notícia do estudo é que em genótipos como Atalantia, Poncirus trifoliata e Citrus limettioides (lima da Pérsia), houve uma redução da taxa de multiplicação da bactéria – o que indica um certo grau de tolerância. No entanto, os resultados indicaram que, efetivamente, não há resistência genética à infecção de Ca. Liberibacter spp dentro do grupo citros e gêneros afins. “Este fato, dificulta o trabalho de melhoramento genético via hibridação controlada, pois ainda não foi encontrada uma variedade que possa ser a fonte de resistência para as variedades comerciais e, apesar de ser possível o cruzamento de citros com gêneros afins (por exemplo, Atalantia e Poncirus trifoliata), este tipo de cruzamento pode modificar totalmente as características dos frutos das variedades utilizadas como copas”, declara.

Entretanto, como frisa a pesquisadora, o estudo das espécies que têm se mostrado mais tolerantes é interessante para o entendimento do mecanismo e genes envolvidos na tolerância e, por fim, para a utilização destes genes na transformação genética das variedades comerciais.

Já em relação ao inseto vetor do HLB, psilídeo chamado Diaphorina citri, ele era um velho conhecido dos pomares brasileiros há mais de 60 anos e nunca foi problema para a citricultura, segundo relata Cristofani-Yaly. O transtorno começou com a introdução das bactérias em 2004 no Brasil. A partir daí, ele se tornou a praga-chave do manejo a ser adotado na cultura, em virtude da capacidade dele de disseminar o patógeno entre plantas e pomares de citros.

O uso de inseticidas no controle do psilídeo tem sido um dos sustentáculos do programa de controle do HLB, associado à erradicação constante de plantas sintomáticas e à sua substituição por mudas efetivamente sadias. O controle do inseto pode ser feito com pulverizações, aplicações tópicas diretamente no tronco das plantas ou mesmo por encharcamento das plantas. Esses métodos têm sido eficazes, mas oneram bastante o custo de produção dos citros, especialmente pela quantidade de aplicações que são requeridas no ano (há produtores fazendo de seis a 24 aplicações por ano).

Frutos dos híbridos de tangerina Cravo (TC) vs laranja Pêra (LP) e de tangor Murcott (TM) vs laranja Pêra. a. TC x LP 10; b. TM x LP 16; c. TM x LP 281: sempre de que há um programa de melhoramento de variedades copa, a qualidade da fruta é essencial, frisa a pesquisadora Mariângela Cristofani-Yaly.

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