Agricultura

Armazenagem: que milho caro!

O governo federal optou pelo percurso mais longo e mais caro na época mais imprópria e ainda por cima encareceu o frete – enfim, cadê a ajuda?

Como garantir o maior valor ao grão que atualmente não tem valido muita coisa? A receita é simples. Basta levá-lo ao lugar mais distante possível. Foi assim que o governo federal fez – do município de São Gabriel do Oeste (MS), o grão, que deveria ter custado uns R$ 12 a saca de 60 quilos (kg), partiu para Boa Vista (RR). Os 3.641 quilômetros (km) de distância, de uma localidade à outra, agregou um custo de R$ 38,06 por cada saca em função do frete – lá, então, o grão passaria a valer R$ 50,06! Embora o milho tenha se valorizado mais de 400%, não será o produtor que receberá por isso. Essas foram as 2 mil toneladas (t) mais caras para os bolsos públicos.

A mesma situação se repetiu em vários outros municípios de Mato Grosso do Sul, que destinavam sua produção de milho a outras cidades das Regiões Norte e Nordeste. “Se o preço do milho no Nordeste girava em torno de R$ 14, como é que se chega lá com outro, com o custo de frete, ao preço, por exemplo, de R$ 44?”, indaga o economista e consultor rural, Leonardo Lúcio Amorim Mussury, de Dourados (MS). “Quem pagou essa remoção? Não foi a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)? Quem pagou o milho na época de R$ 12 a R$ 18, não foi a Conab? Então estou presumindo que a Conab pagou R$ 44 a saca de milho para entregá-lo lá no Nordeste. Isso é um absurdo!”, exclama o especialista sobre a política de logística e de realocação de grãos nos armazéns brasileiros adotada pela empresa estatal, ligada ao Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

O estopim de toda essa polêmica sobre o milho começaria com o resultado final da safra 2007/2008, na qual os estoques do grão saltaram de 2,5 milhões de t para 11,3 milhões. As safras seguintes se mantiveram nesse patamar, e agora o excesso do grão prejudica os preços e abarrota os armazéns do País – já não há quase mais espaço para comportar tanto milho. Sem uma demanda interna capaz de consumir todo o grão produzido e muito menos uma demanda externa interessada pela compra, restou ao governo federal realocar a produção para haver espaço às novas safras de grãos – que é justamente às chamadas remoções, organizadas pela Conab.

Trajeto inverso

Para Mussury, já que a remoção tem de ser feita, o ideal seria fazê-la entre regiões mais próximas. No entanto, prevaleceu a escolha pelo trajeto mais longo. “A Conab tirou o produto de Mato Grosso do Sul para levar para o Nordeste, pagando um pouco mais de R$ 400 a tonelada, e tirou o produto de Mato Grosso e mandou para o Paraná. Ora, qualquer leigo sabe que de Mato Grosso do Sul para o Paraná é muito mais perto do que de Mato Grosso para o Paraná”.

Assim, também seria mais prático e menos oneroso, a remoção de milho de Mato Grosso para as Regiões Norte e Nordeste, por estarem mais próximos.

Hora errada

Outro problema causado pelas remoções de milho foi o atraso ou a escolha mais inadequada para se fazê-las – de janeiro a março deste ano. Nessa mesma época, a soja tinha de ser escoada aos portos ou mesmo para as indústrias. Isso ocasionou o encarecimento do frete em cerca de 50% – pelo menos foi o que ocorreu em MS. Segundo Mussury, o frete que se pagaria em fevereiro, com destino a Paranaguá (PR), em torno de R$ 100 a tonelada, chegou-se ao custo de R$ 150 sobre a mesma quantidade. “Esta diferença foi em função de uma demanda muito forte por frete, e acabou sobrando no preço do produtor, reduzindo mais ainda a margem dele”.

Incentivo a preços mais baixos

Apesar de todo excesso do grão no País, o governo optou por aumentar o preço mínimo. Segundo a Conab, nas Regiões Sul e Sudeste, além do Distrito Federal e dos Estados de Mato Grosso do Sul e Goiás, a saca saía de R$ 16,50 para R$ 17,46. Nos Estados de Mato Grosso e Rondônia, o valor da saca, que era de R$ 13,2 passou para R$ 13,98. Já nas Regiões Norte (exceto Rondônia e Acre) e Nordeste, o preço mínimo do milho que era de R$ 19, na safra 2008/2009, passou para R$ 20,10 na safra 2009/2010. “Se você já vem atravessando duas ou três supersafras de milho, com os armazéns abarrotados de milho, sem ter lugar para armazenar tanto milho, seria hora de você elevar preço mínimo? Você eleva preço mínimo para estimular o produtor a plantar, mas quando você tem excedente de produto não justifica aumentar preço mínimo… E o que acontece agora? Se eleva o preço mínimo, existe então uma superprodução de milho, ninguém sabe para onde vai tanto milho, e a Conab não garante o programa dela que é de garantir o preço mínimo, porque não tem recursos para isso”, conclui Mussury.

Explicações

Foram necessários um mês e sete dias, entre conversas com técnicos e representantes tanto da Conab como do Mapa, para conseguir alguma explicação. E ambos concordam – houve atraso no repasse de verbas para serem efetuadas as remoções.

No entanto algumas justificativas foram genéricas, como por exemplo, o porquê de ter se optado pela logística mais longa de transporte dos grãos. Segundo, Sílvio Farnese, coordenador geral de Cereais e Culturas Anuais do Mapa, a logística se justificou, primeiro, pela necessidade de se esvaziar armazéns em regiões de grande produção de grãos; e segundo, por atendimento a necessidades operacionais ou mesmo por exigência judicial. “Quando há a necessidade de remoção para atender a programas institucionais do governo, a Conab interage as duas necessidades visando equalizar os custos evitando, em vários casos, o retardamento das remoções por falta de alternativa para armazenar em outros Estados mais próximos”, declara Farnese – mas se a ideia era evitar custos, mesmo assim projetou-se o caminho mais longo.

Um argumento um pouco mais plausível foi dado por Paulo Roberto Muniz de Carvalho, da Superintendência de Armazenagem e Movimentação de Estoques (Suarm) da Conab. A remoção liberaria armazéns que estivessem com baixo nível de carga. Um exemplo dado foi sobre uma unidade armazenadora que tem capacidade para 35 mil t e estava ocupada com apenas oito mil. “Calcula-se que com esta providência foram abertos espaços no Estado de Mato Grosso para aproximadamente 700 mil t, com a retirada de 298 mil t dos estoques do governo, e 450 mil t, com a remoção de 161 mil t dos estoques da Conab de Mato Grosso do Sul”, contabiliza Carvalho. Ao todo são 17.247 armazéns espalhados pelo Brasil e que comportam cerca de mais de 133,4 milhões de toneladas. Um número que o governo estima crescer em virtude de créditos disponibilizados para a safra 2010/2011 – a soma, que não é exclusiva para setor de armazenagem, gira em torno de R$ 3 bilhões.

Outra situação, que contribuiu para o milho sul-mato-grossense fosse para as Regiões Norte e Nordeste, foi a favor do Programa de Venda em Balcão, da própria Conab, que tem como objetivo atender micro e pequenos criadores que não tem como adquirir milho em grãos pelos demais mecanismos de vendas do governo federal, e muito menos comprar o produto nas regiões produtoras do insumo – nesse caso então, quem pagará pelo milho mais caro (R$ 44 reais a saca) será justamente àqueles não têm como pagar.

Já em relação ao aumento do preço mínimo do milho, Farnese diz que eles foram reajustados, considerando à época de sua elaboração, os custos de plantio e as condições de mercado, inclusive o mercado externo, que viabilizavam o reajuste ocorrido. Quanto ao encarecimento do frete, não houve uma justificativa sequer.

Os fretes mais caros que o milho (valor por saca)

São Gabriel d’Oeste (MS) a Boa Vista (RR)
Distância 3.641 km
R$ 38,06

Dourados (MS) a Maracanau (CE)
Distância 3.327 km
R$ 33,75

Bonito (MS) a Açú (RN)
Distância 3.495 km
R$ 29,37

Bonito (MS) a Russas (CE)
Distância 3.382 km
R$ 29,35

Ao todo, foram 31.550 toneladas de milho que foram removidas e que tiveram um custo de frete superior a R$ 23. Um gasto de R$ 14.485.173.

Distribuição de capacidade dos armazéns pelo Brasil (em toneladas)

Total 133.473.068 100,00%
Região Norte 2.408.595 1,80%
Região Nordeste 10.380.104 7,78%
Região Centro-Oeste 46.460.746 34,81%
Região Sul 53.404.669 40,01%
Região Sudeste 20.818.954 15,60%

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