Agricultura

Algodão: agricultores de muita fibra

Já aos sete anos de idade, seu Rizeldo Alves do Nascimento lidava com os trabalhos na lavoura juntamente com o pai dele, isso lá por volta de 1968 e 1969, no município de Juarez Távora, no Estado da Paraíba. O trabalho com a cultura de algodão era o que garantia a vida de muitas famílias, inclusive a de seu Rizeldo. Naquela época a cultura atingia o auge, pois tinha como a cidade de Campina Grande (PB) – distante cerca de uns 42 quilômetros (km) de Juarez Távora e 134 km da capital João Pessoa – o maior entreposto comercial da fibra do País e o quarto do mundo. Tudo isso em função da espécie nativa brasileira, o algodão mocó (Gossypium mustelinum), produzida em larga escala na Região Nordeste.

“Esse algodão mocó foi o que, nos anos de 1940 a 1970, conferiu o status de Campina Grande, ser considerada a Liverpool brasileira”, destaca Fábio Aquino de Albuquerque, especialista em sistemas de produção de algodão da Embrapa Algodão, localizada em Campina Grande. “Daqui da cidade, os fardos de algodão seguiam para o porto de Recife (PE), e de lá para Inglaterra”.

Da década de 1970 pra cá, a cultura não foi mais a mesma, tanto para o Nordeste como para os demais pólos produtores do País. Doenças e uma praga em especial, o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), tornaram inviável a cultura do algodão, e diminuíram drasticamente a produção da fibra. E foi assim que Rizeldo viu terminar uma época de glória na região dele, que passava então a se ater a lavouras mais tradicionais como a de milho e feijão para se manter.

Um novo ânimo para seu Rizeldo sobre a cultura dessa malvácea começou com a instalação de uma microusina de beneficiamento da pluma, em Juarez Távora, para auxiliar os pequenos agricultores da região. Isso já era em meados de 1998 e 1999, e já trabalhando no próprio sítio, ele também se animava para recomeçar com o algodão. Logo depois a iniciativa não deu muito resultado – o custo era muito alto para uma produção aos moldes tradicionais.

No entanto, uma ideia que deu certo no Estado do Ceará, há cerca de uns 14 a 15 anos, também foi implantada pela Embrapa Algodão, em 2005, numa pequena área em Remígio (PB). Em 2008, o projeto tomou a forma definitiva e foi disseminado aos agricultores familiares do Estado. A produção tinha de ser numa escala bem baixa, com até cerca de cinco hectares de área. O sistema consorciaria demais culturas como o milho, o feijão, a fava, o gergelim, o amendoim e o jerimum (abóbora), além de integrar também, quando fosse possível, pequenas criações como bovinos, caprinos ou ovinos; tudo isso sem aplicações de defensivos agrícolas e sem qualquer aditivo químico no solo; o manejo seguiria diretrizes bem artesanais na hora de preparar o solo, semear, fazer os tratos culturais e fitossanitários da lavoura, e colher; e a mão de obra tinha de ser da própria família, para não gerar despesas e, assim, garantir a viabilidade desse sistema de produção – o algodão agroecológico.

Depois a ideia ganhou novas parcerias para a aplicação desse conceito em demais regiões do Nordeste. Atualmente, segundo Albuquerque, há mais de 500 famílias beneficiadas com esse projeto, espalhadas pelos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco. Pelo projeto de pesquisa da Embrapa, além da ampliação de alcance para os próximos anos, está previsto ainda a instalação de três miniusinas para o beneficiamento de algodão dos agricultores familiares, nos municípios de Pajeú (PE), Cariri (PB) e Apodi (RN).

Certificação

O primeiro passo era conquistar a certificação como um estabelecimento de produção orgânica, expedida pelo Instituto Biodinâmico (IBD), atual entidade no Brasil a testificar a propriedade e a produção como sendo efetivamente orgânica, dentro dos parâmetros que cabem à agricultura familiar.

Nesse sentido, produtores do município de Sumé (PB), há 134 km de Campina Grande, conseguiram o status de orgânicos em 2008 e agora comemoram, mesmo que ainda prematuramente, os resultados a primeira safra de algodão. “Em 2008, fizemos o plantio para produção de sementes, para logo em 2009 começarmos a produção do algodão”, conta seu Vital Rodrigues Filho, produtor familiar da Comunidade Pitombeira.

Em cerca de um hectare, o agricultor consorciou ao algodão, o milho, o feijão, o sorgo, o gergelim e a abóbora. O resultado da safra dele, no ano passado, foi de 10 sacas de 40 quilos no total. E não se trata que qualquer algodão, não. É o branco, do tipo 1, que é muito procurado pela indústria têxtil pelo padrão de qualidade garantido pela fibra.

“Fechamos um contrato anual [o da safra passada] com uma empresa francesa. E foi bem satisfatório, pois a média de preços era de R$ 0,70 o quilo, e conseguimos fechar o contrato pela venda do quilo a R$ 1,65. Segundo ela, foi o melhor algodão que já entrou na empresa em 20 anos de comercialização de algodão na nossa região”, afirma Rodrigues Filho.

Fibra de qualidade

“O melhor algodão da região do Cerrado será no máximo o do tipo 3, podendo até ser do tipo 4”, avalia Albuquerque. “Mundialmente há uma classificação de 1 até 7, só que aqui no Brasil, essa classificação vai de 1 a 4. O algodão de tipo 1, é justamente o colhido à mão e terá uma porcentagem insignificante de impurezas na pluma, como restos de folhas ou galhos das plantas. O que é justamente o contrário que ocorre quanto há a colheita mecanizada da lavoura, e aí só mesmo com um beneficiamento posterior para limpar essas sujeiras que ficaram no algodão”, destaca o pesquisador da Embrapa Algodão.

As cultivares são basicamente as mesmas implantadas em sistemas de produção em larga escala nos Cerrados. Diferente do algodão mocó, que pode render mais de uma safra, o herbáceo (Gossypium hirsutum L.) é semeado, colhido e depois eliminado, produzindo um ciclo mais curto e com características agronômicas superiores.

Testes laboratoriais com a produção vinda da agricultura familiar comprovaram a superioridade sobre os índices de referência de qualidade da fibra. De acordo com Albuquerque, para toda a comercialização é necessário esse exame laboratorial para apresentar ao comprador o tipo de fibra que está sendo adquirido.

Em termos gerais o algodão colhido destaca-se ser tipo superior, de 4,5 a 5,0 na classificação de fibra pelo HVI (sigla em inglês de High Volume Instrument, trata-se um aparelho utilizado para medir propriedades essenciais da fibra do algodão, importantes tanto para o mercado cotonicultor, quanto para as empresas têxteis). Isso significa uma qualidade intrínseca da fibra superior, especialmente a reflectância, a finura, a resistência e a alta capacidade de fiabilidade.

Aprendizado na prática

Para seu Vital o manejo da lavoura é “sem mistérios”, até porque, assim como o seu Rizeldo, Vital já conhecia a cultura do algodão quando começou a trabalhar na adolescência com o pai. Ele e a esposa conseguem lidar no pequeno sítio lá na Comunidade Pitombeira, em Sumé.

Já para o vizinho dele, José Valdemir de Souza, o algodão é a cultura que mais causa “preocupações” entre todas as outras que já lidou. “Assim que algodão brota você tem de estar de olho todo o dia, fazendo a vistoria na plantação, quando o pé chega numa certa altura há mais questões de devem ser vistas na lavoura”, explica o pequeno produtor.

No entanto, o trabalho de difusão dessa tecnologia pela Embrapa, os dias de campo em diversas propriedades, foram melhor explicando um tal passo a passo para o melhor manejo com a cultura do algodão. “Pela primeira vez, os pesquisadores da Embrapa saíram para fazer esse trabalho conosco. Geralmente eles ficam lá dentro da unidade, distante dos produtores, mas agora estão trabalhando junto com a gente e isso foi muito importante, pois estamos aprendendo mais com eles. Ver na prática todos esses passos foi a melhor forma de eu poder entender e aprender como deve ser cuidada a lavoura de algodão”, enfatiza Souza.

No sítio dele, também lá da Comunidade Pitombeira, são cinco hectares dispostos à produção. Junto com o algodão estão o milho, o feijão de corda, o gergelim, o amendoim e o jerimum. Seu José juntamente com a esposa e as quatro filhas, que estão se capacitando para a área agrícola, lidam com as lavouras.

Na safra de 2009 ele conseguiu colher um total de 294 quilos de um algodão de primeira qualidade e uma faixa de 12 quilos do de segunda. Entre as idas e vindas das capacitações técnicas, visitações a lavouras de algodão e dias de campo, não sobrou muito tempo para ele se ater tanto à própria lavoura. “Cerca de 100 quilos eu devo ter perdido sem colher, em função dessa correria toda. Meu resultado foi bom, mas poderia ter sido melhor”, afirma.

Lavoura a cores

Fardos cheios, vistosos e ainda com a possibilidade de diferentes tons de cor para atender a demanda da indústria. O branco já não é mais a cor característica da pluma. Assim como o melhoramento genético potencializou as características agronômicas da planta, a partir dele, também foi possível produzir variedades com tons de verde, marrom claro, rubi e safira.

É justamente com esse tipo de algodão que seu Rizeldo trabalha. Além da Embrapa, parcerias como a do Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (Coep), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro de Pequenas Empresas da Paraíba (Sebrae/PB), e de uma cooperativa de beneficiamento e industrialização têxtil, a Coopnatural, impulsionaram a produção da fibra em diversas regiões do Estado. Um benefício para a agricultura familiar que podia produzir bem, a partir da filosofia ‘agroecológica’ e ainda assim, ter um produto diferenciado – o algodão colorido.

Lá no Assentamento Margarida Maria Alves I, em Juarez Távora, seu Rizeldo e os demais produtores vizinhos dele cultivam a variedade de tom rubi e o branco, numa área coletiva de cerca de cinco ha. Cada qual também produz no próprio sítio também, e vendem tudo à Coopnatural. Rizeldo está na lida com o algodão agroecológico há quatro anos e atesta, é justamente o melhor jeito para se produzir a fibra na região. “Eu já produzi, logo quando começou o projeto de retomada do algodão por aqui. Não deu certo, perdi tudo. Com o algodão agroecológico há garantia de preço e venda, e foi melhor para a minha saúde e a para a saúde de minha família, que não trabalha mais com veneno”, declara o pequeno produtor.

Apoio empreendedor

Dentro desse sistema de produção, o Sebrae/PB percebeu que, incentivando mais os agricultores familiares da região, melhor seria o produto final, garantindo, assim, renda em todos os elos que surgiriam dentro dessa cadeia. A produção da pluma entrara em pauta na entidade entre os projetos desenvolvidos por ela. Inicialmente foi com o ‘Projeto Algodão Colorido – Confecções’ (2005 a 2007) que se firmou o apoio à produção local algodoeira. Logo depois, em 2008, novas diretrizes foram agregadas, e então foi instituído o projeto de “Arranjo Produtivo Local (APL) Algodão Naturalmente Colorido”. “A estratégia, que segue até 2012, se baseia em quatro focos principais: a cooperação, a gestão, a inovação e a comercialização”, explica a Jeanne Darc Nóbrega Quinho, analista do Sebrae/PB e que atualmente coordena o projeto. “Com ele, busca-se contribuir para o resgate da cultura da fibra no Estado da Paraíba, a partir do algodão naturalmente colorido. O público-alvo dessa iniciativa é formado basicamente por pequenos produtores rurais e seus familiares, grupos de artesãos e indústrias têxteis e de confecção. O objetivo principal é elevar a produção e a competitividade, visando a sustentabilidade socioeconômica e ambiental de toda a cadeia produtiva”, declara.

Reuniões técnicas e palestras com especialistas são promovidas no sentido de incentivar o produtor a estabelecer o manejo correto além de facilitar o elo entre o produtor e a indústria que irá beneficiar o produto.

Agregando mais valorização

Outro grande braço de apoio para a produção do algodão lá na Paraíba, surgiu de um dos pontos do “Programa Comunidades Semiárido: Construindo caminhos para a cidadania no Nordeste do Brasil”, desenvolvido pelo Coep. A entidade constitui-se de uma rede social de mobilização, criada em 1993. Atualmente ela congrega mais de 1.100 instituições em todo o País, entre entidades de classe e universidades.

O trabalho de incentivo à produção algodoeira beneficia atualmente 47 comunidades em sete Estados do Nordeste. O assentamento onde está seu Rizeldo é uma delas. Além de também ajudar no incentivo à área agrícola, a entidade vem promovendo o enriquecimento cultural, bem como a melhor estruturação lá no assentamento. “Ajudamos a instalar um telecentro para melhorar o aprendizado entre os moradores da comunidade, e foi interessante porque até acesso à Internet foi possível com esse benefício”, declara o coordernador do Coep, Marcos Carmona. Com o trabalho da comunidade foi possível instalar, lá mesmo no município, uma miniusina para o beneficiamento da fibra.

A ironia é que o acesso à rede mundial de computadores veio antes mesmo da linha telefônica. “Estávamos elaborando um projeto para instalação de um telefone, um orelhão, lá para a comunidade, por fim descobrimos que pelo número de pessoas não era o suficiente para isso. Foi justamente com a ideia do telecentro que se pode depois reinvindicar esse benefício lá para a comunidade”, lembra Carmona.

E foi justamente através dessa linha telefônica, o orelhão lá do assentamento, que a Revista Rural pode conhecer um pouco mais sobre a história de brasileiros, como a de Rizeldo Alves do Nascimento, que, apesar de tantas adversidades tem muita fibra, literalmente, para se produzir.

Fonte:
Rizeldo Alves do Nascimento, agricultor familiar de Juarez Távora (PB) [foto na pasta algodão colorido Sebrae, com o nome do produtor. Crédito: Divulgação/Coep]

“EU JÁ PRODUZI, LOGO QUANDO COMEÇOU O PROJETO DE RETOMADA DO ALGODÃO POR AQUI. NÃO DEU CERTO, PERDI TUDO. COM O ALGODÃO AGROECOLÓGICO HÁ GARANTIA DE PREÇO E VENDA”.

Fábio Aquino de Albuquerque, pesquisador da Embrapa Algodão [foto na pasta algodão agroecológico, com o nome dele –

Crédito: Divulgação/Embrapa Algodão]

“O MELHOR ALGODÃO DA REGIÃO DO CERRADO SERÁ NO MÁXIMO O DO TIPO 3, PODENDO ATÉ SER DO TIPO 4. MUNDIALMENTE HÁ UMA CLASSIFICAÇÃO DE 1 ATÉ 7, SÓ QUE AQUI NO BRASIL, ESSA CLASSIFICAÇÃO VAI DE 1 A 4. O ALGODÃO DE TIPO 1, É JUSTAMENTE O COLHIDO À MÃO”

Vital Rodrigues Filho, agricultor familiar de Sumé (PB) [foto pasta algodão agroecológico, com o nome do produtor; Crédito: Divulgação/Embrapa Algodão]
“FECHAMOS UM CONTRATO ANUAL COM UMA EMPRESA FRANCESA. (…) SEGUNDO ELA, FOI O MELHOR ALGODÃO QUE JÁ ENTROU NA EMPRESA EM 20 ANOS DE COMERCIALIZAÇÃO NA NOSSA REGIÃO”.

José Valdemir de Souza, agricultor familiar de Sumé (PB) [foto do produtor na pasta algodão agroecológico, com o nome dele, crédito: Divulgação/Embrapa]
“PELA PRIMEIRA VEZ, OS PESQUISADORES DA EMBRAPA SAÍRAM PARA FAZER ESSE TRABALHO CONOSCO. GERALMENTE ELES FICAM LÁ DENTRO DA UNIDADE, DISTANTE DOS PRODUTORES, MAS AGORA ESTÃO TRABALHANDO JUNTO COM A GENTE E ISSO FOI MUITO IMPORTANTE, POIS ESTAMOS APRENDENDO MAIS COM ELES. VER NA PRÁTICA TODOS ESSES PASSOS FOI A MELHOR FORMA DE EU PODER ENTENDER E APRENDER COMO DEVE SER CUIDADA A LAVOURA DE ALGODÃO”

Jeanne Darc Nóbrega Quinho, analista do Sebrae/PB

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