Pecuária

Balanço 2009 – Consumo de leite aumentou. Mas produtores esperavam melhor remuneração

Preço baixo do litro do leite pago aos pecuaristas leiteiros marca 2009 como ano fraco. Em contrapartida, apesar da crise econômica, foi registrado um aumento no consumo dos derivados, favorecendo a indústria que agrega valor ao produto primário “Podemos classificar 2009 como um ano ruim para o produtor de leite!”

Essa é a opinião de Aníbal Vercesi, diretor técnico da Associação Brasileira de Criadores de Girolando (ABCGIL). Este é o ponto de vista do produtor, que começou o ano recebendo muito pouco pelo litro do leite, com uma média nacional de R$ 0,59 e que, apesar de alta em julho e agosto que chegou a atingir R$ 0,77, terminou o ano em R$ 0,63. “Tem muito produtor que trabalhou em 2009 com custo acima do preço de venda”, comenta Jorge Rubez, presidente da Leite Brasil, associação que congrega os produtores de leite do País.

Os problemas se iniciaram em setembro de 2008, quando foi identificada uma alta produção derrubando os preços, que se mantiveram baixos por variados fatores, inclusive externos, deixando os pecuaristas com baixíssimas margens de lucro durante o ano e, em alguns casos, sem lucro. Como o preço varia em relação a época e região, o Brasil teve o litro mais bem pago em São Paulo, no mês de julho, quando foi pago R$ 0,81. Já o menor valor foi na Bahia, em janeiro, quando o produtor recebeu nada mais do que R$ 0,56 por litro.

Variações no preço mexem com o mercado rapidamente e é muito difícil de prever qualquer situação futura. O superintendente técnico da Associação dos Criadores de Gado Holandês de Minas Gerais (ACGH-MG), resume como foram os últimos anos do leite. “Em 2007 foi muito bom, podemos dizer que retirou o produtor do sufoco, ninguém esperava que fosse acontecer. Mas isso foi até 2008, quando em agosto o preço começou a declinar, passando a dar prejuízo no final do ano. Em março houve recuperação dos preços, assim como de costume, mas agora já está lá em baixo novamente”, exemplifica Cleocy Fam de Mendonça Júnior.

No Sítio Takehara, localizado em Jacareí, a 85 quilômetros da capital paulista, são produzidos 1.500 litros de leite tipo B por mês, e o alimento é destinado à cooperativa da região, que pagava, em novembro, R$ 0,87 por litro. Apesar de parecer um valor acima do praticado no País à época, não era, já que a proximidade com a capital paulista, maior consumidor de leite do Brasil, justifica os altos custos de produção (o Estado de São Paulo produz pouco mais de 2 milhões de litros, sendo que consome mais de 8 milhões anualmente). Os custos tornam os 87 centavos insuficientes para o produtor. “Os custos na fazenda estão altos e esse preço não contribui para terminarmos as contas no azul”, conclui Hissachi Takehara, proprietário do sítio.

Genética

Apesar das reclamações dos produtores, o mercado para quem trabalha com animais de elite se manteve em bom nível durante o período de baixa do leite. “Apesar da queda no preço do litro, os leilões se mantiveram aquecidos. Exemplo disso é a vaca Borg Brenda 525 vendida a preço recorde, 140 mil reais agora no final do ano”, lembra Cleocy Júnior.

Na Fazenda Morro Agudo, em Pindamonhangaba, também no interior de São Paulo, está sendo realizado um grande investimento em genética, com venda de matrizes, tourinhos e embriões. “Atualmente vendemos os tourinhos a seis mil reais, sendo que em 2009 comercializamos 10 e pretendemos duplicar no ano que vem”, afirma Guilherme de Lima Soares, veterinário responsável da fazenda. A duplicação deverá acontecer também com as fêmeas, já que foram concebidas 30 neste ano, mas para 2010 a ideia é atingir os 60 exemplares. A expansão na fazenda não é apenas em número de animais, mas em investimento na estrutura para abrigar o rebanho pretendido.

Problemas enfrentados

Apesar de criadores de animais de genética terem conseguido bons resultados, a maioria dos produtores de leite brasileiros passaram por momentos difíceis em 2009. Segundo o Presidente da Comissão Nacional de Pecuária Leiteira da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Alvim, falta apoio do governo para estocar a superprodução. “No segundo semestre de 2008 identificamos que tinha um milhão de litros de leite sendo ofertado no mercado interno e que precisaríamos estocar boa parte para não baixar o preço drasticamente”, explica Alvim. Com isso, a Confederação entrou com pedido no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a captação de R$ 500 milhões, para buscar recursos que seriam utilizados para estocar o leite excedente. Segundo Alvim, a liberação só foi concedida em janeiro de 2009, quando o leite já tinha sido vendido abaixo do preço de custo. “O Brasil precisa ter uma política que contribua com o produtor na hora que ele precisa. Caso esse valor fosse aprovado na época do pedido, poderíamos ter mantido o preço em alta e ainda ter reservado leite em pó para ser vendido aos poucos, trazendo lucratividade ao setor”, afirma. Segundo Alvim, o governo precisa focar no mercado externo, tornando o Brasil um país exportador. “Para isso, precisamos da contribuição do governo para estocar leite na época de excedente e assim termos estoque suficiente para o ano inteiro, porque hoje nós queremos exportar quando sobra, mas na época de seca não temos produto. O importador tem de ter a certeza que tem o produto quando precisa e não apenas em determinadas épocas”, conclui.

Mas este não é o único fator que o Brasil deve melhorar para incrementar a exportação. O fator “qualidade” é outro que entra em jogo, segundo Aníbal Vercesi, diretor técnico da ABCGIL. “O Brasil sofre com a falta de qualidade do leite e em menos de cinco anos não vamos mudar isso. Devemos trabalhar neste ponto cada vez mais para termos condições de competir com o leite uruguaio, porque nosso leite é mais barato e ecologicamente mais correto”, opina.

O diretor de lácteos do Grupo Bertin, Ronan Toniolo, compartilha da opinião e acredita que a qualidade do leite nacional ainda é deficitária. Segundo ele, dentro de uma mesma bacia leiteira se encontram diversas qualidades de leite, com significativas diferenças na quantidade de gordura, por exemplo. “Estimamos que apenas 30% do leite que adquirimos vêm de produtores profissionais, o restante vem de extratores de leite”, comenta.

Fim do superávit

A balança comercial brasileira sofreu com o mercado lácteo em 2009, já que em 2008 obteve superávit e passamos a ter déficit no ano passado. De janeiro a outubro de 2009, o Brasil exportou 57,6 mil toneladas de produtos lácteos, sendo 51,7% do volume exportado em 2008. A diferença em valores é ainda pior, devido a queda do dólar: de $ 431 milhões no ano retrasado para $ 131,2 milhões em 2009. O grande culpado é a desvalorização do dólar frente ao real, que tornou os produtos nacionais mais caros em relação aos dos nossos vizinhos importadores e, ao mesmo tempo, fez com que houvesse maior demanda sobre os produtos internacionais por aqui. Com isso, importamos 80% a mais que em 2008 (números referentes de janeiro a outubro).

Para se ter uma ideia da reviravolta que o Brasil tinha conquistado no mercado lácteo nos últimos anos, a balança comercial de 1998 mostrava um déficit de US$ 512 milhões. Já em 2008, tivemos superávit de US$ 556 milhões. Uma inversão superior a um bilhão de dólares em 10 anos.

Consumo Interno

Não são apenas aspectos externos que alteram rapidamente. Números de 1994 e de 1995 mostram aumento de 180% no consumo de iogurte no Brasil. Para o diretor de lácteos da Bertin, uma vez que a pessoa começa a consumir derivados lácteos, ela se acostuma e passa a incorporar o dia a dia e não deixa de adquiri-los, mesmo em épocas de crise. “O que pode acontecer é a pessoa mudar de marca, buscando um preço menor, mas não deixa o costume de consumir derivados de gordura animal e volta à gordura vegetal, por exemplo”. Pelo menos foi isso que o grupo Bertin pôde avaliar após a crise. Para Toniolo, o resultado da empresa em 2009, ano de crise mundial, quando teve incremento de 12% em volume e de 16% em faturamento, comprova que o brasileiro já se habituou a consumir iogurtes, requeijão e queijos.

O executivo da Bertin credita o aumento do consumo ao aumento de renda do brasileiro nos últimos quatro anos, quando a população passou a ter oportunidade de consumir derivados. Com isso, mesmo no ano de crise, o brasileiro não abriu mão desse produto. Para Toniolo, é “um caminho sem volta”!

Já para Rodrigo Alvim, da CNA, o brasileiro não prioriza os derivados do leite na hora do supermercado, retirando o produto em épocas de pouca estabilidade. “Produto lácteo é o primeiro a deixar o carrinho de compra da dona de casa, porque são produtos de valor agregado”, afirma. Números divulgados pela Tetra Pak Dairy Index – que acompanha os fatos, números e tendências mundiais da indústria de lácteos – mostram que a tendência de queda no consumo em países ricos não se concretizou, inclusive obteve aumento de 0,6% em 2009. “Com a crise, se imaginava que os derivados lácteos teriam queda nos países ricos, que historicamente já consomem os produtos, mas não foi isso que aconteceu”, aponta Rodrigo Alvim. Em países emergentes foram registradas diferentes taxas de aumento de consumo, como na China que registrou 13,4%, já que o País não tem a cultura de consumir o leite bovino, sendo o consumo per capita atual de 19 litros.

No Brasil, o aumento de derivados foi de 2,6% em relação a 2008, número considerado muito bom por Rodrigo Alvim, da CNA. “Esse porcentual foi ótimo levando em consideração a crise que enfrentamos no início do ano. O importante é a perspectiva para os próximos três anos, onde deveremos obter média anual de crescimento de 3%”, completa.
Independentemente do consumo dos derivados, é unânime entre os entrevistados que o Brasil ainda deva buscar aumento no consumo per capita, já que hoje são 140 litros de leite por pessoa ao ano, bem abaixo dos 200 litros na Argentina, e dos 180 litros indicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Temos muito a crescer internamente. O brasileiro não tem o costume de tomar tanto leite quanto é indicado pela OMS, 180 litros, ou pelo Ministério da Saúde, de 200 litros”, comenta Alvim.

2010 incerto

“Em março, o preço do litro do leite pago ao produtor deverá subir, mas ninguém faz ideia de quanto”, afirma o superintendente técnico da ACGH-MG. Os índices históricos mostram o aumento do preço na época de março até julho e agosto onde a curva começa a baixar novamente até o final de ano. Mas como o mercado externo influencia diretamente no preço do produto, ninguém quer dar palpite de preço. “Não dá para falar como será o preço no próximo ano devido a globalização do leite”, explica Aníbal Vercesi. Já para Cleocy Junior, o dólar em baixa e a alta oferta de leite em pó no triângulo do leite (Uruguai, Argentina e Nova Zelândia) fizeram com que s multinacionais, instaladas no Brasil, passassem a comprar leite estrangeiro, diminuindo o preço interno.

Para Rodrigo Alvim, o Brasil tem tudo para se tornar o maior produtor de leite no futuro, sendo que atualmente somos o sexto no ranking mundial, com 25.327 mil toneladas em 2007, perdendo para EUA, Índia, China, Rússia e Alemanha. Segundo ele, as características brasileiras são ótimas para a produção, basta ao governo ter políticas de exportação, com trabalhos voltados ao financiamento da estocagem de leite.

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