Pecuária

Leite: produtividade restaurada

Com um empurrão de institutos, pequenos produtores de leite no interior de São Paulo formaram uma associação, passaram a utilizar a genética e a irrigar o pasto. Ao final, multiplicaram os litros produzidos e o valor pago pelo leite. Imagine uma propriedade leiteira com 30 vacas rendendo 75 litros de leite diariamente.

Realmente parece loucura, mas há muitos pecuaristas que não trabalham com genética e não se preocupam com a alimentação oferecida aos animais, resultando em baixo rendimento. Na região de Itapeva, no interior de São Paulo, por exemplo, cerca de 600 produtores estavam nesta situação. Além de baixa produtividade, eles sofriam com a qualidade do leite e com os atravessadores.

Uma das propriedades descrita acima é o Sítio São José, localizado no Distrito de Coronel Macedo (SP), na região de Itapeva, que mantinha 30 vacas pastando, em 10 alqueires e vendendo o litro do leite a R$ 0,28. “Não dava lucro, a gente sobrevivia, mas não tinha renda suficiente para investir na propriedade, no rebanho”, lembra Pedro Geraldo Oliveira, o proprietário do sítio.

Oliveira não pretendia seguir com o trabalho na fazenda até o dia em que as perspectivas, inexistentes até então, começaram a melhorar. “Não pretendia trabalhar aqui na roça. Estava pensando em procurar emprego na cidade porque aqui não dava para tirar uma renda, no final do mês. Mas com a mudança de diversas práticas, começou a sobrar um pouquinho e vi que poderia melhorar a cada dia”, lembra.

As mudanças começaram por meio do Projeto de Desenvolvimento da Pecuária Leiteira do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo, que visa prioritariamente unir o pecuarista leiteiro em formato de associação, buscando excluir o atravessador e propiciando investimento de melhoria da qualidade e, consequentemente, aumentando a remuneração. “A principal intenção do projeto do Sebrae é manter o produtor na atividade, porque muitos estavam tirando 40 litros por dia, o que não chega nem a sustentar a atividade. Muitos estavam mudando de ramo”, explica Murilo Rodrigues, analista de projetos do Sebrae.

Início do projeto

Em 2006 os produtores começaram a receber as primeiras instruções, por meio de visitas técnicas, Dias de Campo e palestras. O primeiro passo foi coletar dados das propriedades como quantidade e tempo de parição dos animais, além de quantidade de litros de leite por vaca. “Uma vaca que dá 20 litros de leite em um dia pode ser pior do que a que deu 10 litros. O que realmente temos que reparar é a quantidade de leite durante o ano, porque algumas têm período de seca muito grande, apesar de produzir 20 litros em um dia”, comenta Rodrigues.

Como eles não trabalhavam com inseminação artificial e muitas vacas não tinham aptidão leiteira, algumas só traziam prejuízos ao negócio. “Lembro quando começamos a marcar a quantidade de leite que tirávamos de cada uma, e teve uma vaca produzindo 800 mililitros (ml). A minha esposa se recusou a marcar”, lembra Pedro Oliveira, do Sitio São Francisco.

Muitos produtores tinham apego aos animais, o que dificultou o descarte. Era necessário vender cerca de seis vacas para adquirir uma, o que dificultava ainda mais convencer o pecuarista. Outros problemas apontados no início do projeto era a intenção dos produtores de trabalhar com o gado de corte e leite. Apesar de produtores de leite, eles não descartavam os machos, o que traziam prejuízos por passar oito meses mamando quatro litros por dia. Somando o custo desses oito meses de leite, sendo R$ 0,58 (preço médio do litro em 2008), eram cerca de R$ 960 reais, sendo que não se pagava mais de R$ 400 por um animal sem raça.

Os produtores também tiveram de anotar todas as informações sobre sanidade, o que foi muito difícil, porque muitos nem chegavam a vacinar o gado. O passo seguinte foi juntar os produtores em cooperativas, para que pudessem vender o leite em conjunto, retirando o atravessador e tendo mais condições de negociar o preço com o laticínio. Além disso, unidos, os produtores poderiam realizar investimentos em infraestrutura e tecnificação das propriedades, já que teriam o crédito mais facilmente. Por último, os pecuaristas receberam apoio para análise de solo da propriedade, o que garantia um trabalho de pastagem mais intenso, buscando intensificar a produtividade e o manejo do gado.

O suporte técnico veio de trabalhos publicados pela Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora/MG), que indicam ao produtor a melhor forma de cuidar do pasto. O produtor deve determinar uma área para irrigar e adubar, formando piquetes com alto volume de massa verde para pasto. Cada propriedade tem suas características que variam a quantidade de piquetes e tamanho de cada um, além de fatores climáticos. Não há regra, mas o produtor Sebastião Neves Ariel, de Riversul (SP), utiliza dois hectares de terra para os 25 piquetes que possui, com capim, aveia e azevém, oferecendo nutrição a 11 vacas. Cada noite o rebanho é manejado em um piquete e depois de passar pelo último, volta a pastar no primeiro. Durante o dia, o animal recebe cana-de-açúcar picada com ureia, como suplementação.

O ideal é que cada piquete possa descansar em torno de 25 a 35 dias, dependendo da época de chuvas e da duração do sol. Já a lotação varia devido ao estabelecimento da forrageira, época do ano, adubação e irrigação de cada propriedade. Já a escolha do capim depende da área, se for de baixada e de meia-encosta, que apresenta boa fertilidade natural, pode-se utilizar espécies de maior fertilidade e qualidade, como capim-elefante e o croast-cross. Áreas de baixada, com encharcamento, recomenda-se espécies forrageiras e tolerantes a essas condições, como setária, capim-angola e canarana. Já em áreas de declive acentuado, com menor fertilidade natural ou de maior risco de erosão, deve-se escolher forrageiras mais rústicas, usando as braquiárias, que cobrem o solo rapidamente.

Com os dois pés atrás

No início, foi muito difícil do pecuarista acreditar no sistema de rotação de piquetes, porque não acreditava na irrigação de pasto. “Para o produtor que há anos fazia tudo da mesma forma, é complicado mudar o costume, ainda mais falando para irrigar capim”, comenta Rodrigues.

Logo nos primeiros meses de projeto, eram apenas 23 produtores interessados, hoje, são 70 só na cidade de Riversul (SP) a pioneira a entrar no projeto. Além dela, Itapeva e Itararé também participam com 46 e 54 produtores, respectivamente.
Com o manejo do pasto rotacionado, sobra área da propriedade para outras atividades ou para arrendamento, como é o caso de Teresa Bizam, proprietária do Sítio São Luiz. “Antigamente, eram 26 alqueires de pasto, que produzia 70 litros com 17 vacas, vendendo o litro a R$ 0,28. Hoje, são 12 alqueires de pasto, produzo 180 litros com 10 vacas e vendo o litro a R$ 0,69”, afirma a pecuarista. Dona Teresa foi uma das pioneiras a acreditar que entrando na Associação dos Produtores Rurais de Itararé e, unindo-se aos pecuaristas, teria resultados importantes para o negócio. Anos atrás o mercado pagava mais para quem tinha mais leite para vender, mas com a Associação, o preço é o mesmo para o pequeno e para o médio produtor. Atualmente, não são os produtores que vão vender o leite, mas as grandes empresas é que procuram a associação para comprar o produto.

Cada uma das cidades paulistas – Itararé, Itapeva e Riversul – têm uma associação de produtores, com diversos tanques de mil e 500 litros distribuídos pela região para facilitar o armazenamento e a coleta. O investimento foi em torno de R$ 250 mil, financiado junto às associações, o que seria inviável sem as entidades. Os tanques ficam nas propriedades dos pecuaristas, como é o caso de Sebastião Ariel, que é o responsável por um tanque de mil litros. “Como o tanque está aqui, tenho de verificar a qualidade do produto fazendo os testes básicos. Se der algum problema no leite lá na frente, a culpa cai em cima de mim”, explica o pecuarista. O exemplo do sítio de seu Sebastião, ilustra exatamente toda a mudança na vida dos pecuaristas leiteiros da região.

Há quatro anos, seu Sebastião tinha 15 vacas com a produção média de 4 litros/dia cada uma. Hoje, tem 11 vacas com média de 14 litros/dia, sendo que só usa dois hectares para os piquetes, dos nove que possui. O restante, além de arrendar, planta milho, cana e tremoço. Com o lucro resultante do aumento do preço do leite e da quantidade vendida, o produtor investiu na ordenha, mecanizando o sistema. Fez o fosso, adquiriu os bicos e ainda suplementa o gado com ração após a ordenha. “Tudo mudou. Antes, não tinha renda com as vacas, tinha mais vacas, elas comiam mais, em uma área maior e davam menos leite. Hoje, a produtividade do meu sitio é muito maior, tenho como investir na propriedade e ainda tirar um valor maior por mês”, sintetiza.

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