Pecuária

Criação: trato inicial garantido

Pesquisa desenvolve método econômico para a utilização do colostro – leite produzido após o parto – que antes era descartado. Imagine utilizar uma técnica simples, de fácil apropriação pelo pequeno produtor de leite e o mais importante, sem requer altos investimentos em insumos, instalações ou maquinários.

A médica veterinária e pesquisadora, Mara Helena Saalfeld, provou que isto era possível quando desenvolveu uma tecnologia para utilização de um subproduto da pecuária leiteira: o colostro (substância semelhante ao leite, produzido pela vaca desde o parto até o quinto dia pós-nascimento). “Sem valor comercial, ele é rejeitado pela indústria. Em comparação ao leite comum, apresenta cinco vezes mais proteínas para as terneiras (bezerras). Porém, o consumo é pouco e o excedente sempre é jogado fora”, diz Mara Saalfeld.

Há alguns anos, a pesquisadora da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ascar-RS/ Emater) saiu à procura de uma alternativa, de baixo custo ao produtor e, que utilizasse mais o colostro. “Li um artigo sobre produtores uruguaios que coletavam o colostro e armazenavam em latões abertos. Eles coletavam durante os quatro dias de produção e a cada ordenha acrescentavam mais colostro e homogeneizavam. A fermentação acontecia de forma aeróbica (em contato com o ar). E o produto era usado por cerca de 20 dias. No entanto, este tinha um cheiro muito ruim, provocava diarréia e alopecia (perda dos pelos) nos animais e apodrecia rapidamente”, comenta.

A pesquisadora decidiu prosseguir com o mesmo método, mas chegar à conclusão de sucesso. “Trocamos os latões por garrafas pets e ao fechá-las e armazená-las em um galpão, descobri que fazia a silagem de colostro [um processo de fermentação anaeróbica (sem a presença de ar), num recipiente de plástico, com transformação de lactose em ácido láctico e com Ph de 3,5]”.

No entanto, a experiência não foi tão simples assim. “Abrimos as garrafas e oferecemos as terneiras, que não quiseram beber por ter um sabor desconhecido e muito forte. Assim diluímos em igual quantidade de água e oferecemos novamente. Notamos que elas não beberam, pois o sabor era salgado e ácido, o que era necessário acostumá-las”, recorda.

Acrescentando a silagem de colostro aos poucos ao leite, em quatro dias as terneiras (bezerras) acostumaram com o sabor e passaram a beber a mistura. A experiência não só deu certo como também recebeu até o reconhecimento do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, edição 2007. “Recentemente estive em quatro países da Europa para divulgar o trabalho”, comenta. “O produtor que conhece a tecnologia passa a adotá-la e o leite que era destinado para a terneira passou a ser comercializado, o que torna economicamente viável. Outro fator é que cada vez que uma vaca dava cria, litros de colostros eram jogados fora”.

Segundo a médica veterinária Mara Saalfeld, alguns produtores de ovinos tem utilizado a silagem de colostro para suplementar cordeiros gemelares ou que perderam a mãe. Outro ganho com a silagem de colostro é com o meio ambiente. “Nas propriedades rurais não existe sistema de tratamento de esgoto. Assim o excedente do colostro ou vai para a esterqueira ou para o meio ambiente. Muitas vezes é desprezado nos fundos de galpões e acaba escorrendo para açudes, córregos e rios. Sendo o leite um dos melhores meios de cultura para micro-organismos há uma proliferação de insetos, baratas, entre outros”, conclui.

Produto Valioso

Segundo Mara Saalfeld, um produtor precisa de no mínimo 200 litros de leite para criar uma “terneira” corretamente. O que representa um impacto de R$ 120,00 por animal. “Até dar a primeira cria, a novilha apresenta um dispendioso investimento”, avalia. “Neste período, a terneira necessita, em média de 4,5 litros de leite por dia para um completo desenvolvimento, o que obriga o criador a deixar de comercializar parte da produção diária para atender a essa demanda”, diz.

Na opinião da médica veterinária Lílian Pereira e professora do Conjunto Agrotécnico Visconde da Graça (Cavg) de Pelotas (RS), a utilização da silagem de colostro representa uma economia para o produtor de leite. “Serão 200 litros a mais para produção de leite comercial e subprodutos, que contribui para a renda final deste produtor. Cientificamente ainda não há nada comprovado da eficiência da silagem de colostro, mas em comparação aos outros derivados que substitui o leite neste período, o desenvolvimento das bezerras é melhor. Existem casos, onde é necessário que o animal tome o colostro, até mais de 60 dias, e a silagem veio contribuir para isto. Com a redução do uso do colostro, muitos produtores passaram até a criar os bezerros na propriedade, que dentro de uma criação de pecuária leiteira é normalmente descartado, agregando nova opção de renda, com produção de novilho”, comenta a veterinária Lílian Pereira, que ensina aos alunos da Cavg, a importância deste trabalho.

Milhões de litros de colostro são desprezados diariamente e este colostro poderia ser usado como fonte riquíssima de nutrientes para as bezerras. O colostro tem mais proteínas, minerais, gorduras e vitaminas do que o leite. Enquanto o leite tem em média 3% de proteína, o colostro do dia do parto tem 14% de proteína. No segundo dia após o parto, a proteína baixa para cerca de 8%, e no terceiro dia fica em torno de 5%, valores ainda significativos se comparados ao leite.

O produtor Claudino Renato Raichow há seis anos faz a silagem de colostro. Ele afirma que com a economia obtida com a silagem está conseguindo pagar a metade da parcela anual do Pronaf-Investimento, que contratou para construção de salas de ordenha. “Obtivemos o valor de R$ 100 reais a mais com o uso da tecnologia. O rendimento do colostro é dobrado, o que uma vaca produz 45 litros de leite, dobramos este número para 90 litros e o que possibilita também dar as terneiras, o colostro por muito mais tempo. Sem dúvida, elas se desenvolvem bem melhor”, conta o produtor.

Novos estudos estão sendo elaborados, como determinar o tempo de fermentação necessário para a silagem de colostro ficar pronta. “O parâmetro que usávamos eram os 21 dias de silagem de milho. Com este trabalho ficou determinado que em sete dias a silagem de colostro está pronta para consumo. Em ambientes com maior luminosidade e maior calor, em quatro dias está pronta para consumo”, menciona a pesquisadora responsável.

“Outra pesquisa é sobre a resistência de microorganismos na silagem de colostro após a fermentação. Constatamos que após sete dias não existem bactérias patogênicas na mistura. Outras constatações é que o consumo da silagem de colostro por ser ácido torna o ambiente gástrico mais resistente à infecção de bactérias”, avalia Mara Saalfeld.

Como produzir

Tendo boa disponibilidade e fácil armazenamento, o colostro é engarrafado e fermentado por 30 dias em temperatura ambiente – sem a incidência de sol. A silagem pode ser armazenada por tempo indeterminado até a sua utilização.

Como fazer

1) Coloque o colostro excedente em garrafas pets limpas:
2) Encher a garrafa até a boca, tampando-a devidamente, garantindo ausência total de ar, o que permitirá uma fermentação correta;
3) Guarde as garrafas em local limpo, fresco e sombreado;
4) Com os novos estudos, entre 07 a 21 dias de fermentação, a mistura estará pronto para ser utilizado como substituto do leite. O odor deve ser semelhante a queijo com sabor ácido e levemente salgado. O aspecto da silagem pode ser homogêneo ou separado em partes de acordo com o dia coletado. (Utilizar o colostro coletado no primeiro e segundo dia para alimentar bezerras até 35 dias e colostro coletado no terceiro e quarto dia para bezerras após 35 dias).

Como usar

1) Misturar uma porção de silagem de colostro a uma igual quantidade de água morna (50ºC);
2) Misturar bem, colocar no balde ou mamadeira para oferecer à bezerra;
3) Acostumar a bezerra ao sabor da silagem de colostro adicionando a mistura, aos poucos, ao leite (1º dia, 25% da mistura, mais leite – 2º dia, 50% da mistura mais leite – 3º dia, 75% da mistura mais leite e 4º dia, em diante somente a mistura).

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