Negócios

Crise financeira: campo minado

No início da crise financeira mundial, muitos palpites sugeriam que o Brasil seria uma ilha e não sofreríamos conseqüências. Quando o brasileiro passou a perceber que a afirmação não se sustentava, passaram a dizer que o agronegócio não seria afetado já que a alimentação é a última despesa a ser cortada. E por último, tentaram levantar a bandeira de que a agricultura seria o último setor a sentir os efeitos da crise, porque os ciclos do setor são longos.

Quem trabalha no campo sabe que as afirmações não se sustentaram e a agricultura brasileira já está com grandes problemas. “Com o crédito mais difícil o sistema parou”, avalia o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, sobre a situação de Mato Grosso. Mas a frase poderia servir para outras regiões que também não conseguem obter crédito.

Até mesmo antes de a crise financeira mundial ter início, a agricultura já sofria com os preços dos insumos, que estavam 100% mais caros dos praticados em 2007. Quem comprou nesta época acabou duplicando os custos. “Nós plantamos a safra mais cara da história”, afirma o Presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho da Silva. Com os passar dos meses os preços mundiais dos insumos chegaram a diminuir, mas o dólar iniciou a elevação em relação ao real, o que manteve o alto custo de produção no Brasil.

Nesta época, a crise financeira global já aterrorizava todos os setores da economia. As tradings –empresas que costumeiramente compram parte da lavoura antecipadamente – deixaram de atuar no mercado e, sem dinheiro, alguns agricultores passaram a vender parte da safra 2009 para as revendas de insumos. Caso contrário, muitos não teriam como plantá-la.

A ausência das tradings nas negociações reduziu radicalmente o potencial financeiro dos produtores. Para se ter uma idéia, a Vanguarda do Brasil, uma das maiores produtoras de grãos do País, está com apenas 25% da lavoura travada –termo usado para separar a parcela da lavoura já comercializada – enquanto no mesmo período do ano passado tinha mais de 50%. Segundo o Presidente da Comissão de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Schreiner historicamente as traidings financiam cerca de 45% da safra e este ano esse número não chega a 15%. Para o produtor de soja de Rondonópolis (MT), João Carlos Diel, a situação se repete. “As traidings sempre me financiaram, mas neste ano tive que usar recursos próprios para plantar a soja”, afirma.

Muitos produtores acabaram diminuindo a tecnologia empregada na lavoura, comprando menos adubo, menos herbicida, entre outros produtos, o que deverá resultar em menor produtividade. “Ano passado eu coloquei entre 450 e 500 kg de adubo por hectare, esse ano ficou entre 280 e 350 kg. Isso me trará um impacto na produtividade, mas plantei com o que foi possível”, explica o produtor de soja de Rondonópolis.

Neste cenário, os agricultores estavam plantando e vendo os preços das commodities caírem. Muitos estavam com lavoura de baixa produtividade, sem crédito e sem esperança. Mas ainda tinha mais um problema que rondava a mente dos agricultores: uma parcela de R$ 1 bilhão do financiamento das máquinas agrícolas, em 15 de outubro.

Sem crédito dos bancos e das tradings, os agricultores não tiveram condição de arcar com o vencimento e 70% deles ficaram inadimplentes, segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso (Famato).

Sem receber, as instituições financeiras passaram a tomar as máquinas nas fazendas o que causou muito descontentamento do setor agrícola “O que os bancos estão fazendo são contra os próprios interesses, porque sem máquina não há condições dos agricultores plantar o final da safra e sem plantar eles não terão como pagar”, explica Carlos Eduardo Tavarez, superintendente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Na época, a cultura de soja já tinha sido plantada, mas ainda faltava a plantação de culturas como o algodão e o milho.

Com a ação dos bancos, o governo exigiu que a dívida fosse arrastada até 30 de dezembro na tentativa dos agricultores conseguirem crédito até lá. “Se o agricultor não tem dinheiro hoje, não terá também nos últimos dias do ano”, opina o produtor de soja de Rondonópolis, João Carlos Diel, que também não pagou a parcela do maquinário de outubro. “Os bancos estão segurando o crédito, a situação está caótica, as lavouras vendidas para as revendas de insumo, commodities baixas e os produtores com nome protestado no Serasa como mal pagador. Qual banco irá emprestar dinheiro?”, pergunta o produtor.

O preço da commodity da soja, que era de 16 dólares no meio do ano, chegou a casa dos nove dólares em novembro. O mais desesperador é que historicamente o final do ano apresenta o pico dos preços devido à entressafra. Mesmo assim o Vice-Presidente da Vanguarda do Brasil, Leonardo Slhessarenko, declarou esperar um aumento nos preços no próximo ano. “Mas a gente espera que o preço suba”, disse. Ao ser perguntado sobre a esperança do preço subir na época da safra ao invés de descer, como normalmente acontece, respondeu: “não tem nada garantido, é a gente que é otimista mesmo. Na verdade, nós estamos muito apreensivos”.

Com os custos em alta e os preços em baixa, a diminuição dos custos é a primeira alternativa que os produtores procuram. “Tivemos uma redução no pessoal para tornar a companhia viável. Neste momento a criatividade entra forte, temos que cortar custos, mas com responsabilidade”, afirma o Vice-Presidente da Vanguarda do Brasil. E a prática não é exclusiva de grandes corporações. João Diel, de Rondonópolis, também teve que diminuir a folha de pagamento. “Fui obrigado a reduzir o número de funcionários fixos. De 13 para oito. Estou economizando em outros setores da fazenda também, como o diesel para cortar os custos até que venha a plantação e a venda dos grãos”, afirma.

Preços baixos, custos altos

Mesmo com os preços em baixa, não há interessados em comprar. Para os produtores não sofrerem com preços irrisórios que podem vir quando a safra começar a ser colhida e os produtores serem obrigados a vender os grãos por falta de armazém, o Ministro da Agricultura garantiu a atuação do governo no momento de venda da safra. “O governo vai usar todos os instrumentos para facilitar a comercialização. Compraremos a preços mínimos e, se preciso, formaremos estoques. Faremos o possível para possibilitar que a agricultura continue rodando”, explica Reinhold Stephanes. Mas para o integrante da CNA, José Schreiner, os preços estipulados pelo governo não atendem aos custos. “Não adianta apoiar a comercialização. Muitas vezes os custos superam os preços mínimos do governo. O mais importante é disponibilidade de recursos para o produtor”, afirma. Para ele, há produtores que não têm condições financeiras de controlar pragas durante o crescimento da lavoura. “Se um agricultor precisar de defensivos e não tiver como comprá-los, por cerca de 0,5% do valor total da lavoura ele pode perder uma quantidade muito significativa da produção”, explica Schreiner.

O governo já tomou diversas medidas tentando atenuar o problema de crédito. Ao todo, foram liberados 13 bilhões de reais em 2008 através do Banco do Brasil e da Poupança Rural. “Mas esse dinheiro não chegou aos produtores”, reclama José Schreiner. Além desse montante, no final de novembro o governo anunciou a disponibilidade de mais R$ 1 bilhão à agricultura. “Um milhão não resolve o problema. No mínimo, a agricultura necessita de R$ 4 bilhões”, analisa Schreiner.

Plantação Safra e Safrinha

“A queda da área plantada da soja será de 2 a 3%, do milho deverá ficar entre 10 e 12% e do algodão por volta de 15%”, explica Schreiner. Segundo ele, os agricultores escolheram diminuir o milho e o algodão porque a soja tem mais saída para exportação e o dólar alto pode compensar todos os problemas enfrentados pelos agricultores brasileiros. Mesmo assim houve diminuição na área porque muitos produtores preferiram manter a tecnologia e diminuir a área plantada.

E quem priorizou a soja pode ter se dado muito bem. “Há um excedente de milho no mercado. Esperávamos que o Brasil fosse exportar 10 mil toneladas de milho, mas não vamos chegar nem a cinco mil”, afirma o superintendente da Conab, Carlos Eduardo Tavares. Segundo ele, um dos problemas que o milho brasileiro sofrerá será a forte concorrência com o milho norte-americano, já que a baixa no preço do petróleo deverá deixar o milho, usado para a produção de etanol nos EUA, sobrar no mercado externo.

A safrinha 2009 poderá ser muito menor que a 2008. Segundo o integrante da CNA, José Schreiner, teremos uma redução da safrinha de 30% para o próximo ano. Para o Vice-Presidente da Vanguarda do Brasil, Leonardo Slhessarenko, disse que ainda não sabem se vão plantar a safrinha.

Com diminuição da área plantada, a certeza de menor produtividade devido à baixa tecnologia empregada no campo e a incerteza da safrinha, a safra brasileira deverá reduzir drasticamente, apesar dos dados da Conab indicarem uma redução de 1,4% em relação à safra passada (143,8 milhões de toneladas contra a perspectiva de 141,8 milhões de toneladas para 2009). Os números da Conab ainda sofrerão reajuste e a estimativa é que caia mais um pouco. Apesar disso, não há risco em produzirmos abaixo das nossas necessidades de consumo. “Mas não há nenhuma dúvida que o Brasil será abastecido normalmente, sem faltar alimento”, assegura Schreiner.

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