Negócios

Crise financeira: boi sofre menos

Em termos de exportação, o País ainda respira aliviado, pelo menos com os números de outubro, com a totalização de US$ 6,662 bilhões que representa um crescimento de 9,8% sobre o resultado de 2007. As carnes foram responsáveis por 31,4% desse crescimento, seguida pelo complexo sucroalcooleiro com 40,5%. Fumo e derivados com 56,2%, e o café com 29,7%.

Os números parecem animadores, mas o País deve enfrentar para os próximos dois anos os impactos de um mundo em recessão, por conta dessa crise financeira mundial. “Acho que ninguém, em nenhum lugar do mundo, em nenhuma atividade vai deixar de sofrer com os impactos da crise”, alerta Vicente Ferraz, diretor técnico da AgraFNP (empresa de consultoria e análises do agronegócio do País).

Segundo ele, a razão disso está na própria característica dessa crise. Por ser muito grande – atingindo diversos bancos e a disponibilidade de crédito em países considerados de economia sólida – e ampla – por também comprometer a saúde financeira de demais países. “Mas eu acho que especificamente para a bovinocultura de corte, aqui no Brasil, esse impacto será relativamente menor do que em outros setores do próprio setor agropecuário, e muito menos em outros setores da economia que trabalham com produtos mais supérfluos”, analisa Ferraz.

O problema para a pecuária poderá se mostrar mais adiante, com uma demanda menor, menos dinheiro para se gastar, menor consumo, aumento de nível de desemprego, projeções que são passíveis de ocorrer em todo o mundo, segundo o especialista. “Essa é uma crise subseqüente à crise financeira. Ela é de cunho econômico, que atinge a economia real, a produção de bens e serviços, propriamente dita, e essa está começando a se manifestar, e essa, infelizmente, deve ter uma duração longa”. Não há meios que possam indiciar por quanto tempo, mas pelo menos uns dois anos ela deve durar, segundo Ferraz.

A pecuária não sofrerá tanto porque há restrição de oferta atualmente. O rebanho brasileiro vem se recompondo das perdas que teve com o abate de fêmeas de anos anteriores. “Se estivéssemos num ciclo de pecuária baixo, com muita oferta, e tivéssemos essa crise, aí sim seria uma catástrofe para o setor”, aponta.

De olho no mercado

Na tentativa de antever as conseqüências que podem ocorrer no setor, que medidas cabíveis poderiam ser adotadas para auxiliar o produtor nessa hora, o Fórum Permanente da Pecuária de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), tem acompanhado os números bem de perto para identificar essas respostas. “O que temos acompanhado até agora está normal, sobre as exportações, o mercado interno está comprador ainda”, declara Antônio Nogueira, que preside esse fórum, além de presidir o Sindicato de Pecuaristas de Gado de Corte (Sindipec). Para ele, os efeitos dessa crise também devem ser mais amenos na pecuária. “Geralmente o último a sentir os efeitos da crise, são os setores de produção de proteína e alimentos, porque é o último que o consumidor começa a cortar”, afirma Nogueira.

Efeito em cadeia

Em primeira instância, segundo o representante da pecuária de corte da CNA, a crise pode ser ligações com a alta nos custos de produção, conseqüentemente em reformas de pastagem e menor uso de tecnologia na fazenda. “Com essa diminuição a produção segue o mesmo caminho, e conseqüentemente a produtividade. Depois a crise deve afetar o consumo”, observa Nogueira. Com o consumo menor, a oferta de carne tende a aumentar e o preço fica menor, o que implica numa redução de lucros no setor.

Em relação aos insumos, há incertezas se eles poderão subir ou não. Atualmente a arroba do boi está em alta, e os insumos também. Em algumas regiões, eles chegam a ultrapassar o valor da arroba do boi. No entanto, essa crise pode repercutir nesse mercado, baixando os preços dos insumos pela diminuição da compra por parte dos produtores com o corte de gastos na produção. “Isso são conjecturas que a gente vai ter de acompanhar com as informações do próprio mercado”, diz Nogueira.

Entre as medidas para conter um quadro de alta no custo de produção, segundo Antônio Nogueira, está a diminuição do PIS/COFINS que incide sobre a ração e o sal mineral, e o fim do imposto de importação e exportação sobre o couro. “Estamos buscando tentativas para minimizar os custos de produção desse produtor para aumentar a renda dele”.

De olho nos custos

Com um possível esfriamento no consumo, e sem deixar de lado a qualidade do que tem de se produzir, o pecuarista deverá se pautar pela eliminação de qualquer desperdício, de acordo com Silvio Lazzarini, diretor geral da Lazzarini Carnes Especiais. O empresário já presidiu a Associação Brasileira dos Criadores de Gado e foi membro do Conselho Nacional da Pecuária de Corte. “Houve uma forte onda nos preços da arroba do boi gordo, vai ter uma retração de preços inevitavelmente. (…) É evidente que vai ter uma retração em vendas no mundo. Tem o desemprego, ele vai gerar menor consumo. O menor consumo afetará a renda afeta e com a economia como um todo”, descreve.

Para Lazzarini, ninguém sai de uma crise se não trabalhar muito e forte. Não se poderá esperar nada do governo, o produtor tem de olhar para a produção dele e apertar os cintos com o corte de gastos. “Efetivamente tem setores que vão sofrer mais, como o setor de tratores, máquinas e equipamentos que vinham numa evolução muito grande e vão sofrer uma determinada retração, mas no geral, no contexto dos alimentos, isso não vai ocorrer”, acredita Lazzarini.

Mercado da carne

Foi pela falta de crédito e pagamento que o grupo Estrela Alimentos demitiu 700 trabalhadores de sua unidade frigorífica em Estrela D’Oeste (SP), no mês de novembro. Esse foi o lado mais extremo que essa crise trouxe para a economia do País no setor de carne, desde então. Fora desse enredo de perdas, a Marfrig Frigoríficos e Comércio de Alimentos se vê fora dos efeitos dessa crise pelo fato do grupo trabalhar com um maior número de mercados possível de exportação, além de ter uma participação muito grande no mercado interno, com uma produção de carnes nobres. “Quando a crise acontece, quem está suscetível a ela na certa vai sofrer com ela”, declara Luciano Andrade, gerente de Pecuária do Grupo Marfrig. “A crise abalou o mundo, abalou outros mercados, mas outros se mantiveram abertos e por isso nós não sentimos o efeito dessa crise”, afirma.

É na manutenção do padrão de qualidade de carne que o grupo tem se pautado até o momento – que é uma das bandeiras do grupo pela valorização da carne produzida, e que, segundo Andrade, é um dos diferenciais que deixa a empresa longe dessa crise. “Tivemos, anteriormente um problema com Sisbov [Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos], há seis meses, com o corte das fazendas, e foi um problema das próprias fazendas, daí tivemos um problema com a exportação”, lembra. Na época, muitas fazendas tiveram a autorização de exportação cancelada pelo governo federal, por não seguirem as normas do Sisbov.

As vantagens sobre a crise

Taxa de juros elevadas e a manutenção de uma política monetária bem restritiva – fatores que atraem investidores ao País – são, de acordo com Silvio Lazzarini, pontos fortes para que o Brasil atenue os efeitos dessa crise. Outro ponto favorável é o crescente mercado interno no País, isso poderia influenciar melhor as vendas com um trabalho voltado a atendê-lo.
“O Brasil tem uma vocação para não entender bem quais as vantagens que ele poder tirar de uma crise”, analisa Lazzarini.

Segundo o empresário, esse momento é importante que o País busque acordos bilaterais. “O Brasil precisa da China nesse momento e a China do Brasil. A China precisa comprar grãos, e o Brasil precisa vender grãos, se o Brasil entrar nesse posicionamento, as carnes, o complexo carne, envolvido aí o bovino, suínos, caprinos, ovinos, vai sair com vantagens da crise”.

Para Vicente Ferraz, diretor técnico da AgraFNP, vê na desvalorização do real perante ao dólar, o estímulo necessário às exportações – outro ponto importante. Mas ele lembra que esse efeito servirá apenas para cobrir os gastos, podendo não ser suficiente para isso, mas que, ao final, o saldo pode ser positivo.

A bovinocultura de corte tem uma característica benéfica para o Brasil diante desse quadro da crise. Ela exige muito tempo para se produzir o que se espera dela. De acordo com o Ferraz, o protecionismo de certos países seria um entrave para a exportação. Essa opção se faz para privilegiar os produtos internos e assim conter o desemprego. No entanto, essa atitude não caberia a uma atividade como a de criação de gado para produção de carne. “Como ela exige um tempo maior, até o rebanho se tornar produtivo, e se chegar – e quanto chegar – a ser produtivo, essa crise possivelmente deve ter acabado, e aí esse país terá em mãos um rebanho sem qualidade para competir no mercado internacional, e por isso eu acho que nenhum país deverá adotar essa medida”, explica Ferraz. A pecuária de corte brasileira consegue ser mais competitiva em termos de custo de produção, ela tem uma vocação mais forte que outros países, que além do tempo que teriam para produzir, amargariam com os custos de produção e a não vocação para formar um rebanho de qualidade.

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