Agricultura

CIGARRINHA: INIMIGA DA PRODUTIVIDADE

Há um bom tempo infestações de cigarrinhas vem comprometendo a produtividade e a qualidade dos canaviais em todas as principais regiões produtoras do país. Várias medidas podem ser tomadas no combate a esta praga, dependendo da região, condições ambientais e do tamanho do estrago causado na plantação. A proibição à queima da palha em São Paulo vem ampliando a preocupação com o controle destes insetos.

A restrição gradativa à queima da palha da cana-de-açúcar durante a colheita, determinada por lei estadual, teve como efeito imediato a redução do monóxido de carbono liberado na atmosfera, um alívio considerável para o ambiente e para a saúde das pessoas que vivem nos 350 municípios canavieiros do Estado de São Paulo. Mas a mudança no sistema de colheita, com a conseqüente adoção da mecanização do corte, permitiu a proliferação de novas pragas para a cultura de cana-de-açúcar, como a cigarrinha-da-raiz e a cigarrinha-da-folhas.

Sem a queima, que também mata os insetos, essas cigarrinhas encontram um ambiente favorável para viver no material orgânico acumulado no solo. Os estragos causados por esse pequeno inseto, que mede cerca de um centímetro são devastadores para a maior e mais importante cultura agroindustrial do Estado.

O ciclo de vida da cigarrinha começa com o início do período chuvoso. Os ovos enterrados no solo dão origem às ninfas, que vivem em torno de 50 a 60 dias. Logo ao sair dos ovos, as ninfas caminham até a base da cana e se envolvem por uma espuma produzidas por elas, para proteção, enquanto sugam a seiva da planta para se alimentar até a fase adulta, quando voam, acasalam e geram novos ovos. Os adultos causam prejuízos ao injetar toxinas nas folhas, interferindo na capacidade de fotossíntese da planta. As perdas chegam a 60% no campo, sem contar os prejuízos na produção industrial, devido à redução do teor de sacarose da cana. O ataque, que chega até a terceira geração, só termina quando começa o período mais seco. A partir dessa época a cigarrinha coloca os ovos no solo, que ficarão esperando a umidade de um novo período chuvoso, quando, então, se iniciará uma nova colônia.

O prazo estabelecido em lei para eliminar totalmente as queimadas na colheita da cana paulista é o ano de 2020. Embora ainda distante, os produtores já se antecipam em encontrar as variedades mais propícias ao plantio para a colheita mecanizada e mais resistentes às novas pragas que estão surgindo.

O combate da cigarrinha pode ser feito por tratamento químico, controle biológico ou por afastamento da palha da cana. O sucesso de cada um deles depende da região e das condições da propriedade. Nagib Taiar Neto, coordenador de Produção Agrícola da Usina Colorado, de Guaíra, explica que lá apenas o controle químico é bem-sucedido. O biológico, com fungos que atacam a cigarrinha desde a fase de ninfa até a adulta, não deu resultados e a hipótese de afastamento da palha do solo foi descartada, porque na região, de clima seco e quente, ela protege o solo do sol e reduz a perda de umidade.

Outro problema da retirada da palha é a grande quantidade. Segundo Taiar Neto, cada hectare gera em média 15 toneladas de palha. “Dadas as atuais circunstâncias, será difícil erradicar essa praga, mas é possível controlá-la com todas as ferramentas disponíveis”, afirma. A usina foi uma das primeiras a registrar o surgimento da praga, em 98. Segundo Taiar Neto, mais de 60% da área em que a colheita é mecânica mostra níveis preocupantes de infestação todos os anos. “É um efeito indesejado da nova tecnologia”, diz.

De acordo com Leila Luci Dinardo Miranda, diretora do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro de Cana do IAC, não há uma única solução para o problema. “As pesquisas precisam ser constantes”. Na Usina Colorado, a experiência mostrou que o combate químico é o de maior sucesso, mas é também mais caro. Para aumentar a eficiência desse controle e reduzir custos, a empresa optou por otimizar o manejo dos produtos.

“Se não for controlada, a cigarrinha pode reduzir entre 30% e 40% a produtividade”, diz Taiar Neto. Ele acrescenta que os técnicos fazem o controle para descobrir o melhor momento da aplicação química, evitando desperdício e prejuízos.

Em São Paulo, os níveis de infestação da cigarrinha variam conforme a variedade da cana, mas todas estão sujeitas aos ataques e às consequentes perdas de produção. A pesquisadora conta que os programas de combate ao inseto surgiram há cinco anos. “Nesse período obtivemos bons avanços”. Ela ressalva, porém, que algumas áreas no Estado precisam ser mais bem estudadas, como a região norte. A praga está presente nas lavouras desde a década de 70. Só que a queimada da cana matava os ovos que eram colocados na palha e na superfície do solo, combatendo eficazmente a cigarrinha. “Era uma praga sem importância econômica”, diz a pesquisadora. Com a colheita mecânica, os ovos encontram lugar ideal para se multiplicar.

Colheita da palha pode compensar

A colheita do palhiço e da cana por meio de uma mesma colhedora, pode tornar viável a medida como forma de controlar o ataque de inimigos como a cigarrinha. Quem diz isto é o professor Tomaz Caetano Ripoli, pesquisador da Esalq/USP, que realizou um estudo para verificar qual é a maneira mais econômica e eficaz para o recolhimento do palhiço. “No começo ainda vai haver resistência, mas a tendência é ocorrer uma aceitação da colheita integral da cana devido às vantagens desse sistema”, ressalta.

A convicção do pesquisador se baseia em dez meses de trabalho, que envolveu a atuação de vinte pesquisadores e técnicos. Foram analisadas 151 variáveis em três sistemas: colheita integral, enfardamento e recolhimento a granel. O sistema integral se apresentou como o mais vantajoso sob o aspecto econômico-financeiro: enquanto o seu custo é de R$ 5,25 (R$/EBP, que é o custo efetivo em Equivalente Barril de Petróleo), o de enfardamento ficou em R$ 10,82 e o recolhimento a granel em R$ 13,61. A colheita integral apresentou, também, uma melhor eficiência energética, que ficou em 98,5%, seguida pelo recolhimento a granel, que é de 98% e o de enfardamento, que alcançou apenas 83%.

Para ele, a economia da colheita integral poderá se estender para a colhedora que deverá ter, nesse sistema, gastos mais reduzidos com a manutenção. É que a máquina opera, na colheita integral, com exaustores e ventiladores desligados, o que diminui significativamente a quantidade de rebolo estraçalhado, porém aumenta a quantidade de impurezas minerais. A pesquisa constatou o carregamento de 1,39% de terra na colheita integral, de 0,63% no enfardamento e de 4,50% no recolhimento a granel. Aliás, a adoção do sistema integral exige a instalação de uma estação de pré limpeza na usina. Apesar da estação ter um custo aproximado de R$ 1,5 milhão, o pesquisador está convencido de que a economia e os benefícios desse sistema compensam os investimentos.

Importante agir na hora certa

Uma questão importante é definir qual a densidade populacional de cigarrinhas acima da qual deve-se tomar medidas de controle, sejam elas químicas ou biológicas. Esse valor, chamado em entomologia de nível de controle (NC), é sempre inferior ao nível de dano econômico (NDE), que, por definição, é a densidade populacional da praga na qual ela causa prejuízo à cultura semelhante ao custo de adoção de uma medida de controle.

Por considerar custos (dos insumos, das aplicações, da cana, do açúcar, do álcool etc), o NDE não é um valor fixo, constante. Ele é variável de um ano agrícola para outro, visto que os preços dos insumos e produtos flutuam, assim como a época de colheita, a renovação de variedades e outros fatores. Quanto mais suscetível a variedade, mais baixo é o NDE, pois sob mesma infestação da praga, ela sofre maior dano que uma variedade menos suscetível. Por outro lado, vários estudos mostram que determinada variedade sofre maiores danos quanto mais tarde se dá sua colheita. Portanto, o NDE é menor para colheitas de final de safra do que de início. Para as situações em que se pode adotar medidas e/ou produtos mais baratos, o NDE é mais baixo do que para aquelas nas quais se adotam medidas e/ou produtos mais caros.

Há cinco ou seis anos, quando a cigarrinha da cana-de-açúcar ainda era um problema recente, em áreas de cana crua em São Paulo vários índices foram adotados com base nos poucos dados disponíveis até então. Algumas pessoas chegaram a sugerir que o NDE estaria ao redor de 20 insetos por metro de sulco, valor que, sabe-se hoje, é elevado demais.

Alguns ensaios conduzidos pelo IAC e a Usina Colorado revelaram que os valores de NDE, e conseqüentemente de NC, deveriam ser bem menores. Nesses ensaios, conduzidos em área da variedade RB785257, a aplicação de inseticidas a base de thiamethoxan antes do aparecimento das primeiras ninfas em campo, resultou em incrementos de produtividade de 1,4 t ATR/ha. Considerando que em áreas não tratadas as populações máximas foram de 6,5 insetos/m e que o custo do tratamento na ocasião foi de 0,5 t ATR/ha, pode-se inferir que o NDE, nesse caso, foi inferior a 5 insetos/m.

A análise econômica (margem de contribuição agroindustrial e agrícola) dos resultados observados em áreas comerciais e experimentais, nas quais se adotou medidas de controle da praga, em várias regiões e envolvendo diversas variedades, épocas de corte, populações da cigarrinha, sugere que o NDE, hoje, está provavelmente entre 4 e 10 insetos/m, ficando mais próximo do limite inferior – 4 insetos/m – em canaviais colhidos no final de safra e, no limite superior -10 insetos/m -, em canaviais de início de safra. Como as medidas de controle devem ser adotadas antes das populações atingirem o NDE, os valores de NC são menores que os citados. Visto que os inseticidas, químicos ou biológicos, possuem características distintas, o NC varia com o produto escolhido para controle, bem como com sua dose. Assim, quanto maior o efeito de choque do inseticida, mais próximo do NDE se encontra o NC, ou seja, a medida de controle pode ser adotada (NC) em uma densidade populacional bem próxima, mas ligeiramente menor, do que aquela definida como NDE.

Quando se aplicou o inseticida mais tardiamente (12,4 insetos/m), a produtividade observada foi semelhante à da testemunha, sugerindo que, ao se fazer aplicações sob infestações muito elevadas, a cultura pode ter sido severamente danificada, não conseguindo responder positivamente ao controle da praga. A análise das margens de contribuição agroindustrial (MCAI) dos tratamentos reforçou as vantagens de aplicações sob infestações menores. Assim, a maior receita líquida foi obtida ao se aplicar o inseticida quando a infestação de cigarrinha estava em 1,7 insetos/m (R$ 552,00 por ha), seguida pelas aplicações feitas a 7,6 insetos/m (R$ 447,00 por ha). Novamente, aplicações tardias (12,4 insetos/ m) resultaram em receita líquida bem menor (R$ 146,00 por ha).

A pesquisadora ressalta que, independentemente do produto a ser utilizado, medidas de controle adotadas tão logo as infestações atinjam o nível de controle resultam em vantagens econômicas significativas, e que aplicações tardias de inseticidas, químicos ou biológicos, podem até resultar em reduções populacionais da cigarrinha, mas na maioria das vezes não têm retorno econômico, pois a planta já danificada não recupera sua produtividade.

Controle biológico

Uma solução que está se tornando mais comum para quem opta por medidas de controle biológico da cigarrinha é o emprego de bio-inseticida à base do fungo Metarhizium anisopliae, patógeno para a cigarrinha, que apresenta eficácia na eliminação desse inseto. A ação desse bio-inseticida se mostrou eficaz contra as ninfas, principalmente após aplicações sucessivas, sendo que boa parte da população dos insetos é eliminada nessa fase, considerada estratégica para o controle. Os inseticidas químicos têm desempenho maior, ou até semelhante em alguns casos, porém a custos mais elevados. A decisão por um ou outro tipo de controle, entretanto, não pode ser baseada apenas no custo. O nível de infestação, a época em que o problema foi identificado e a pressa no resultado pesam na decisão. O produtor tem que ter em mente que o sucesso no uso de bio-inseticidas dependente muito das condições ambientais, da dificuldade para produção e armazenamento, e do efeito, muitas vezes, a médio ou longo prazo dos resultados. A aplicação de sistemas integrados químico/biológico, também se mostram como boa saída para aumentar a eficiência sem causar maiores impactos ao meio ambiente.

A produção em laboratório de bio-inseticidas a base do fungo Metarhizium anisopliae é feita em recipientes contendo como substrato arroz quebrado crú. Para que o tratamento seja eficiente há necessidades de que as condições ecológicas do campo favoreçam a multiplicação (esporulação) do fungo sobre as cigarrinhas, para que ocorra a contaminação geral das ninfas e adultos. Talvez seja este o ponto principal na avaliação da eficiência desse fungo no controle das cigarrinhas.

Outro patógeno que apresenta eficiência para pragas de solos são os nematóides. Em laboratório, eles atingem 560 de controle, mas sua produção é bem mais cara que a do fungo Metarhizium porque geralmente são produzidos utilizando-se proteína animal como substrato. Os nematóides têm capacidade de procurar o hospedeiro por meio de receptores químicos localizados na cabeça.

Quando aplicados no solo, eles se locomovem por até 30 centímetros atraídos pelo gás carbônico emitido pela cigarrinha. Além disso, eles trabalham em associação com uma bactéria, que carregam no intestino. Assim que penetram no hospedeiro, eles liberam a bactéria, que se multiplica rapidamente e em 24 horas mata o inseto. Nessa fase, os nematóides se alimentam da bactéria junto com o conteúdo do inseto.

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