Agricultura

Aquicultura – levando a água do mar ao sertão

Na fronteira entre o Rio Grande do Norte e o Ceará, o Brasil se prepara para assumir a liderança do mercado latino americano de camarão. Para isso, várias máquinas vem abrindo canais gigantescos, com quilômetros de extensão, levando a água do mar a centenas de fazendas de camarão.

O Brasil ocupa hoje a terceira posição na produção latino americana de camarão (o líder atual é o Equador, seguindo por Honduras), mas suas fazendas devem ser responsáveis pela maior parte da produção continental em aproximadamente três anos, segundo projeções de Lenin Paredes Ruiz, um equatoriano que veio estudar engenharia de pesca no Recife, PE, em 1987 e nunca mais voltou.

Proprietário da Equabrás, uma das maiores empresas do setor, ele adverte que a tarefa não é fácil. Seu país possui atualmente 180 mil hectares em viveiros , contra 10 mil existentes no Brasil.

No entanto, explica Lenin Ruiz, a concentração elevada de produção e uma pequena faixa de litoral e a falta de cuidados ambientais ocasionaram uma série de doenças nas fazendas equatorianas, causadas pela proliferação do vírus “mancha branca”, que reduziu demasiadamente a população de camarão.

Hoje, com apenas 30% de suas capacidade de produção, os equatorianos buscam outros mares. Um deles é o Brasil. “O país apresenta condições ambientais e climáticas ideais ao cultivo do camarão. O Nordeste, em especial, tem um potencial incrível para ser um dos maiores produtores mundiais, pois possui uma série de fatores para isso, como insolação anual, clima constante e alta temperatura e limpeza das águas”, afirma Ruiz.

Além do Rio Grande do Norte, que concentra o maior número de fazendas, toda a costa brasileira apresenta características favoráveis á produção de camarão, principalmente entre o sul da Bahia e o Pará.

Investimentos equatorianos

Um paisagem tipicamente nordestina recebe quem chega ás fazenda da Equabrás. Até as obras de implantação dos viveiros, o visitante se depara com rebanhos de cabras, várias plantações de cactus e carnaúbas, jumentos e salinas, muitas delas inativas.

Situada no município de Pendência, a 250 quilômetros de Natal, a fazenda está sendo implantada com todo o aporte tecnológico trazido do Equador. De acordo com Lenin Ruiz, até agora foram investidos R$ 8 milhões em laboratórios de desenvolvimento e na abertura dos diques, que serão, ao todo, 61.

Dos 300 hectares destinados á produção, 10% estão atividade e geraram, em sua primeira criação, cerca de oito toneladas de camarão.

“Este ainda é o primeiro cultivo. Vai melhorar muito mais”, explica Ruiz, referindo-se á previsão da Equabrás em produzir cerca de quatro toneladas em cada dique.

Um viveiro padrão, com quatro hectares, movimenta aproximadamente 10 mil m³ de terra em sua construção. No final de julho, a escavadeira hidráulica FX 21 5LC completou 240 horas de trabalho na fazenda, onde é responsável pela abertura dos canais que trazem a água do mar e pela escavação dos diques. “Mas teria feito muito mais de 300 horas se não tivéssemos parado durante um tempo. Essa máquina agüenta um serviço”, garante Alexander Medeiros, um dos administradores da fazenda.

Processo de criação

O processo total, desde o desenvolvimento de pós-larvas até a engorda do camarão, dura entre 90 e 120 dias. A primeira fase acontece em laboratórios, no qual são selecionados os animais com melhores características morfológicas e genética para os viveiros de reprodução. Após a escolha, eles são encaminhados á fase de maturação, onde ficam por 15 dias em tanques fechados. Daí saem as fêmeas ovadas, responsáveis pela produção das primeiras larvas, denominadas náuplios. “Esses náuplios já são um produto de venda. Há laboratórios que os compram para produzir as pós-larvas, que são o ciclo seguinte”, explica Lenin Ruiz. A equabrás possui quatro laboratórios destinados á larvicultura, que é a cultura da pós-larva, o embrião do camarão.

Segundo Ruiz, o bom produto e também melhor absorvido pelo mercado) possui entre 10 e 15 gramas e mede cerca de oito centímetros. O quilo é vendido, em média, a R$ 8,00 no mercado interno. Para fora, o valor sobe para cerca de US$ 3,00 nos Estados Unidos e US$ 4,00 na Europa, destino da maior parte da produção nacional. A Equabras por exemplo, tem seus principais compradores na Holanda, França e Espanha.

Confiante nesses mercados, a empresa pretende implantar nos próximos anos unidades em outros Estados brasileiros, além de instalar um frigorífico para acolher a produção. “Queremos fechar todo o circuito, desde a pós-larva até a exportação do produto. A meta é nos consolidarmos nesse setor e diversificar para outras áreas relacionadas com a aquicultura, como criação de Tilápias e alguns moluscos”, diz o empresário.

Golpe do destino

Há dez anos, como de hábito, o engenheiro mecânico Aroldo Fonseca pegou um vôo em recife com destino ao Maranhão, onde se localizavam suas fazendas de cana de açúcar. Em uma das escalas em Fortaleza, o avião quebrou e ele foi obrigado a dormir na capital cearense. Conformado com a situação, ele lembrou-se de um amigo na cidade e o convidou para jantar. “Essa pessoa vivia insistindo para eu entrar no negócio de camarão, que tinha um potencial incrível no Brasil. Não queria de jeito nenhum, dizia a ele que só entendia de camarão no prato e acompanhado de uma cerveja”, explica.

Durante a noite, em meio a diversos assuntos, o camarão (não a comida) voltou á mesa e ele foi apresentado ao seu atual sócio, que o convenceu a investir no ramo e comprar parte da sociedade da atual Camarões do Piauí – Camapi. Hoje a fazenda de camarões de Aroldo Fonseca produz 700 toneladas de camarão por ano, gerando um faturamento médio de US$ 3,5 milhões. Instalada em 100 hectares de terra no município de Cajueiro da Praia, no litoral do Piauí, ela atualmente é a maior produtora do Estado.

Segundo o engenheiro, ate agora foram investidos R$ 3 milhões na implantação de 18 viveiros e a previsão é de que até o final de 2002 a fazenda tenha duplicado sua área de produção para 200 hectares. Para alcançar esse objetivo, a Camapi conta com a eficiência da FX 215 LC, responsável pela construção dos próximos viveiros da empresa. Assim como na Equabrás, o grosso da produção da Camapi tem como destino o mercado externo. De acordo com Aroldo Fonseca, o consumo mundial do produto chega a 1 milhão de toneladas por ano, com Estados Unidos e Europa consumindo, cada um, 400 mil toneladas. “Os produtores brasileiros estão fazendo a sua parte. Dois anos atrás a produção era de 15 mil toneladas. Em 200, subiu para 25 mil e a previsão é de que ultrapasse 40 mil toneladas esse ano”, comenta satisfeito, Aroldo Fonseca.

Do artesanato ao camarão

Em 1982, o economista suiço Werner Jost desembarcou em São Paulo em busca de artigos de artesanato brasileiro, que lhe traria bons negócios em seu país. O destino, como fez com Aroldo Fonseca, o levou para outras praias.

Nessa mesma viagem, em um bate-papo com amigos, ele descobriu que a costa do país tinha um enorme potencial para a produção de camarão, ainda pouco explorado pelos brasileiros. Resolveu apostar e largou o que estava fazendo para montar a Camanor Produtos Marinhos.

Deu certo. Atualmente, Werner Jost é proprietário de uma das maiores empresas desse segmento no país e suas fazendas são responsáveis pela produção de quatro mil toneladas de camarão por ano, com três ciclos durante esse período.

Segundo ele, até hoje já foram investidos cerca de R$ 7 milhões na implantação dos viveiros, espalhados em quatro fazendas no Rio Grande do Norte. A maior delas – a Peixe Boi – está sendo construída no município de Porto Mangue, no norte do Estado. Com 700 hectares, somente ela fornecerá metade de toda a produção da Camanor.

O destino é sempre o mercado externo, com a França respondendo por 80% das vendas da empresa. “Esse país é o nosso maior parceiro. Tanto é, que recentemente fechamos um acordo exclusivo com o Carrefour Internacional e nos tornamos os únicos credenciados da América latina a vender camarões para o grupo francês”, comemora. O quilo do produto, segundo o suíço, é vendido a aproximadamente US$ 5,00. A Camanor vem utilizando equipamentos Fiatallis na construção de seus viveiros. Três escavadeiras hidráulicas FH 200, uma FX 215 LC e uma pá-carregadeira modelo FR fazem a abertura dos canais que levam a água do mar até os diques, além de executarem as escavações dos viveiros.

Diversificação

Além de suas quatro fazendas, a Camanor atua no ramo da produção de pós-larvas, através de sua coligada. Aquatec, um laboratório comercial responsável pela produção de 480 milhões de pós-larvas/ano de camarão marinho, localizado em uma área de 5 mil m² em Barra do Cunhaú,, no sul do Rio Grande do Norte.

Paralelo ao desenvolvimento de pós-larvas, a Aquatec realiza trabalhos de aprimoramento genético, mantendo linhagens puras de origens geográficas distintas. Essas larvas são destinadas aos 120 hectares de viveiros de engorda e 15 hectares de viveiros de reprodução. Outra empresa na qual a Camanor tem participação é a Camaros, uma joint venture firmada com um grande produtor salineiro local, que conjuga as atividades de produção de camarão com extração do sal em uma mesma fazenda.

Várias áreas de salinas estão se convertendo em viveiros de camarões, resultado da decadência do segmento salineiro potiguar, que um dia foi o maior comprador de equipamentos de construção do Estado. Segundo Pedro Augusto Ribeiro, o mercado do sal enfrenta um forte declínio desde a metade da década de 90, devido á baixa do preço e das excessivas taxas de impostos , que influíram na competitividade do produtores brasileiros frente ao mercado internacional. “Quem está melhor está exportando. As salinas, que já foram referência do Estado, não conseguem reagir e estão praticamente quebradas”, afirma.

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