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Afinal, a ALCA vai ser boa para quem?

No Brasil, as opiniões não menos divergentes e há estudos mostrando que alguns setores – sobretudo o petroquímico – seriam seriamente prejudicados pelo sistema principalmente se o funcionamento, previsto para iniciar em 2005,for acelerado ou antecipado, como propõem os Estados Unidos. Na área de agropecuário, o clima é o que demonstra o presidente da sociedade Rural Brasileiro (SRB), Luiz Suplicy Hafers, ao assinalar que a Alça representa a oportunidade de um livre comércio. Mas as negociações para que isso realmente ocorra, não serão fáceis.

O estado de alerta tem sua razão de ser, pois o secretário de Estado, Colin Powell publicou um artigo na imprensa, na véspera do encontro, que foi considerado mais como uma tentativa de impressionar e mostrar as reais intenções á população dos Estados Unidos, do que um convite aos governantes dos três continentes para se integrarem á efetivação do novo instrumento no hemisfério. Powell afirmou que vamos vender bens, tecnologia e serviços dos EUA, sem obstáculos ou restrições, dentro de um único mercado de mais de 800 milhões de pessoas, com uma receita combinada de mais de US$ 11 trilhões, do Ártico Cabo Horn.

Barreiras “obscenas” bloqueiam produto brasileiro

Diante disso, apreensão de Hafers e justifica e ele lembra os inúmeros obstáculos que se interpõem ao livre ingresso de produtos brasileiros em outros mercados, alguns até obscenos. Além disso, se for levado em conta que os opositores vêem a Alça como mais uma fórmula para fortalecer a hegemonia norte-americana no continente, a posição defensiva do presidente da Rural mostra procedência, mesmo com as referências tangenciais á agricultura. Para o presidente da SRB, essas menções, ainda que tímidas, são um avanço. Pequeno, mas um avanço. Porém, nem todos pensam assim. O presidente da Sadia, Luiz Fernando Furlan, por exemplo, parece concordar com esse domínio ao afirmar que os americanos não podem perder a reserva de mercado que é a Americana Latina, mesmo admitindo que sem o Brasil, a Alça não sai.

No setor de manufatura, o diretor do ledi – Instituto de Estudos e Desenvolvimento Industrial, Paulo Francini, diz acreditar que, essa área livre, pode significar o sepultamento de qualquer pretensão de que o Brasil possa vir a ter uma indústria de ponta. E, sem isso, não há chance de o País e independente. Nesse aspecto, Hafers fecha com Francini e cita o recente processo de privatização das telecomunicações, no qual o sistema de Banda C da telefonia foi outorgado sem qualquer reciprocidade.

O diretor do ledi concorda e vai mais além, observando que o Brasil precisa escolher algumas áreas de tecnologia de última geração, nas quais quer atuar com algum destaque, pois não se pode ser bom em tudo. Para isso, seria preciso que o governo coordenasse as ações, uma vez que os investimentos feitos por empresas concorrentes inviabilizaria esse objetivo. Porém, Francini acredita que nem o presidente e nem a área econômica acreditam que o País tem condições de ser mais do que mero produtor de manufaturas mais ou menos simples, incluindo nessa classificação o aço e os produtos primários, nessa classificação o aço e os produtos primários, mesmo com algum grau de industrialização, como o frango da Sadia.

Para presidente, Alça é apenas uma Possibilidade

No entanto, na reunião de cúpula, em Quebec, no Canadá, o presidente Fernando Henrique Cardoso consegui surpreender os mais céticos. Visto como chefe de um governo sempre solícito ás reivindicações estrangeiras, fez pronunciamento considerado forte, no qual aponta a Alça apenas como uma possibilidade para a construção de uma Comunidade das Américas. Em seu discurso, disse que a área livre será bem-vinda se for um passo para dar acesso a mercados mais dinâmicos, ser for o caminho para regras compartilhadas sobre antidumping, se reduzir barreiras não tarifárias; se evitar a distorção protecionista das boas regras sanitárias; se, ao proteger a propriedade intelectual, promover a capacidade tecnológica de nossos povos; e, ademais, ser for além da Rodada do Uruguai e corrigir, assimetrias então cristalizadas, em especial na área agrícola.

A surpresa fica por conta das contradições existentes dentro do próprio governo. Dias antes, o diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, fora demitindo pelo ministro Celso Lafer, por tecer comentários sobre a Alca, afirmando, em linhas gerais, que o Brasil poderia estar negociando sua caminhada para o patíbulo, apontando uma série de falhas nas conversões. Na própria base governista, o deputado Ney Lopes (PFL/RN), se manifesta contra a adesão imediata, mostrando que o assunto desperta interesse na área política.

Pedindo cautela, o parlamentar avalia ser impossível igualar tarifas alfandegárias com país economicamente desiguais, alertando que se isso ocorrer, no momento atual, o Brasil se tornará dependente dos Estados Unidos. Essa opinião coincide com a do diretor do ledi, Paulo Francini, ao afirmar que não acompanha o entusiasmo existente em relação á área livre, com balanços sobre perdas e ganhos, ou se a integração convém ou não ao Brasil. Para ele, uma parceria com Estados Unidos nos tira a liberdade. E deixa claro que se o País abrir mão das taxas que protegem alguns setores produtivos, inclusive os mais adiantados, como o de informática, seremos engolidos pela concorrência externa.

Projeto busca consolidar o domínio dos EUA

O tema, porém, não foi esgotado pela área parlamentar. O deputado Avenzoar Arruda (PT/PB), usou a tribuna da Câmera para denunciar o ambiente de sigilo com que a implantação da Alca vem sendo tratada e, ainda, protestar contra a detenção de manifestantes brasileiros pela política Argentina. Na ocasião ( início de abril), realizava-se uma espécie de reunião preparatória da Cúpula de Quebec, em Buenos Aires, da qual participaram vários ministros latino-americanos. Entre eles, o ministro do Desenvolvimento, Alcidez Tápias, que aventou a possibilidade de serem fechados acordos bilaterais entre Brasil e Estados Unidos.

O também petista Ivan Valente, de São Paulo, foi mais enfático e defendeu a necessidade de combater a ofensiva americana na efetivação da área livre qualificada, por ele, como uma ação colonial. O parlamentar avalia que países quebrados, como Argentina e Chile, por estarem fragilizados, abandonam o Mercosul e aderem á Alca adotando posturas prejudiciais a eles mesmos. Valente acredita que o Brasil não terá qualquer benefício aderindo ao novo modelo de comércio a ser implantado que, no fundo, é um projeto de consolidação da hegemonia norte-americana sobre as Américas.

Numa reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, da Câmera Federal, o secretário geral de Relações Exteriores, do Itamaraty, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, reconheceu que a Alca não é um consenso, indicado que o ingresso do Brasil no sistema é complexo e mais complicado do que para outros países da América do Sul. Para ele, a área livre é uma opção e, antes de qualquer iniciativa, é preciso energizar o sistema interamericano, fortalecendo o Mercosul.

Entre os riscos, apontou a possibilidade de os Estados Unidos terem uma presença mais preponderante no Brasil, com uma participação excessiva no comércio, além de pressões do Congresso norte-americano, que são sempre favoráveis aquele país, com imposição de embargos e tarifas alfandegárias á entrada de produtos brasileiros. Quanto aos benefícios, Seixas Corra não descarta uma abertura maior do mercado americano ao Brasil. Propõe, ainda que os interesses brasileiros sejam respeitados, bem como os prazos, qualificando a negociações como uma batalha duríssima, que exigem plataforma de debates mais eficaz.

Acordo virar exceção onde há competitividade não parece lógico

Com raciocínio análogo e mais restrito ao setor rural, Luiz Hafers afirma que a agropecuária brasileira tem um poder de competição muito alto e, por isso, tem recebido sinais de resistência sobre a abertura de uma discussão abordando vários aspectos da produção agrícola. Diante disso, fazer um acordo que vire exceção onde somos competitivos, não parece lógico, poderá. Para ele, um acerto é preponderante , pois subsídios estrangeiros concedidos á soja e ao frango, por exemplo, não aceitáveis, sugerindo que os agropecuaristas têm de tomar consciência do mercado.

Nesse aspecto, citando a recente vinda do primeiro ministro francês, Lionel Jospin, ao Brasil, Hafers recorda, que na ocasião, os sinais emitidos foram ruins e demonstraram que os franceses não querem sequer ouvir falar em redução de subsídios e muito menos discutir o assunto. Aliás, derrubar as barreiras não só da União Européia, mas também dos Estados Unidos, é uma tarefa muito difícil. Isso é um assunto de debate interno, envolvendo o lobby deles.

Na verdade, acrescenta, somente depois da doença da vaca louca é que foi dada alguma importância aos acordos. As letras miúdas da OCDE, por exemplo, permitem financiar a Bombardier, canadense, e vetam financiamentos, á Embraer, brasileira. A discussão, porém, sai ás ruas e isso é bom. Temos que nos mobilizar para evitar que a agricultura seja moeda de troca em qualquer tipo de negociação. Não vamos mais aceitar isso. Nos frustramos com a Rodada do Uruguai, os debates de Ouro Preto. Se depender de nós. Sem agricultura, não tem Alca, arremata.

Energético questiona independência

Outro setor que mantém reservas em relação á Alca é o energético, principalmente em função do programa de privatização. Pelo menos é o que mostra Joaquim Francisco de Carvalho, que integra o Conselho. Consultivo do Instituto de Estudos Estratégicos do Setor Elétrico (Ilumina). Para ele, a recente demissão do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, dá a medida daquilo que o presidente da República chama de política externa independente praticada por seu governo.

Proprietário de um currículo respeitável, pois foi coordenador do setor industrial do Ministério do Planejamento, secretário geral da Finep e engenheiro da Cesp, carvalho considera muito difícil ter uma atuação autônoma no cenário internacional atrelada á uma política econômica desnacionalizante, herdada da era Collor e praticada com afinco pela atual administração.

Carvalho, em artigo recente (TI/24/04/01), aponta os estragos feitos pelas privatização das empresas de eletricidade e aponta, entre os principais, a aniquilação da estrutura tecnológica do setor, pois os novos donos das antigas estatais passaram a contratar firmas estrangeiras para execução de obras simples e a comprar equipamentos no exterior, matando, por ociosidade, as empresas de engenharia, os institutos de pesquisas e indústria nacionais.

Para ele, tudo parece obedecer duas importantes diretrizes da estratégia econômica norte-americana para a América Latina: a de garantir acesso direto ás fontes de matérias primas essenciais especialmente as energéticas); e a de impedir a formação de uma base tecnológica que permita o surgimento de concorrentes nos mercados industriais modernos. Essa orientação implica na alienação, pelo Brasil, de um patrimônio alienação, pelo Brasil, de um patrimônio publico que vinha sendo construído há mais de seis décadas, bisonhamente cedido pelo governo, que não soube resistir a pressões de grupos e governos estrangeiros.

Quanto á participação brasileira em mercados livres regionais, Carvalho vê assimetrias no Mercosul, com o Brasil fazendo mais concessões do que o necessário e, com isso, impedindo a obtenção de vantagens e consolidação de uma presença mais marcante nos territórios norte-americano, europeu e asiático. Com relação á Alca, afirma que estamos nos submetendo ás pressões norte-americanas , europeu e asiático. Com relação á Alca, afirma que estamos nos submetendo ás pressões norte americanas ou por estas induzidas no ambiente latino-americano para aderir a um mercado livre que abrangerá todo o hemisfério sob o previsível comando dos Estados Unidos. É claro que isto liquidará o Mercosul, avalia.

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