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Pesquisadores criam produtos com frutos da palmeira juçara

Fruto nativo da Mata Atlântica, a juçara (Euterpe edulis) é saudável e ótimo ingrediente para diferentes produtos alimentícios. Foi o que demonstrou uma pesquisa realizada pela Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) que transformou a fruta em bebida tipo smoothie, corante e outros tipos de apresentação de polpa. A pesquisa procura agregar valor à matéria-prima e ajudar a proteger a espécie que chegou a ser incluída em lista de risco de extinção devido à extração ilegal de seu palmito.

Similar ao seu parente amazônico, o açaí (Euterpe oleracea), o fruto da Mata Atlântica apresentou propriedades antioxidantes valiosas. A pesquisadora da Embrapa Flávia Gomes informa que os frutos da juçara são fonte de compostos bioativos, em especial, ácidos fenólicos e antocianinas. Evidências científicas têm apontado que essas substâncias têm ação antioxidante que protege as células contra radicais livres. Por isso, seu consumo poderá promover a redução do risco de diversas doenças degenerativas como câncer, aterosclerose, entre outras. “Vale destacar que a possível eficácia dos compostos bioativos no organismo humano é determinada pela biodisponibilidade dessas moléculas, que é definida como a quantidade de composto absorvido e metabolizado após a digestão. A biodisponibilidade tem como fator limitante a bioacessibilidade, a qual está relacionada à quantidade desses compostos que é liberada do alimento durante a digestão, ou seja, é uma fração de um composto potencialmente disponível para absorção”, detalha a cientista.

Em testes realizados, os produtos avaliados apresentaram bioacessibilidade dos compostos fenólicos entre 5% e 25%, ou seja, nessa faixa, a quantidade de compostos fenólicos ingerida estaria disponível para absorção após a digestão.

Os pesquisadores esperam que a agregação de valor aos frutos vá contribuir para a preservação da espécie. A exploração racional da fruta contribui para manter a floresta protegida e o fornecimento de um produto de alto valor agregado com importantes características nutricionais, funcionais e até de desenvolvimento econômico.

Polpa em pó

A polpa da juçara em pó apresenta como diferencial não conter agentes encapsulantes na formulação, o que permite a disponibilização de um produto com intensidade de cor e elevada capacidade antioxidante.

Segundo a pesquisadora Renata Tonon, devido à alta perecibilidade, a juçara apresenta vida útil muito curta. Assim, a secagem da polpa da fruta é uma forma de conservação do produto. “As polpas de frutas em pó apresentam baixa atividade de água o que dificulta, ou até impede, a multiplicação de microrganismos responsáveis por sua deterioração, aumentando consideravelmente a sua vida útil”, explica.

A produção da polpa da juçara em pó também propicia maior facilidade no transporte, armazenamento e manuseio, o que favorece a comercialização, especialmente a exportação. “Além da possibilidade de reconstituição para consumo direto, a polpa em pó também pode ser utilizada como ingrediente em diversos produtos alimentícios. Por ser altamente concentrada em antocianinas, pigmento responsável por sua coloração roxa, pode, ainda, ser aplicada como corante natural, em substituição aos sintéticos”, destaca Tonon.

A polpa em pó de juçara demonstrou, ainda, possuir propriedades prebióticas A equipe da Embrapa investigou o potencial da polpa em influenciar o crescimento de grupos bacterianos específicos, em um sistema de fermentação controlado, simulando as condições do intestino grosso humano. A polpa em pó aumentou a contagem de Bifidobacterium(microrganismo benéfico) e reduziu a população de Escherichia coli (bactéria patogênica).

Aplicação em sorvete, iogurte e bebidas de frutas

Nos produtos lácteos, foram testadas pequenas quantidades de corante de polpa da juçara, que variaram de 0,05% a 0,2%. Os resultados mostraram poder corante elevado da polpa desidratada, sendo que pequenas quantidades foram suficientes para reforçar a cor vermelha/rosada característica de sorvete e de iogurte de frutas vermelhas (mistura de morango e amora).

“A pequena quantidade de polpa desidratada utilizada como corante nos produtos desenvolvidos não modificou as características nutritivas. Porém, foi capaz de conferir uma coloração atrativa e estável ao longo da vida útil dos produtos, de um mês no caso do iogurte e três meses para o sorvete”, informa a pesquisadora Ana Carolina Chaves.

Adicionalmente, a polpa de juçara in natura foi estudada para o desenvolvimento de bebidas à base de frutas, buscando encontrar formulações otimizadas com base em valor nutritivo e aceitação sensorial.

Aceitação dos produtos

Testes sensoriais foram realizados visando avaliar o efeito da aplicação da polpa de juçara em pó, em diferentes concentrações, nas formulações de suco misto de maçã, iogurte e sorvete, além de avaliar o desempenho de diferentes proporções das frutas morango, banana e juçara na formulação de um smoothie.

Nessa avaliação com consumidores potenciais de cada produto, verificou-se a aceitação de aparência, sabor e consistência, permitindo a identificação da formulação com melhor potencial de mercado. A pesquisadora Daniela Freitas de Sá relata que os resultados também demonstraram que a polpa em pó de juçara proporcionou a cor desejada e aumentou a expectativa de aceitação dos produtos, impactando positivamente a intenção de compra pelos consumidores.

Já no desenvolvimento de uma bebida probiótica, avaliadores selecionados compararam bebidas produzidas com diferentes microrganismos probióticos e uma bebida referência (sem probiótico) após 90 dias de armazenamento, usando um método discriminativo.

“Os resultados das análises sensoriais indicaram que os microrganismos avaliados não provocaram mudanças na aparência e consistência das bebidas e que apenas um dos microrganismos estudados promoveu uma alteração no sabor em relação à bebida sem probiótico”, relata a pesquisadora.

Inspiração no açaí

A aproximação da pesquisa da Embrapa com a juçara começou em 2008, por meio do proprietário da empresa Juçaí na época, George Braile. “Logo depois, a Embrapa abriu edital de propostas e eu submeti um projeto com o objetivo de estudar a aplicação dos processos de separação com membranas na polpa de juçara, aproveitando todo o conhecimento que já tínhamos sobre o açaí”, relembra a pesquisadora Lourdes Cabral.

O projeto foi aprovado e, na equipe, foi incluída uma aluna de mestrado que avaliou a nanofiltração como ferramenta para concentrar as antocianinas presentes na polpa. “A grande motivação foi, de fato, validar a experiência que o grupo de pesquisa tinha com o açaí amazônico e valorizar um produto da Mata Atlântica, tão pertinho de nós”, destaca Lourdes Cabral.

Em um segundo projeto da Embrapa, foi desenvolvido um smoothie de juçara, banana e morango, 100% fruta, sem adição de água ou açúcar, com capacidade antioxidante elevada. “O efeito da ingestão desse smoothie por ratos foi avaliado, por meio de parceria com o professor do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de janeiro (UERJ), Júlio Beltrame Daleprane. O trabalho verificou que o consumo da bebida contribuiu para a redução da esteatose hepática [acúmulo de gordura no fígado] em camundongos obesos”, conta a pesquisadora Virgínia da Matta.

Em um segundo momento do projeto, foi desenvolvida uma bebida não fermentada, também à base de juçara, banana e morango, porém com probióticos, que mantiveram um elevado tempo de prateleira, até 90 dias, em armazenamento refrigerado. “No projeto mais recente, foi desenvolvida uma terceira bebida, dessa vez à base de maçã, contendo a juçara em pó como fonte de compostos antioxidantes”, acrescenta a pesquisadora.

Tanto a UERJ quanto a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) participaram de diferentes etapas dos trabalhos de pesquisas, por meio de alunos de graduação e pós-graduação.

O que é efeito prebiótico?

A pesquisadora Ana Carolina Chaves explica que alimentos ou produtos alimentícios podem ser considerados prebióticos, ou seja, eles têm componentes variados que podem, por exemplo, ser fibras não digeríveis que agem seletivamente na multiplicação de bactérias probióticas que atuam no cólon do intestino como as Bifidobactérias e os Lactobacilos.

Em 2017, houve uma atualização na definição de prebióticos publicada na Nature Reviews, elaborada pela Associação Científica Internacional de Probióticos e Prebióticos (ISAPP). Prebiótico passou a ser definido como um substrato que é seletivamente utilizado por microrganismos do hospedeiro conferindo benefícios à saúde. Foram incluídas novas substâncias, como por exemplo, os compostos fenólicos, fitoquímicos ou ácido linoleico conjugado, que também podem ter efeito prebiótico.

“Com essa atualização, expandiram-se os efeitos prebióticos, que eram apenas na microbiota intestinal, para outras regiões do organismo colonizadas por microrganismos como, por exemplo, o trato vaginal e a pele. Dessa forma, os prebióticos podem ser administrados diretamente nessas regiões, além da via oral [mais comum]”, finaliza Ana Carolina.

Foto: Virgínia da Matta / Embrapa Agroindústria de Alimentos

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