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Novas variedades de citros ganham espaço nos pomares paulistas

Cinco variedades de porta-enxerto recomendadas ou lançadas pela Embrapa estão sendo usadas em mudas multiplicadas por viveiristas paulistas e adotadas pelos produtores do cinturão citrícola, região composta pelo planalto paulista e Triângulo Mineiro e Sudoeste de Minas Gerais. Os novos porta-enxertos apresentam boa produtividade, boa qualidade de frutos, resistência a doenças importantes da citricultura e tolerância à seca, uma realidade hoje na região.

A planta de citros é formada por dois indivíduos distintos: o porta-enxerto, que corresponde às raízes e parte do tronco da planta, e a copa, parte aérea responsável pelas características dos frutos. “É o porta-enxerto que dá sustentação e adaptação ao ambiente no qual a planta se encontra. Então, se ele for resistente a uma doença, por exemplo, vai passar essa característica à combinação copa/porta-enxerto”, explica o pesquisador Walter dos Santos Soares Filho, coordenador do Programa de Melhoramento Genético de Citros (PMG Citros) da Embrapa, iniciado em 1988.

A participação da tangerineira Sunki BRS Tropical, do trifoliata Flying Dragon e dos citrandarins Indio, Riverside e San Diego entre os mais utilizados no cinturão citrícola é comemorada pelos pesquisadores. “É uma conquista importante porque, em décadas anteriores, praticamente não se usavam porta-enxertos da Embrapa extensivamente no estado. É um indicador de que as pesquisas foram assertivas e de que esses materiais têm valor, já que os produtores vêm adotando”, salienta Eduardo Augusto Girardi, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) e coordenador da Unidade Mista de Pesquisa e Transferência de Tecnologia (UMIPTT) Cinturão Citrícola, sediada em Araraquara (SP).

Diversificação

Por se tratar de uma cultura perene, de ciclo longo, em que as plantas vivem em média 20 anos, a substituição de cultivares é bem mais lenta em comparação às grandes commodities brasileiras como arroz, soja, algodão, feijão e milho, em que a área é renovada a cada safra. No Brasil, maior produtor de laranja e exportador desse suco no mundo, são cultivadas comercialmente menos de 20 variedades de laranja e apenas seis delas representam 92% dos pomares no cinturão citrícola. A citricultura é o sexto maior negócio em valor de produção agrícola entre os produtos agrícolas brasileiros.

A baixa diversificação de variedades de copas e porta-enxertos de citros tem sido um dos principais fatores de fragilidade da cadeia produtiva no Brasil. A situação dos porta-enxertos é ainda mais grave, em função da elevada concentração dos pomares em uma só variedade, o limoeiro Cravo, o que torna a atividade vulnerável, especialmente no que diz respeito ao surgimento de novas doenças.

“É uma péssima decisão para o produtor manter o seu pomar somente com um porta-enxerto e a Embrapa vem alertando os produtores há muitos anos sobre isso”, afirma o pesquisador Orlando Sampaio Passos. “Primeiro, foi a laranjeira azeda que era usada exclusivamente. Veio a tristeza dos citros nos anos 1930 [causada por um vírus que circula na seiva da planta e tem a sua disseminação pelas mudas e pelo pulgão-preto] e foram dizimados os pomares de São Paulo e da Bahia. Depois, o limoeiro Cravo também passou a ser de uso praticamente exclusivo até 2000 e, como foi mostrado pela doença morte súbita dos citros [que causa a morte em poucos meses e ainda não tem causa confirmada], toda planta que estava enxertada sobre ele no norte de São Paulo morreu devido a essa doença. Forçado pela morte súbita, o produtor paulista começou há alguns anos a diversificação com o citrumelo Swingle, resistente à doença, mas mais intolerante à seca, e agora tem a participação dos porta-enxertos da Embrapa e de outros citrandarins desenvolvidos pelo Instituto Agronômico, o IAC”, conta.

Unidade Mista de Pesquisa e Inovação em Citros

Desde 2003, a Embrapa Mandioca e Fruticultura mantém campo avançado em São Paulo alocando pesquisadores em instituições parceiras. Em julho de 2019, foi firmado acordo de cooperação entre Embrapa, Fundecitrus e FCC estabelecendo a Unidade Mista de Pesquisa e Transferência de Tecnologia UMIPTT Cinturão Citrícola, com o objetivo de unir esforços institucionais para conduzir uma agenda conjunta de pesquisa e extensão focados em projetos sobre a sustentabilidade da citricultura na região compreendida desde Triângulo Mineiro e Sudoeste de Minas Gerais, Estado de São Paulo e ainda o Noroeste do Paraná, atuando principalmente nas áreas de melhoramento genético, fitotecnia e fitossanidade. Atualmente, mais de 30 experimentos e unidades de validação avaliando mais de mil combinações de copa e porta-enxerto são conduzidas totalmente em áreas de produtores parceiros.

Variedades

Dados recentes disponibilizados pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA-SP) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo apontam que, em 2020, 6,4% das mudas multiplicadas por viveiristas paulistas e adotadas pelos produtores usavam porta-enxertos recomendados ou lançados pela Embrapa.

A porcentagem pode até parecer pequena, mas, considerando a forte tradição de uso, o tamanho do cinturão citrícola — cuja produção total de laranjas em 2020 foi estimada em 267,87 milhões de caixas de 40,8 kg segundo a Pesquisa de Estimativa de Safra do por Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) — e mais de dez milhões de mudas enxertadas todo ano, o feito é importante. “Espera-se que essa percentagem cresça nos próximos anos, dadas as boas características dos porta-enxertos. Somente no primeiro semestre de 2021, a CDA-SP informou a produção de aproximadamente um milhão de mudas enxertadas em Flying Dragon e outro milhão sobre os citrandarins Indio, Riverside e San Diego”, conta Girardi.

A Sunki BRS Tropical, por exemplo, é uma mutação natural do porta-enxerto Sunki comum, obtida na década de 1990 e lançada em 2003. “Ela surgiu no meio de uma população de indivíduos que eu tinha a campo, com muitas características interessantes e superiores à Sunki comum. Ela tem quase 100% de poliembrionia, ou seja, gera muitos indivíduos idênticos à planta-mãe, e possui, em média, 18 sementes por fruto — importante para a produção de mudas — enquanto a Sunki comum tem apenas duas a três sementes. Nas avaliações a campo, verificamos que a Sunki BRS Tropical apresenta resistência à gomose ou podridão de raízes [doença causada por fungos que ataca plantas cítricas podendo levar à morte] superior à da Sunki comum e, até para surpresa nossa, induz uma excelente tolerância a seca”, destaca Walter Soares.

Segundo o pesquisador, esse aspecto influenciou a adoção da Sunki BRS Tropical por 2,3% das mudas paulistas até o momento. “Grandes produtores que fornecem frutas para a indústria e a própria Citrosuco, parceira da Embrapa e que é uma das maiores empresas de produção de suco do mundo, usam a Sunki como porta-enxerto, além do citrumelo Swingle, que hoje é o principal porta-enxerto da citricultura paulista. Quando os produtores de mudas viram que a Sunki Tropical é muito produtiva, até mais do que a Sunki comum, e tem um excelente rendimento no viveiro, ela começou a ser muito utilizada”, relata. Além disso, é tolerante à tristeza, ao declínio dos citros, à salinidade e à morte súbita dos citros (MSC) e tem sido recomendada como alternativa de uso em programas de diversificação de porta-enxertos.

Introduzidos da Califórnia e avaliados pelo PMG Citros, os citrandarins Indio, Riverside e San Diego são híbridos de tangerineira Sunki com Poncirus trifoliata (um dos porta-enxertos de maior uso na citricultura mundial). Os citrandarins são considerados uma nova geração de porta-enxertos promissores em todo o mundo, e buscam associar as vantagens apresentadas pelas tangerinas, como a menor suscetibilidade ao declínio, com as vantagens do trifoliata, como a resistência à tristeza, à gomose e ao nematoide dos citros. Podem ainda induzir a formação de plantas compactas e produtivas, conforme o híbrido.

Eles foram avaliados por mais de 30 anos sob diferentes copas de laranjeiras, tangerineiras e limeiras ácidas, evidenciando capacidade competitiva em relação aos porta-enxertos tradicionais. Todos apresentam elevada adaptabilidade às condições tropicais. Juntos, os três citrandarins recomendados pela Embrapa corresponderam a 1,2% dos porta-enxertos dos viveiros do cinturão em 2020.

Já o trifoliata Flying Dragon, usado em 2,9% das plantas em 2020, é um porta-enxerto ananicante — reduz ao menos 50% do tamanho da planta — e, por isso, indicado para plantios adensados e irrigados, sendo um dos mais usados para a limeira-ácida Tahiti. Seu uso foi estudado pelo pesquisador Eduardo Stuchi em parceria com a Fundação Coopercitrus Credicitrus (FCC) de Bebedouro (SP). A planta de trifoliata tem forma ereta e cada fruto tem de 20 a 45 sementes, uma característica importante para a produção de mudas.

O tamanho menor das árvores adultas (ao redor de três metros) reduz podas periódicas, que são necessárias em outros plantios adensados, além de agilizar e facilitar as operações de colheita, inspeção e erradicação do huanglongbing (HLB), também conhecido por greening, ou “amarelão dos frutos”, a mais destrutiva doença da citricultura em todo o mundo e ainda sem controle definitivo. No plantio adensado, aumenta-se ainda a eficiência dos tratos culturais e das pulverizações, atendendo à demanda dos produtores em relação ao controle de pragas, doenças e seus vetores.

 

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