Agricultura

Dedo de prosa: Tirando o pequeno produtor da ilegalidade

Impedir que o pequeno produtor caia na ilegalidade ao utilizar defensivos que não possuem registro específico para sua lavoura é um dos grandes desafios do momento, segundo Luiz Carlos Bhering Nasser, Membro do Conselho Científico para Agricultura sustentável (CCAs), Agrônomo; Pós-Doutor em Biologia Ambiental e Professor Coordenador do Curso de Pós-Graduação de Análise Ambiental e Desenvolvimento sustentável do uniCeuB. Ele contou quais os avanços obtidos no encontro realizado em janeiro deste ano, em Brasília/DF.

Revista Rural – Quando o homem começou a utilizar defensivos agrícolas nas lavouras?

Luiz Carlos Bhering Nasser – Cerca de 1.200 anos antes de Cristo sal e cinza foram usados nos campos para tornar inaptas para a agricultura terras produtivas conquistadas por exércitos. A descrição, encontrada na Bíblia, é talvez o primeiro relato do uso de produtos químicos como herbicida não seletivo. Duzentos anos depois o poeta Homero registou a queima de enxofre nos lares dos gregos visando proteger a população contra a ação nociva de insetos. Os chineses, 900 anos depois de Cristo foram os pioneiros a usar empiricamente o produto químico arsênio para proteger espécies de plantas nos jardins, contra o ataque de insetos. Relatos dos séculos XV e XVI constatam o uso empírico de, além de arsênio, mercúrio e chumbo no combate de pragas em plantações na Ásia e Europa.

Rural – Mas quando os defensivos passaram a ser usados de forma menos empírica, com uso controlado e cientificamente comprovado?

Nasser – Somente no final do século XIX, com o uso do sal de cobre e cal para evitar roubos em plantações de uva na França, o botânico Pierre Millardet comprovou cientificamente a eficiência desses químicos como agrotóxico eficiente no combate à praga – fungo míldio das videiras. A indústria daí em diante passou a investir grandes quantidades de recursos financeiros, pesquisou, desenvolveu e registrou centenas de princípios ativos químicos para uso em lavouras com base em espécies de plantas de importância econômica – para grandes culturas tais como: trigo, arroz, milho, algodão e soja.

Os governos em todo o mundo começaram a exigir registros desses agrotóxicos tardiamente, entre 1910 e 1940, com ênfase para as grandes culturas.

Rural – Nessa época ainda não havia controle no uso desses produtos. Quando isso começou?

Nasser – Os governos em todo o mundo começaram a exigir registros desses agrotóxicos tardiamente, entre 1910 e 1940, com ênfase para as grandes culturas. Apenas nas décadas de 1950 a 1980, com o avanço das pesquisas em todas áreas agrícolas e a necessidade de inclusão de novas áreas de produção de alimentos básicos no mundo, que a necessidade de uso de agrotóxicos se intensificou, com aumento de 700% em alguns causos.

Rural – As grandes lavouras contam com produtos específicos e muito investimento no desenvolvimento de novos produtos constantemente. E o pequeno produtor, que precisa proteger outros tipos de lavoura de menor porte?

Nasser – Atualmente no Brasil as pequenas culturas, também chamadas de “minor crops” ou CSFI (Cultivos com Suporte Fitossanitário Insuficiente) são importantíssimas para a manutenção da saúde humana, como por exemplo as culturas de legumes, frutas e hortaliças. Porém, essas lavouras carecem de agrotóxicos específicos registrados para controle de pragas e doenças, nos padrões atuais requeridos por órgãos do governo e em parte, devido aos altos custos em realizar essas pesquisas específicas para o registro desses produtos. Sendo assim, quando ocorre o ataque de pragas nessas lavouras e agrotóxicos não registrados são usados pelos produtores. Os agricultores assumem o papel de vilões do agronegócio.

Rural – Como se chegou a essa situação?

Nasser – Um exemplo típico: o produtor tem metas de produtividade, só que não tem o agrotóxico registrado para combater a praga ou doença que ataca a lavoura de morango. Porém, esse mesmo produto está registrado para praga similar na lavoura de soja. Para o agricultor não perder a lavoura de morango ele compra o produto legalmente, mas ao usar na plantação de morango, se torna ilegal, porque a empresa não registrou o produto para morango. A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) poderá depois detectar o produto no morango e classificar o produto como não seguro por estar com o agrotóxico não registrado, gerando certa confusão. Isto porque em até 70% das amostragens realizadas em “minor crops”, os limites de resíduos não estão acima do permitido.

Rural – O que pode ser feito e quanto tempo demanda para solucionar o problema?

Nasser – Para dirimir essa confusão, um esforço iniciado pelos produtores brasileiros de maçã, no final da década de 90 foi coroado de êxito com o III Encontro Nacional sobre Registro de Agrotóxicos para CSFI, evento esse que aconteceu no dia 28 de janeiro deste ano, na sede da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, em Brasília/DF. Estiveram presentes representantes das cadeias de agronegócio, associações e entidades do governo dos poderes executivo/judiciário, indústrias, produtores rurais e pesquisadores. O objetivo principal desse evento foi unir todas essas entidades, modelos de simplificação de registros existentes para “minor crops” nos Estados Unidos da América, Canadá, Inglaterra e com resultados de pesquisas realizadas para praga alvo do Brasil, ao invés de registro para cada espécie de planta, usar grupos de plantas, aprimorar e simplificar o sistema de registro desses agrotóxicos – retirando assim o agricultor da ilegalidade involuntária.

Luiz Carlos Bhering Nasser

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