Política

Pesca: o Brasil quer se preparar para o mercado do peixe

“O Ministério da Pesca está finalizando os últimos ajustes do Plano Safra da Pesca e Aquicultura, que deverá ser anunciado no final do mês de outubro pela presidente Dilma. O plano pretende ser o mais completo de todos. O governo estuda atuar em diversas frentes para fomentar a atividade no País”, disse com exclusividade à REVISTA RURAL, o ministro da Pesca e Aquicultura (MPA), Marcelo Crivella.

Dados do próprio MPA revelam que o plano visa aumentar os prazos de carência e pagamento, além de qualificar os critérios para obtenção de crédito, desonerar a cadeia produtiva, garantir assistência técnica e extensão pesqueira e aquícola, ampliar a capacidade de compras institucionais para apoiar o pescador artesanal e o aquicultor familiar, fortalecer o cooperativismo, disponibilizar infraestrutura e equipamentos, modernizar e renovar embarcações e investir em ciência, tecnologia e inovação. “A produção está abaixo do potencial por falta de planejamento. Além disso, um dos principais objetivos deste Plano é incentivar e aumentar a produção em tanques-rede ou em reservatórios”, afirma Crivella.

A proposta do governo é avançar na produção de pescado e acompanhar a mesma evolução que ocorreu na agricultura há muitos anos. Ao utilizar novas tecnologias, os agricultores multiplicaram a produção das lavouras de grãos. Agora, é a vez deste mesmo movimento acontecer na aquicultura do País, no qual vem aos poucos ganhando, mas vai ocupando espaços cada vez maiores, como os dos reservatórios de água das usinas que produzem eletricidade.

A intenção é chegar a um bilhão de toneladas de peixes no território brasileiro. “Atualmente, a produção brasileira de pescado é de 1,3 milhão de toneladas. E para promover essa revolução no pescado, o Ministério quer estimular a criação dos peixes nos reservatórios das usinas hidrelétricas, cujas águas pertencem à União, como a de Itaipu, no Paraná, e em áreas litorâneas da costa brasileira. A finalidade é a implantação de projetos de produção de pescado em cativeiro, a chamada aquicultura”, explica. “O esforço do trabalho do Ministério também será de melhorar a vida dos pescadores artesanais que poderão se dedicar à pesca em tanque redes, uma vez que a situação da maioria dos estoques de peixes é preocupante e bem poucos recursos ainda são passíveis de aumento na sua exploração”, esclarece.

Pelo projeto, empresas e produtores adquirem, por meio de licitação, o direito de explorar comercialmente essas áreas pelo período de 20 anos. Um modelo semelhante ao implantado em muitas rodovias do País. Ao contrário das empresas, as concessões para pequenos produtores passam por um processo licitatório, com o objetivo de selecionar os beneficiados. Contudo, nesse caso, eles não precisam pagar pelo uso do lote concedido. “É um programa social, para milhares de produtores”.

Hoje são 12 bacias hidrográficas sendo que oito áreas já são concedidas, sendo seis em reservatórios e duas em mar aberto. “Uma área que soma 28,8 mil hectares e possui capacidade produtiva de 307 mil toneladas de pescado. Números que devem crescer nos próximos anos, já que a estimativa é de que exista potencial para a exploração de 5,5 milhões de hectares em águas da União”, diz Crivella.

Pouco, levando-se em conta o potencial produtivo do País. O coordenador de gestão estratégica da Agência Nacional de Águas (ANA), Bruno Pagnoccheschi, aponta que além de ter grandes volumes de água represados, os reservatórios estão normalmente associados a rios perenes e caudalosos, o que provoca melhor renovação da água, maior capacidade de produção e melhor qualidade do pescado. “O interessante é que esse projeto tem crescido muito, principalmente em regiões Nordeste e Norte do País. Recebemos, todos os dias, uma grande demanda de novas licenças. Porém, cada caso é avaliado, uma vez que condiciona sempre a capacidade de suporte do reservatório e a adequação da alimentação aos peixes, o intuito é justamente pela preservação da água que servirá para o abastecimento humano”, afirma Pagnoccheschi.

Ele faz questão também de ressaltar que não se trata de privatização, quando se refere ao uso dessas águas. “O governo não privatiza áreas da União, apenas concede o uso por um período determinado. Caso as exigências não sejam cumpridas, essas áreas são retomadas”, reforça o coordenador.

De acordo com o ministro, a ANA realizou um estudo para saber da capacidade de produção dos reservatórios no País. “Só em São Paulo, por exemplo, utilizando apenas 1% da superfície do reservatório da Ilha Solteira para a aquicultura seria suficiente para uma alta produção”, frisa.

Como a visão de cadeia produtiva é extremamente recente, tem se desconhecimento muito grande da atividade por parte dos órgãos reguladores de meio ambiente. “Para a atividade ser regulamentada, precisa-se de licença ambiental, que passa pelo Ministério, Ibama e no caso de São Paulo, a responsabilidade por fornecer a licença ambiental foi estabelecida com a reorganização da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA) e a Companhia Ambiental do Estado (Cetesb), diz Mauro Kazuo Sato, representante da companhia. “A Cetesb nunca teve esta função antes”, afirma. “A empresa não pode fugir das regras impostas para o licenciamento, o que dificulta o produtor a atendê-las e ao qual são obrigados a obedecer. E o que acaba dificultando na demora de novas liberações”, diz Sato.

Pelos dados do MPA, o crescimento da criação de peixe em cativeiro, no Brasil, com destaque para a tilápia, mas incluindo também a carpa, o tambaqui e o curimatã, tem sido de 6,6% ao ano nas últimas décadas, o dobro do crescimento médio mundial. Pela lei atual, de 2008, pode ser utilizado para aquicultura 1% dos 218 reservatórios federais, o equivalente a 55 mil hectares de lâmina d água.

Segundo o ministro, se 1% da área desses reservatórios entrar em operação, o Brasil terá o potencial de produção anual chinês, que é de 60 milhões de toneladas. “Do total de pescados produzidos na China, 50% vem da aquicultura. Trocando em miúdos, aquicultura nada mais é do que a produção de peixe em ‘fazendas’ de água. Em tanques, gaiolas e viveiros”. Para o ministro, a viabilidade da atividade é comprovada, quando comparada à produção da pecuária nacional. “Enquanto em um hectare de terra é possível produzir mil quilos de carne bovina, em um hectare de espelho d’água a produção pode atingir 250 mil quilos de carne de peixe”, diz.

Até o momento são seis parques agrícolas que já foram implantados nos reservatórios de Castanhão (CE), Itaipu (PR), Tucuruí (PA), Furnas e Três Marias (MG) e Ilha Solteira, entre São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. “Outros devem ser finalizados abrindo espaço para centenas de produtores de todos os tamanhos para criar peixes nas águas que hoje só produzem energia elétrica”, frisa. “A aquicultura é uma alternativa viável e a produção de pescado no Brasil é uma atividade que custa a deslanchar”, conclui.

A produção na prática

Primeira empresa a adquirir o direito de explorar áreas da União, a Aqualider, situada no Recife (PE), abandonou sua produção de pós-larvas para produção de camarão, que mantinha há mais de dez anos, para se dedicar ao projeto de cultivo de beijupirá, espécie nativa que vem crescendo no mercado internacional. A empresa conseguiu a concessão de uma área de 169 hectares, localizada a 11 quilômetros da costa da Praia de Boa Viagem (PE). Segundo o gerente da Aqualider, Santiago Amilton, a meta é produzir cerca de dez mil toneladas do peixe por ano, cultivado em 48 tanques importados do Chile. Amilton revela que só pela concessão a empresa irá pagar R$ 60 mil por ano. Tanta aposta tem um motivo: os ganhos, que prometem ser grandes. “Esperamos faturar cerca de R$ 80 milhões quando o projeto estiver totalmente implantado”, diz.

Outra empresa que adotou o sistema foi a GeneSeas Aquicultura. Instalada na represa da hidrelétrica de Ilha Solteira em 2002, a companhia começou a produzir tilápia na represa da quando ainda nem havia amparo legal para usar as águas do reservatório para a criação de peixes.

E são das águas do maior açude para usos múltiplos da América Latina que saem, aproximadamente, 20% de toda a produção atual de tilápia do Ceará (maior produtor da espécie no País) e também um exemplo do uso das concessões. “O Açude Castanhão retrata uma tendência que promete se repetir em dezenas de reservatórios federais. Ali, empresários, associações, cooperativas e até ex-pescadores multiplicam os peixes. O Castanhão, no Ceará, é um dos maiores exemplos da aquicultura brasileira. São ao todo 16 mil toneladas de peixes por ano e que estão vendidas a R$ 4 reais. Em grande parte desta produção vem de ex-pescadores. É fato lembrar que são hoje 170 mil pescadores registrados e metade deles recebem bolsa auxílio, ou seja, menos de R$ 2 reais por dia”, afirma o ministro.

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