Agricultura

Ferrugem: à prova de fogo

Estudo apresenta os resultados de controle ao fungo da ferrugem asiática a partir de testes com fungicidas já dispostos no mercado e produtos que estão por vir.

“ESTA É DE FATO A GRANDE VANTAGEM DESSE ESTUDO – SER INDEPENDENTE, POIS, ANTES DE COMEÇARMOS A FAZER ISSO, AS EMPRESAS RECOMENDAVAM OS PRODUTOS, E OS SOJICULTORES NÃO TINHAM ACESSO A DADOS QUE COMPARASSEM ESSAS FORMULAÇÕES DE UMA FORMA MAIS ABRANGENTE. FOI ENTÃO A PARTIR DE 2003/2004, COM A FORMAÇÃO DESSA REDE, PODEMOS COMPARAR TUDO QUE O PRODUTOR TEM DE OPÇÃO”, FRISA A PESQUISADORA DA EMBRAPA SOJA, CLÁUDIA GODOY.

Na safra 2010/2011, foram realizados 27 ensaios nas principais regiões produtoras do País. Esses trabalhos foram feitos numa condição mais crítica, com plantio tardio.

Foram avaliados 17 produtos (dos quais, 11 já dispostos no mercado e seis que estão em fase de registro) além de um tratamento sem controle algum, que serviu como testemunha.

Para as misturas de triazóis e estrobilurinas, a diferença de produtividade entre o maior (T11, com 3.349 kg/ha) e o menor valor (T18, com 2.838 kg/ha) foi de 511 kg/ha, ou 18%.

A ideia foi justamente testar cada formulação na pior condição possível de estágio da ferrugem asiática, doença causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi. O mal é, senão, a principal preocupação dos produtores de soja desde 2004, quando o primeiro foco foi registrado no Brasil. Foi logo nessa época que um grupo de pesquisadores se uniu e formou uma rede de ensaios cooperativos, formada por 25 instituições de ensino, pesquisa pública e empresas da iniciativa privada. O objetivo da rede é avaliar a eficiência dos fungicidas indicados para a ferrugem da soja e as novas formulações, que estão em fase final de avaliação para registro junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Na safra 2010/2011, foram realizados 27 ensaios nas principais regiões produtoras do País. De acordo com a pesquisadora da Embrapa Soja, Cláudia Godoy, e integrante da rede, esses trabalhos foram feitos numa condição mais crítica, com plantio tardio (a partir de 15 de novembro), quando há uma maior pressão da doença. “Fazemos esse estudo para avaliarmos quais os produtos que deverão responder melhor diante da pior situação”, enfatiza Godoy, “para assim identificar, na hora que coisa estourar, os melhores produtos”.

Em termos práticos, de acordo com a pesquisadora, os produtores não vivenciam muito essa situação drástica na lavoura, pois optam pelo plantio dentro do prazo adequado – nesse sentido ele também não vai perceber a diferença entre os fungicidas dispostos no mercado, em função da pressão da doença ser baixa.

Métodos

No estudo foram avaliados 17 produtos (dos quais, 11 já dispostos no mercado e seis que estão em fase de registro) além de um tratamento sem controle algum, que serviu como testemunha. “Trabalhamos com a avaliação de produtos não registrados (PNR), pois anteriormente era comum ver empresas dispondo um produto no mercado; o agricultor o comprava e saía perdendo pela ineficácia daquela formulação. Para evitar isso, resolvemos então testar esses materiais antecipadamente para dizer ao produtor, ‘olha, esse produto que está entrando realmente funciona; ele foi testado e está condizente com o que já está disposto no mercado'”, explica Godoy. Depois de testadas, as formulações de PNR levam em média cerca de três anos para estarem dispostas no mercado – tempo necessário para o efetivo registro no Mapa.

Quanto às cultivares utilizadas, elas foram escolhidas pelas próprias unidades que compõe a rede, a qual se encarregou de buscar os materiais adaptados às regiões onde foram feitas as amostragens para a pesquisa. Segundo a pesquisadora da Embrapa Soja, como todas as variedades são suscetíveis à doença, não era preciso delimitar o uso de uma cultivar apenas, pois isso não interferiria no resultado do estudo.

As aplicações de fungicidas iniciaram-se no estádio R1/R2 (florescimento/florescimento pleno) ou no período vegetativo, quando observados sintomas nessa fase. O número de aplicações variou entre os locais que serviram de base para o estudo, sendo realizadas duas aplicações em 22 ensaios (81%) e três aplicações em cinco ensaios (19%). O intervalo entre a primeira e a segunda aplicação variou de 14 a 25 dias, com média de 20 dias de intervalo.

Quando foram realizadas três aplicações, o intervalo entre a segunda e a terceira aplicação variou de 12 a 19 dias, com média de 16 dias de intervalo. Para a aplicação dos produtos foi utilizado pulverizador costal pressurizado com gás carbônico – dióxido de carbono – (CO2) e volume de aplicação mínimo de 120 litros por hectare (l/ha).

Resultados

Dentre os 27 ensaios, em nove havia sintomas e em 18 não havia sintomas de ferrugem no momento da primeira aplicação. A porcentagem de controle da ferrugem, em relação à média da severidade da testemunha não tratada e a redução de produtividade, em relação a média de produtividade do melhor tratamento variaram entre os produtos nos diferentes locais.

As menores severidades e as maiores porcentagens de controle foram observadas para os tratamentos T17 [picoxistrobina 60 gramas de ingrediente ativo por hectare (g i.a./ha) + tebuconazol 100 g i.a./ha) e T10 (trifloxistrobina 60 g i.a./ha + protioconazol 70 g i.a./ha).

As porcentagens de controle para os melhores tratamentos foram semelhantes aos resultados observados na safra 2009/2010, onde a maior porcentagem de controle observada para a mistura trifloxistrobina 45 g i.a./ha + protioconazol 52,5 g i.a./ha foi de 81%.

Todos os tratamentos com misturas de triazóis e estrobilurinas apresentaram produtividade superior aos tratamentos com triazóis, sendo as maiores produtividades observadas para os tratamentos T11 (piraclostrobina 65 g i.a./ha + metconazol 40 g i.a./ha), T10 (trifloxistrobina 60 g i.a./ha + protioconazol 70 g i.a./ha), T17 (picoxistrobina 60 g i.a./ha + tebuconazol 100 g i.a./ha), T14 (azoxistrobina Nortox 62,5 g i.a./ha + tebuconazol 100 g i.a./ha) e T5 (piraclostrobina 66,5 i.a./ha + epoxiconazol 25 i.a./ha).

Para as misturas de triazóis e estrobilurinas, a diferença de produtividade entre o maior [T11, com 3.349 quilos por hectare (kg/ha)] e o menor valor (T18, com 2.838 kg/ha) foi de 511 kg/ha, ou 18%.

Grupos químicos

Os produtos testados são basicamente a mistura de dois grupos químicos, os triazóis e as estrubirulinas. Segundo Godoy, as misturas avaliadas têm se mostrado eficientes. Em contrapartida, o tratamento da ferrugem só a partir dos triazóis, que antes controlava bem a doença, não consegue mais dar conta do recado e, por isso, já não é mais indicado sozinho para o estabelecimento de um programa de aplicações. “As misturas, de forma geral, apesar de umas se destacarem mais que outras, numa situação de alta pressão do fungo, estão tendo um controle satisfatório e eficiente sobre a doença”, atesta a pesquisadora que vem acompanhando a pesquisa e a eficiência dos produtos desde o início com a criação da rede.

Em termos de atuação, cada fungicida vai agir num processo metabólico distinto do fungo. As estrubirulinas, por exemplo, (como azoxistrobina, piraclostrobina, entre outros terminados em ‘strobina’) vão interromper a respiração do fungo. Já os triazóis (terminados em ‘conazol’) são inibidores da biossíntese de ergosterol – trocando em miúdos, de acordo com Godoy, isso impedirá a formação da parede (tecido) celular do fungo e aí ele acaba morrendo.

Independência

Um produto bom para o registro é aquele que mantem uma média de 80% de controle ou acima disso – e isso é o que tem mostrado basicamente os ensaios da rede. A grande vantagem ao produtor está justamente no respaldo da pesquisa científica para apresentar a eficácia dos produtos. “Esta é de fato a grande vantagem desse estudo – ser independente, pois, antes de começarmos a fazer isso, as empresas recomendavam os produtos, e os sojicultores não tinham acesso a dados que comparassem essas formulações de uma forma mais abrangente. Foi então a partir de 2003/2004, com a formação dessa rede, podemos comparar tudo que o produtor tem de opção”, frisa Godoy.

Dessa forma o produtor poderá avaliar os produtos que mais vão lhe garantir o melhor custo/benefício. E só vai perder com ferrugem, se atrasar com o controle. Se deixar primeiro a doença entrar, para depois tratar, ele pode perder produtividade. “Às vezes esse atraso ocorre não intencionalmente, mas em função do próprio clima. Se começa a chover, ele não consegue entrar com esse controle, e é justamente nessa condição climática que a doença explode. Então, muitas vezes não é culpa do produtor, o clima de desfavorece a aplicação no momento correto, e com isso há o atraso no controle e risco de perda de produtividade”, pondera a especialista.

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