Negócios

Pirarucu: preservação em alta

Aos poucos, o peixe se transforma em fonte de renda na Região Norte do País. Em uma propriedade, localizada no município do Espigal do Oeste, a 534 quilômetros da capital de Rondônia, há dois hectares destinados para a criação de pirarucu. Lá, estão cerca de 300 peixes que têm aproximadamente nove meses e pesam sete quilos.

A atividade ainda está em fase experimental, mas é a aposta do criador Édio Aparecido Barbosa. Não só dele, mas de outros criadores da região que conheceram o Projeto Estruturante Pirarucu da Amazônia, que tem como objetivo compor a história de sobrevivência de um dos peixes-símbolo da bacia amazônica, ameaçado de extinção em razão da pesca indiscriminada. Desenvolvido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em parceria com as secretarias estaduais de agricultura, Ministério da pesca, instituições de pesquisa e algumas universidades, o projeto (que abrange seis Estados da Região Norte) tem como propósito incentivar a criação em cativeiros do pirarucu.

Em cada Estado, foram montadas três unidades de criação do peixe que servem até hoje de campo de observação para os pesquisadores. Em Rondônia, por exemplo, nas unidades que ficam em Pimenta Bueno, a 500 quilômetros da capital Porto Velho, os resultados já apareceram. Em 2007, foram produzidos apenas três mil alevinos (larvas dos peixes que se formam logo após o nascimento), enquanto que em 2008 o volume passou de 30 mil, o que já começava a viabilizar a produção e comercialização massiva, com benefícios para centenas de produtores e para a preservação da espécie no ambiente natural. “Antigamente pegávamos o peixe diretamente da natureza. Ninguém tinha o conhecimento de manejo nutricional e trato com o peixe. Com as parcerias, passamos a ter respaldo técnico sobre a criação que tem um mercado promissor”, explica Barbosa, que já pretende ampliar a sua área de criação.

Outro que também apostou na atividade foi o seu Ancelmo Moraes. Há quase dois, ele conheceu o projeto e pós o fim na pesca extrativista. Em sua pequena propriedade, são 66 peixes. “O pirarucu é uma espécie que se desenvolve rapidamente em cativeiro, em média pode chegar a dois quilos por mês. Atualmente, esse ganho de peso é tudo graças a uma ração balanceada. Normalmente, o pirarucu se alimenta de tilápia ou lambari, mas esse processo é muito mais lento”, comenta o criador, que empolgado não esconde sua preferência pelo pirarucu ao tambaqui.

Em função desse projeto, o Estado de Rondônia se tornou pioneiro na piscicultura na Região Norte. “Tudo começou porque tínhamos no município de Pimenta Bueno, dois empresários investindo na reprodução de peixes nativos, como o tambaqui e o pintado, e eles aí resolveram pesquisar a reprodução do pirarucu”, explica a gerente do Sebrae da Região Norte, Roberta Figueiredo, que também é coordenadora do projeto na região. “Então, esses dois empresários procuraram o Sebrae e após um estudo de viabilidade técnica e econômica da atividade, nós reunimos todos da região, onde o pirarucu é nativo, e escrevemos esse projeto”.

A partir dali, pelo menos 13 produtores-piloto fizeram contatos com o Sebrae, recebendo todos os recursos para a engorda dos alevinos. Como se trata de peixes carnívoros, a ração, de acordo com a coordenadora do Sebrae tem sido testada em vários níveis de quantidade de proteína, para se chegar ao resultado ideal. Em um ano, os peixes em cativeiros atingem 20 quilos. Uma grande vantagem dessa criação, explica a coordenadora, é que por ter dois aparelhos respiratórios, as brânquias (para a respiração aquática) e a bexiga natatória modificada (especializada para funcionar como pulmão), no exercício da respiração aérea, ele não precisa de grandes extensões de tanques e quantidade de água para sobreviver. “Então você poderá produzir muito mais carne em menor espaço. Sem falar da alta qualidade do produto”, enfatiza.

Se a proposta era salvar a espécie, pelo menos alguns pescadores já ganharam a conscientização da preservação e o trabalho neste sentido já está sendo bem conduzido. Porém, para a história ter um final feliz era preciso resolver um dos grandes entraves da criação do pirarucu: a reprodução dos alevinos, sobretudo, a obtenção deles para a criação de cativeiro. Apesar de encontrar condições favoráveis para a produção, tais como: boa qualidade de água (uma vez que a transparência da água favorece a engorda dos peixes), solo fértil (que auxilia no processo da reprodução) e o clima adequado, havia um desafio que era tornar a piscicultura numa atividade sustentável e rentável. Primeiramente, eles resolveram que por não existir fornecedor de alevinos ali na região, eles iniciaram a compra em outras localidades. “Nestes últimos três anos, a produção do pirarucu evoluiu bastante. Hoje já temos dados coletados de vários sistemas de engordas com várias rações diferentes que estão disponíveis no mercado. A unidade de reprodução, em Pimenta Bueno, já pode produzir mais de 50 mil alevinos por ano, que são engordados em tanques-rede e com as novas unidades que devem surgir, a oferta de alevinos, que até então limitava a produção, não é mais problema”, explica o zootecnista e consultor do projeto Jacob Kehdi.

Solucionado o problema de reprodução, logo era preciso resolver a parte da comercialização. Para isso, o Sebrae elaborou um projeto de degustações em restaurante, principalmente, nos grandes centros urbano. “O produto já está sendo comercializado em pequena escala em toda a Região Norte e alguns Estados do Sudeste. Concluímos, que o estudo de mercado aponta uma grande viabilidade de comercialização desse produto tanto no mercado interno como para exportação.

Já temos alguns grandes produtores mundiais de pescado nos visitando para conhecer mais o produto. Porém, a produção ainda é pequena para abastecer os grandes atacadistas e supermercados. Nossa estimativa é que em quatro a cinco anos tenhamos um mercado consolidado”, admite a coordenadora.

Aos poucos, o projeto vem dando certo e reergueu o otimismo de muitas famílias da Região Norte. Mas, quando se fala em transformação nas vidas delas, a coordenadora confessa que ainda é cedo. “Pois aos poucos eles estão tentando colocar o produto no mercado a um preço justo e que remunere bem. Ainda são poucos aqui na região criando exclusivamente o pirarucu, geralmente eles querem ganhar experiência, na parte da piscicultura”, diz. “Ainda é cedo para falar sobre melhoria na vida dessas famílias, mas já temos um grupo de assentados produzindo e comercializando pirarucu em Rondônia”, acrescenta Kehdi. “O nosso projeto ainda está em fase de estudo e, para isto, o Sebrae com alguns parceiros nos Estados da Região Norte, com exceção do Pará que está ingressando agora, instalaram unidades de observação para estudos da engorda e da reprodução do pirarucu. Hoje com os dados coletados, deveremos expandir o número de produtores participantes do projeto, não mais com unidades de demonstração, mas com a transferência da tecnologia adquirida nestes estudos”, resume Kehdi.

Concorrência desleal

Nos Estados da Região Norte, o pirarucu de cativeiro compete com aqueles que vêm do extrativismo clandestino. “Ele tem os custos mais baixos, mas tem qualidade pior e não pode ser ofertado o ano todo devido à época do defeso”, explica o consultor do Sebrae, Jacob Kehdi. Muitas vezes, o comércio do pirarucu oriundo da natureza, apresenta sem as menores condições de armazenamento e sem nenhuma padronização de tamanho e com preço muito inferior ao peixe de cativeiro. “Retirado do habitat natural, o preço do pirarucu varia de R$ 7 a R$ 14 o quilo. Do cativeiro para o mercado, o produto chega a ser vendido a partir de R$ 9. Mas, o ideal era que fosse vendido a R$ 22. Uma vez que há o custo com a alimentação, à base de ração balanceada e padronizada, e o abate em frigoríficos legalizados. No fim, esperamos que o mercado decida pelo melhor produto e que respeita às normas de pescado e de qualidade”, acentua a coordenadora.

Por causa disto, ainda estão sendo feitas as últimas experiências, para levantar o investimento inicial e o retorno financeiro da criação. “Mas adianto que vai depender da área, da quantidade de peixes, da localização da propriedade, pois tudo isto interfere no custo da produção”, ressalta. Outro entrave pelo qual os criadores ainda esperam uma solução é quanto ao preço da ração destinada aos peixes. Na opinião do outro consultor do projeto, Martin Halverson, o custo é bastante elevado na Região Norte, uma vez que não existe uma fábrica da ração destinada à psicultura. “O custo operacional para mandar o produto, a logística acaba aumentando o custo da atividade”, relata o consultor.

Além da carne

Animais monogâmicos, que só se reproduzem depois de quatro anos de vida, com difícil identificação do sexo, fazem com que a possibilidade de criação em cativeiro venha sendo estudada e pesquisada há cinco anos. “Passamos dois anos até ter os primeiros resultados com a pesquisa de reprodução do pirarucu. A forma de reprodução dele é complexa!”, explica a coordenadora do projeto.

Na natureza, o pirarucu (também conhecido como o “bacalhau” da Amazônica) encanta pelo tamanho, é um peixe de carne extremamente saborosa e muito valorizada e com ótimo rendimento da carcaça, além do couro apreciado pela indústria e escamas para o artesanato. Para o Sebrae o aproveitamento do peixe em escala comercial irá depender do tamanho do pirarucu, que em casos ultrapassa os 50% de peso vivo. O estudo de mercado que está em andamento antecipou que a carne do pirarucu tem excelente aceitação na alta gastronomia das capitais pesquisadas (Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Belém).

As perspectivas para a criação de pirarucu em cativeiro são excelentes do ponto de vista econômico. Em alguns pequenos mercados como restaurantes, o pirarucu de cativeiro começa a ser comercializado na Região Norte. “Devido às características da carne do pirarucu, suave, branca e sem espinhos, a ideia é trabalhar com pequenos e médios produtores organizados em cooperativas ou grandes produtores, com o intuito de verticalizar a produção, produzindo o ano todo, com qualidade e quantidade para atingir os mercados de maior poder aquisitivo, ou seja, centro-sul e internacional”, pontua Jacob Kehdi.

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