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Camarão: próspera água doce!

Um empresário paulista transformou a criação de camarão de água doce num negócio lucrativo e pra lá de saboroso. Hoje, ele agrega 18 parceiros e chega a produz por ano, quase 10 toneladas do crustáceo. Há três anos, a Revista Rural publicou uma reportagem a respeito de uma criação muito peculiar.

Tratava-se da produção de camarão da Malásia (Macrobrachium rosenbergii), popularmente conhecido, como camarão da água doce ou camarão de cativeiro. Neste mês, retomamos o assunto, justamente, para mostrar como “anda” esse mercado da carcinicultura (uma criação que agrada aos olhos e dá “água na boca”). Para isto, fomos até a cidade de Piedade (SP), onde está localizado o Sítio Caminho das Águas.

Na propriedade, a criação e a comercialização deste crustáceo continuam de “vento em popa”. Está claro que houve grandes mudanças, principalmente, nos números da produção comercial das pós-larvas (filhotes de camarão) – que dobraram, e que chegam hoje a quatro milhões por ano – e são vendidas para criadores de São Paulo, Minas Gerais e até do Paraná, entre outros Estados do País. As estufas – onde ficam as 3.500 matrizes – para a reprodução ganharam novas estruturas e os parceiros (outros “sócios”) dessa criação também aumentaram. “As coisas prosperaram, por aqui”, brinca o proprietário Silvio Roberto Ticianelli.

O aumento na produção e nos investimentos tem uma justificativa, segundo o criador, a procura pelo camarão da Malásia vem aumentando ano a ano. “O potencial do mercado é grande. Em todo o lugar do Brasil, ele pode ser criado em cativeiro. Além disto, o camarão de água doce entra num nicho de mercado de produtos saudáveis, considerado até orgânico. Aqui nas estufas, este crustáceo se desenvolve naturalmente, livre de hormônios ou produtos químicos. Daí, a conquista do mercado como um produto diferenciado”, diz.

Há 18 anos, quando iniciou na carcinicultura não havia divulgação sobre a atividade, mas segundo Ticianelli já existia um mercado gigantesco. Situação que fez o criador abandonar o curso de engenheira civil e investir na criação. “Na época, o Instituto de Pesca, em São Paulo, iniciava alguns estudos sobre o camarão de água doce. Lá, obtive as primeiras pós-lavras. A partir dali, fui desenvolvendo algumas técnicas para conseguir uma produção em escala comercial”, lembra.

Atualmente, com o foco só na reprodução, o Caminho das Águas conta com 18 parceiros para dar segmento ao sistema de cria e engorda dos camarões. Em média, por ano, eles produzem de nove a 10 toneladas do crustáceo. “Nossos grandes parceiros estão localizados no Vale do Ribeira, em São Paulo. Aquela região é favorável à criação, por ser muito quente. Temos também no Estado de Minas Gerais. O que viabilizamos numa parceria é o deslocamento daqui à propriedade de cria e engorda”, frisa.

No sistema de parcerias, o empresário compra toda a produção dos “sócios”. Já estes compram as pós-lavras e os insumos, com o custo operacional girando em torno de R$ 9 a R$ 10 reais. De acordo com o criador, na “ponta do lápis”, o custo médio da ração é de R$ 2,30, o quilo. “Para se produzir uma tonelada de camarão, se gasta em média 1,5 tonelada de ração. No final, o parceiro recebe R$ 17 reais por quilo. Fazemos ainda um acompanhamento, oferecendo a assistência técnica e buscamos a produção na propriedade, da onde se faz até a despesca, a retirada dos camarões” diz.

Para o empresário, essa alternativa de parceira deu certo. Tudo o que é produzido por eles visa atender à demanda do mercado local. Atualmente, o preço do quilo do camarão de água doce, chega a valer R$ 28,00. “O negócio é lucrativo, só não se pode atuar sozinho. É preciso seguir as orientações corretamente, como possuir uma água boa de nascente e tanques escavados”, adverte. “A criação do camarão não é um bicho de sete cabeças”, brinca.

Com a proposta de auxiliar os parceiros e os interessados na criação, Ticianelli também fundou a Aquacultura PL Brasil. Com isto, ele oferece hoje cursos básicos de engorda de camarão, com direito a aulas teóricas e práticas, que ocorrem na propriedade. Além disso, o empresário resolveu aliar a criação dos crustáceos a um projeto de agroturismo – com a possibilidade dos turistas conhecerem a funcionalidade dos tanques de engorda e as estufas climatizadas, além de ver os aquários com todas as fases do camarão: desde as larvas até o crustáceo adulto. “Recebemos muitos turistas. Em grande maioria, são grupos de terceira idade, que passam um dia agradável e ainda aproveitam para experimentar o camarão de água doce”, explica.

Para escoar toda a produção, Ticianelli abriu há sete anos um restaurante. Entre o cardápio mais solicitado está a “Moqueca de Camarão com Peixe”, um prato típico da culinária brasileira preparado com camarão de água doce e tilápia. “Com sabor levemente adocicado e suave, o camarão de água doce tem menos iodo, em comparação daqueles encontrados no mar. Além disto, ele é um ‘parente’ próximo da lagosta”.

Criação delicada

Para garantir os pratos no restaurante, na propriedade a despesca seletiva começa a partir do quarto mês de criação e se repete por duas vezes até completar seis meses, quando geralmente se faz a despesca total com o esvaziamento completo do viveiro. O mesmo método também é feito com as propriedades parceiras. “O povoamento do camarão, principalmente no Estado de São Paulo, ocorre de setembro a dezembro, para fazer a despesca de março a abril. Em regiões mais quentes, como Norte e Nordeste, o povoamento pode ser feito o ano todo. Aqui na nossa região, devido ao frio, mesmo com as estufas, conseguimos apenas uma despesca, ao ano”, conta. “Nesta fase da despesca, os crustáceos já estão prontos para o abate e com o peso entre 20 a 25 gramas, em média”.

O camarão de água doce possui um ciclo de vida dividido em quatro fases distintas: ovo, larva, pós-larva e adulto. Nos tanques de reprodução, por exemplo, as matrizes e os reprodutores (que são selecionados pelos tamanhos, pesos e características dominantes) ficam em tanques. “Normalmente, são sete fêmeas para cada macho. O período de reprodução é de 43 dias, sendo 19 dias de gestação. Após esta fase, a desova das matrizes que liberam de 10 a 20 mil ovas, é transferida para tanques com águas salobras, uma mistura da água doce com a água do mar. Só assim é possível desenvolver a reprodução”.

No Sítio Caminho das Águas há uma estufa berçário para estocar as pós-larvas. Cerca de 100 mil larvas são suficientes para 1 hectare de tanque. As pós-larvas, que têm de 1,0 a 1,2 gramas, são adaptadas à água doce na propriedade. Com isto, o produtor (parceiro) já recebe um animal adaptado à água doce. A adaptação dos animais no viveiro final é realizada de forma gradual, durante um período de 30 a 40 minutos.

Para o desenvolvimento das pós-lavras, o empresário investiu em um grande laboratório, tanques especiais, incubadoras para eclosão de Artemia (pequenos crustáceos importados, que servem de alimento para as pós-larvas), equipamentos para análise de água e para produção da ração específica dos camarões.

E quando se fala na engorda desse crustáceo, o fator mais importante é, sem dúvida, a água, que precisa de renovação diária de 5% a 10% do seu volume total. Lá também o que vale é o calor nas estufas. A temperatura média chega a 25°C e 31°C, sendo toleráveis a temperaturas até 17°C, tudo para se assemelhar à natureza. Na propriedade, o sistema adotado, e normalmente praticado em outras, é o semi-intensivo, com viveiros de fundo natural, retangulares e com circulação de água.

A criação no Brasil

Desde a sua introdução no Brasil, em 1977, o camarão da Malásia, também chamado de lagostim de água doce e gigante da Malásia, é a espécie mais procurada para a criação, porém, o crustáceo ainda não tem seu mercado consolidado no País. De acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC), 85,5% dos produtores brasileiros são de pequeno porte, sendo a atividade geralmente secundária na propriedade. Segundo dados da ABCC, o Brasil tem hoje 980 criadores de camarão.

Já os extraoficiais do Grupo de Trabalho em Camarões de Água Doce (GTCAD) apontam que a produção do camarão de água doce ainda é restrita: estima-se que seja de cerca de 400 toneladas/ ano e que se concentre, principalmente, mais na região Sudeste do País. Embora 20 Estados já tenham dado a “largada” para a criação dessa espécie.

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