Agricultura

Cacau: combate começa no chão

Técnicas de correção e adubação do solo e o manejo fitossanitário da lavoura cacaueria condizirão a uma boa produtividade sem riscos ao bolso do produtor. O cacaueiro se subdivide em três grupos: o criollo, o forastero amazônico e o trinitário.

Ao longo da produção aqui no Brasil, com o desenvolvimento de híbridos e clones que compartilham de características dos dois últimos grupos citados – dezenas de variedades podem ser encontradas em produção nas fazendas atualmente. O melhoramento genético foi a saída para a produção do fruto, com a incidência da vassoura-de-bruxa no País. Segundo dados do Centro de Pesquisas do Cacau, vinculado à Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Cepec/Ceplac) – órgão ligado ao Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento (Mapa), o pé de cacau é uma planta que se adapta bem a regiões com temperaturas médias superiores a 21°C, e tolera, por curto espaço de tempo, temperaturas mínimas próximas a 7°C. Os níveis de chuva devem ser superiores a 1.300 milímetros (mm) anuais, bem distribuídos ao longo do ano, para garantir uma boa produtividade na lavoura. Regiões com deficiência hídrica superior a 100 mm anuais não são indicadas à exploração econômica da cacauicultura. O plantio, no caso de sementes em viveiros, pode ser feito de setembro a abril (na região de São Paulo) – na Bahia e na região amazônica, devido ao clima quente, esse plantio pode ser feito o ano todo. No caso das mudas não há restrições, e, por isso, também podem ser plantadas ao longo do ano. Dependendo da fertilidade do solo e dos objetivos da exploração econômica, o número de plantas por hectare pode variar entre 1.000 a 2.000.

Correção do solo

Como toda cultura, o trato com o solo tem papel fundamental para o rendimento das plantas. A amostragem dele é a principal etapa na avaliação de fertilidade. É com base na análise química do solo que se definirão as doses de corretivos e adubos. De acordo com a publicação do Cepec/Ceplac, “Recomendações de corretivos e fertilizantes na cultura do cacaueiro no sul da Bahia – 2ª aproximação”, coordenada pelo especialista e pesquisador em fertilidade do solo do órgão, Rafael Edgardo Chepote, a análise do solo é uma etapa crítica num programa de correção e adubação, pois, se a amostra não for representativa da área, pode levar a recomendações erradas, por mais que seja de qualidade o serviço dos laboratórios. “Desta maneira, é importante que a área amostrada seja o mais homogênea possível e que a amostra composta seja representativa da área”, (CHEPOTE, R. E. et al., 2005).

O uso de corretivos é importante não só para a correção da acidez do solo e toxidez de alumínio e manganês como também para a nutrição das plantas. No caso específico do cacaueiro pretende-se, com a calagem, manter a proporção por hectare de 3 por 1 de cálcio (Ca) e magnésio (Mg) (3 partes de Ca para cada uma de Mg).

Para que a correção da acidez seja eficiente é necessário um contato entre as partículas do calcário e o solo. Na região cacaueira, a existência de afloramentos rochosos e de relevo acidentado limitam a incorporação do calcário por máquinas agrícolas. Em áreas a serem implantadas, o calcário deve ser aplicado em toda a área, a lanço [distribuição manual] e em cobertura após o balizamento [alocação ou disposição prévia dos pés de cacau antes do plantio], antes da abertura das covas. Esta aplicação deve ser feita de uma só vez se a dose não ultrapassar 2.000 kg/ha/ano em solos argilosos, ou 1.000 kg/ha/ano em solos arenosos. Quando ultrapassar estes valores, a aplicação deve ser dividida em duas ou três aplicações, nos anos subsequentes respeitando-se a dose máxima permitida.

Em lavouras já formadas, a aplicação do corretivo deve ser a lanço e em cobertura, no espaço entre quatro cacaueiros, com base no espaçamento de três por três metros. Para se determinar, em gramas, o quanto de calcário a ser aplicado nos 9 m², deve-se multiplicar por 0,9 a quantidade recomendada, em kg por hectare. Por exemplo, para uma recomendação de 2.000 kg/ha, a quantidade aplicada em 9 m² será de 1.800 g.

Independente do corretivo a ser aplicado na área, o calcário deverá ser incorporado na cova como fonte de cálcio e magnésio. Para calcular a quantidade de gramas de calcário a ser aplicado em covas de 40 x 40 x 40 cm, deve-se multiplicar por 0,032 a quantidade de corretivo em kg/ha. Esse calcário deve ser misturado com o solo e adicionado na camada inferior (20 a 40 cm) da cova. Por exemplo, se a recomendação é aplicar 2.000 kg de calcário por hectare, em cada cova se incorporarão 64 gramas (2.000 kg calcário x 0,032 = 64 g/cova).

Outro elemento ideal para a correção de solo é o gesso agrícola. É basicamente o sulfato de cálcio di-hidratado (CaSO4.2H2O), obtido como subproduto industrial da produção de ácido fosfórico. É um sal pouco solúvel em água (2,5 g/L), no entanto uma razoável fonte de cálcio (17 a 20 % de Ca) e de enxofre (14 a 17 % de S). A utilização do gesso, de acordo com estudos na área de solo, pode representar uma melhoria no ambiente radicular (raiz) das plantas. Isso porque esse elemento permite a movimentação de cálcio para as camadas subsuperficiais do solo e (ou) diminuição dos efeitos tóxicos do alumínio trocável [elemento químico prejudica o desenvolvimento das raízes da planta].

Adubação

Sessenta dias antes do plantio, recomenda-se fazer uma adubação, incorporando por cova, de dois a quatro litros de esterco de galinha ou 10 a 20 litros de esterco de curral curtido, um quilo de calcário dolomítico ou magnesiano, 100 g do composto químico pentóxido de fósforo (P2O5), dois a 60 quilos por hectare (kg/ha) de óxido de potássio (K2O) e até quatro kg/ha de zinco (Zn). Acrescentar, em cobertura, quatro aplicações de 10 g de nitrogênio (N) por planta, de dois em dois meses.

Para a formação e desenvolvimento da lavoura, segundo o Cepec/Ceplac, a adubação se faz com a aplicação em cobertura, ao redor das plantas, em três parcelas no período das chuvas, de acordo com a idade do pé e a análise de fósforo (P) e potássio (K) no solo em gramas por planta (g/planta): no 1º ano, 40 g de N, 20 a 60 g de P2O5 e 20 a 60 g de K2O; no 2º ano, 80 g de N, 30 a 90 g de P2O5 e 30 a 90 g de K2O; no 3º ano, 120 g de N, 40 a 120 g de P2O5 e 40 a 120 g de K2O. Ao longo da produção, a adubação para manter a lavoura, de acordo com a análise de solo, pode ficar estabelecida com a aplicação de 50 kg/ha de N, 30 a 90 kg/ha de P2O5, 20 a 60 kg/ha de K2O e até quatro kg/ha de Zn, parcelados em três vezes, e aplicados em cobertura, nos meses de outubro, dezembro e março.

A adubação orgânica, a partir de resíduos de origem animal, vegetal ou industrial (processados para uso agrícola), é ideal sempre que a matéria orgânica no solo for inferior a 30 g/kg. O estudo, realizado pelo pesquisador do Cepec/Ceplac, numa lavoura instalada em latossolo vermelho-amarelo distrófico, também conhecido popularmente como solo Una ou Valença, mostrou que a utilização de oito t/ha/ano de composto de casca do fruto de cacau promoveu um incremento de 133% na produção de amêndoas secas (de 527 para 1229 kg/ha). A aplicação de quatro kg/planta/ano de composto de casca do fruto de cacau ou de esterco de gado mais 50% da adubação mineral (13% de N, 35% de P2O5 e 10% de K2O) promoveu um incremento de 188% na produção de amêndoas secas (de 527 para 1518 kg/ha).

Devidamente instalado e manejado, o cacaueiro começa a produzir a partir do 2º ano de vida. Do 2º ao 4º ano, os frutos podem ser colhidos praticamente durante o ano todo. A partir do 5º ano, as colheitas são feitas em dois períodos: safra (novembro a fevereiro) e temporão (abril a agosto). A produtividade normal, a partir do 7º ano, 1.200 a 1.500 kg/ha.

Manejo fitossanitário

Quatro são as principais doenças que afligem o produtor de cacau atualmente: vassoura-de-bruxa, mal-do-facão, podridão parda e monilíase. A partir de um manejo atento à lavoura é possível conduzir a produção sem perecer na atividade.

Vassoura-de-bruxa

A doença, originária da região amazônica e registrada no sul da Bahia em 1989, é causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa (=Crinipellis perniciosa). Caso não sejam adotadas medidas de controle no seu surgimento numa determinada área, a doença dissemina-se, rapidamente, principalmente por meio do vento, comprometendo completamente a produção, chegando em muitas situações a provocar perdas de até 90%. Os sintomas da doença são caracterizados pelo superbrotamento dos lançamentos foliares através da proliferação das gemas laterais e do engrossamento dos tecidos infectados, sintoma conhecido como vassoura vegetativa, daí o nome da doença. Nas almofadas florais podem ser também produzidos tecidos vegetativos, conhecidos como vassouras de almofadas, flores anormais, além de frutos em forma de morango e cenoura. Em frutos em desenvolvimento os sintomas são caracterizados pela presença de lesões necróticas escuras (pretas) sem margens bem definidas. Muitas vezes, frutos infectados não chegam sequer a exibir os sintomas necróticos, apresentando-se com áreas amareladas, ora deformados sem ou com necrose externa. Internamente, os danos são mais pronunciados do que os da podridão-parda, outra importante doença do cacaueiro. Os basidiósporos, principais estruturas de disseminação da doença em forma de esporos, são produzidos em basidiomas (forma visível do fungo, que se forma sobre os tecidos infectados como vassouras secas e frutos infectados).

A estratégia de controle da doença compreende (a) a poda fitossanitária, (b) os controles químicos e biológicos, (c) a seleção e melhoramento genético visando resistência, (d) além do manejo integrado como um todo. Inspeções fitossanitárias são também recomendadas durante as práticas culturais como colheita, podas e desbrotas a fim de promover a remoção de tecidos infectados presentes nas plantas.

Mal-do-facão

Também conhecida como Murcha-de-ceratocystis, é uma doença causada pelo fungo Ceratocystis cacaofunesta (=C. fimbriata). Entre os seus hospedeiros estão o cacaueiro e outras plantas da mesma família. A doença causa cancro [lesão] sobre a casca, assumindo coloração castanha a púrpura, às vezes roxo, necrose dos tecidos do lenho, obstrução dos vasos do xilema [sistema que conduz a seiva bruta, água e minerais, da raiz às folhas]. O fungo penetra na planta através de aberturas provocadas por insetos ou ferramentas (como o facão) utilizadas durante os tratos culturais como colheita, desbrota, poda e roçagem, atuando assim como disseminadores da doença. Os esporos do fungo são produzidos no interior dessas aberturas e são liberados no ambiente juntamente com o pó-de-serra, podendo assim ser disseminados também tanto pelo vento quanto pelos próprios insetos.

Entre as medidas de controle estão (a) a realização de vistorias sistemáticas na lavoura para identificar plantas doentes; (b) em caso de planta com suspeita da doença, evitar realizar tratos culturais e colheita para não disseminá-la para outras plantas vizinhas; (c) eliminar plantas doentes ou mortas queimando-as no local, se possível; (d) proceder a desinfecção das ferramentas utilizadas na execução das práticas culturais em áreas onde a doença está presente, mergulhando a lâmina do facão em uma solução de hipoclorito de sódio a 1% (água sanitária) ou formol 1:6 (um litro de formol diluído em seis litros de água). O uso criterioso e permanente de tais medidas manterá a doença sob controle, uma vez que a utilização de fungicidas e inseticidas não tem mostrado eficácia no controle da doença.

Podridão-parda

Doença fúngica causada por várias espécies de Phytophthora que provoca perdas estimadas em torno de 30%, em média, ocorrendo em todas as regiões produtoras de cacau do mundo, sendo também conhecida como “mela”, “friagem”, “geada”, entre outras denominações. O fungo pode atacar outras partes da planta como folhas, flores, chupões, tronco e raízes, entretanto, os danos mais importantes são aqueles observados sobre os frutos. Os sintomas em frutos aparecem como pequenas manchas que, em condições favoráveis, desenvolvem-se, rapidamente, escurecem, assumindo coloração castanha característica e atingindo toda a superfície do fruto em poucos dias (em torno de 10 dias).

Algumas práticas contribuem, como medidas auxiliares, na redução na incidência da podridão-parda, em adição ao controle químico. Entre elas: (a) remoção de frutos atacados; (b) colheitas mais frequentes; (c) eliminação de casqueiros (amontoados de cascas de frutos) próximos às plantas; (d) caso não seja possível a eliminação dos casqueiros, pulverizar os casqueiros com fungicidas à base de cobre, a 0,3%; (e) ou cobri-los com folhas de bananeira; (f) quebra dos frutos na sede, ou em locais fora das roças; (g) podas de limpeza após a colheita final; (h) raleamento do sombreamento em áreas-foco e drenar as áreas alagadas – o recomendado, numa área de um hectare, é o estabelecimento de 25 a 40 árvores para 1.100 pés de cacau (com espaçamento de três metros).

O controle químico pode ser feito através da pulverização com equipamentos costais motorizados, com fungicidas à base de cobre (óxido cuproso, hidróxido de cobre ou oxicloreto de cobre), a 3 g do princípio ativo por planta, três a quatro vezes ao ano, a intervalos mensais, iniciando-se normalmente nos meses de abril ou maio por ocasião da bilração [início da frutificação] para a safra principal.

Monilíase do cacaueiro

A doença ainda não foi registrada no Brasil, entretanto, é necessário que o produtor esteja atento para o surgimento, uma vez que se encontra presente em países sul-americanos, como: Equador, Colômbia, Peru e Venezuela, e centro-americanos como Panamá, Costa Rica, Honduras e Nicarágua. A monilíase é uma doença basicamente de frutos, afetando diretamente a produção, chegando a causar perdas de até 90% na produção de cacau.

É causada pelo fungo Moniliophthora roreri. Os sintomas dependem da idade do fruto no momento da infecção. O período de incubação do fungo é de 30 a 60 dias, dependendo da idade do fruto e da variedade do cacau. A monilíase produz vários tipos de sintomas sobre os frutos, destacando-se manchas com aparência de ilhas verdes ou amarelas, inchaço e (ou) depressão nos pontos da infecção, deformações, protuberâncias e rachaduras. O modo de infecção e os sintomas nos frutos são semelhantes aos da vassoura-de-bruxa, até que seja observada a produção de esporos do fungo nas superfícies das lesões. Os frutos afetados pesam, normalmente, mais que os sadios e que aqueles infectados com a vassoura-de-bruxa. Tais frutos, com o tempo, mumificam-se e ao permanecerem nas plantas de um ano para o outro servem de fontes de propagação da doença. O ciclo da monilíase se inicia a partir de fontes primárias de disseminação constituídas, principalmente, por esporos produzidos na superfície de frutos maduros infectados ou em frutos mumificados que permanecem presos às plantas de um ano para o outro. Assim, frutos mumificados deixados na copa são considerados como a principal fonte de propagação da doença. A propagação natural dos esporos ocorre pela ação do vento, chuva e em menor proporção por insetos. Os esporos podem permanecer viáveis mesmo em condições adversas por um período de até nove meses.

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