Agricultura

Agrobiologia: produção rima com integração

Com apoio, pequenos agricultores conseguiram investir numa produção integrada rentável, que associa a criação de galinhas e cabras com o cultivo da horta orgânica. Os produtores do município de São José do Vale do Rio Preto, localizado na região serrana fluminense (RJ), colhem semanal-mente alface, chuchu, berinjela, jiló, pimentão, repolho, tomate e vagem frescos.

Os produtos, todos cultivados em sistema orgânico, são frutos de uma verdadeira revolução da agricultura familiar daquela região. Hoje, além da avicultura, uma atividade considerada tradicional, o município se tornou um dos maiores pólos de orgânicos do estado. Graças à contribuição dos pequenos produtores rurais que lá vivem e por meio de parcerias, grandes transformações aconteceram, aconteceram, que foram além do cultivo orgânico, sistema adotado por eles desde a década de 1980. Essa transformação começou há três anos, por meio de um projeto que estimulava a produção de cabras e galinhas, juntamente com horticultura orgânica da região. A ideia partiu da Associação de Produtores Orgânicos do Vale do Rio Preto – Horta Orgânica (entidade que engloba também produtores de municípios vizinhos a São José do Vale do Rio Preto), em conjunto com a Embrapa Agrobiologia, sediada em Seropédica, na baixada fluminense. O projeto teve aprovação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Com a parceria, os agricultores daquela região ganharam a oportunidade de investir melhor em suas terras, produzindo mais e aproveitando cada área da propriedade. “O objetivo era estimular o processo de integração das atividades de produção animal e vegetal, particularmente considerando a elevada demanda dos sistemas de produção orgânica por material orgânico de origem animal (estercos), além de diversificar as possibilidades de renda”, explica o pesquisador Renato Linhares de Assis, do Núcleo de Pesquisa e Treinamento para Agricultores de Nova Friburgo (RJ), da Embrapa Agrobiologia. Como resultado dessa união, a associação conseguiu levar a agricultura orgânica às demais famílias situadas no entorno das áreas remanescentes de Mata Atlântica, promovendo assim a preservação e o respeito à natureza. A parceria também conseguiu atender 27 propriedades, parte delas, desde 2000, certificada pela Associação de Agricultores Biológicos (Abio), do Estado do Rio de Janeiro. Porém, outras 13 ainda estão em fase de adaptação. Juntos, os produtores da associação, estão comercializando cerca de sete toneladas por semana de produtos. Em média, 40 itens diferentes.

“A maioria dos produtores não investia na compra de esterco, por falta de dinheiro. Por outro lado, eles não conheciam as técnicas da agricultura orgânica”, explica o engenheiro Roberto Leite, um dos fundadores do projeto Horta Orgânica e presidente administrativo da Associação de Produtores Orgânicos do Vale do Rio Preto. “Até que um dos pesquisadores da Embrapa Agrobiologia, João Paulo Soares, implantou o sistema de integração em uma propriedade de dois irmãos, Luis Carlos e Sérgio Botelho. Como eles herdaram o sítio do pai, além do pouco conhecimento com a atividade, as terras também eram quase improdutivas”, relembra Roberto Leite.

Porém, o trabalho começou ali. “Hoje, a propriedade é uma referência para as demais”. Segundo o presidente administrativo da associação, o que antes era terra seca e escassa de adubo deu lugar a uma área produtiva. As galinhas e cabras chegaram para a produção de esterco para fazer compostagem. “Hoje, tomate e chuchu são os carros chefe da propriedade”, enfatiza Roberto Leite.

Com isto, o projeto se espalhou para várias cidades, como Petrópolis, Sapucaia e Sumidouro. “A experiência, inédita no País, fez com que juntos os produtores aumentassem o volume de hortaliças vendidas. Assim, eles conseguiram também o contrato com grandes redes de supermercados e o comércio em grandes feiras”, conta Leite. De acordo com o pesquisador da Embrapa Agrobiologia, Renato Linhares de Assis, um dos responsáveis pelo projeto, partiu-se da experiência das unidades de produção que já possuíam o componente animal, procurando potencializá-las e então ampliar as experiências para outras unidades. “No caso das galinhas a decisão foi por buscar material genético que possibilitassem aos agricultores animais rústicos. Tendo ocorrido dificuldades acerca da ração a ser fornecida, considerando a necessidade de componentes orgânicos, o que se apresentou inviável face o preço de milho e soja orgânica. Assim o produto originário destas criações foi comercializado como caipira, mas não como orgânico. No caso dos caprinos houve discussão de onde deveriam ficar os machos, posto que o planejamento inicial era para cada agricultor receber duas fêmeas, que deveriam receber, quando no cio, os machos, que seriam dois, localizados em pontos específicos de fácil deslocamento. Decidiu-se também por alocá-los junto a dois agricultores”, diz Assis.

Hoje são duas cabras leiteiras e 50 aves de postura que são suficientes para cada sítio. Assim como a produção, a clientela cresceu tanto que, agora, os associados enviam pouca coisa para a Horta Orgânica – a associação que comercializa produtos diferentes na capital fluminense e que fica com 5% do montante arrecadado, para cobrir os custos com transporte e produção. A parceria mudou a vida e o sustente de muitos produtores.

Muito além da criação

Além de comercializar gêneros com certificação orgânica, a Associação de Produtores Orgânicos de São José do Vale do Rio Preto – Horta Orgânica fornece suporte técnico aos agricultores organizados em núcleos rurais da ABIO. Em alguns sítios em Brejal, comunidade do município de Petrópolis, a 72 quilômetros do Rio de Janeiro, por exemplo, a convivência entre plantas e animais foi uma novidade. “As galinhas afofam a terra ao ciscar e adubam com seus excrementos a terra. Além do composto, o leite dos caprinos se transformou em queijos que, como os ovos, foram introduzidos no cardápio das famílias, especialmente destinado às crianças”, conta o zootecnista, João Paulo Guimarães Soares, pesquisador na área de Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção Animal da Embrapa Agrobiologia.

Para o engenheiro Roberto Leite, após a implantação da produção integrada, houve um aumento de 80% na renda de muitas famílias, devido à redução de insumos agrícolas, e as propriedades se tornaram autossustentáveis. “Além da renda, do reforço de mais proteína na alimentação, outra vantagem do projeto foram os consórcios”, diz. “Várias famílias passaram a dividir as tarefas. Dois agricultores em Brejal, dividem as responsabilidades das criações de galinhas e caprinos. Eles revezam no corte do capim, que são destinados para a alimentação das cabras, e do trato no capril. Há um espírito de cooperação. Se não tiver isto, o projeto não vai para frente. Seria até pretensioso não dizer que houve uma transformação da água para o vinho, na vida destes agricultores”, aponta o pesquisador João Paulo Guimarães Soares.

A rotina diária requerida no manejo dos animais (alimentação, ordenha, manejo de crias, colheita de ovos entre outras atividades) aproximou o jovem às atividades praticadas pelas famílias, estimulando-o a permanecer no meio rural. “No sistema orgânico e agora com a oportunidade de integração, as hortaliças chegam ao rendimento de 26 mil reais por ano e com produção em animais de 7.500 a 8.000 reais (ovos e leite ou queijo da cabra)”, diz o pesquisador. “Ao contrário do passado, onde eles viviam endividados, os produtores [atualmente] chegam a manter uma renda de até dois salários mínimos”, revela Roberto Leite. “É importante ressaltar que no sistema orgânico não existe a escravidão pela demanda do mercado. A cadeia orgânica prioriza o respeito ao produtor, pois não há atravessadores. O que nós queremos não é ganhar mais, mas receber o que é justo pela produção direta”, enfatiza Leite.

Orgânicos legais

Para dar início às atividades, a Embrapa Agrobiologia fez um diagnóstico rápido das unidades de produção de associados da Horta Orgânica, nos municípios de São José do Vale do Rio Preto e Petrópolis. Com base nos resultados, foram incluídas 60 famílias no programa, sendo que cada uma delas deveria receber duas cabras leiteiras e 50 aves de postura. No entanto, apenas 27 agricultores aderiram à proposta. Posteriormente, a equipe técnica promoveu visitas periódicas às unidades de produção e, juntamente com os agricultores, definiu módulos básicos para o manejo animal. Esses módulos foram estabelecidos de acordo com as particularidades das espécies, infraestrutura das unidades, oferta de forragem e outras fontes de alimentos, e disponibilidade de dejetos como fertilizantes orgânicos nas áreas de lavoura. Acompanha-mento das unidades e distribuição de manuais de práticas agropecuárias foram entregues às famílias.

No primeiro ano do projeto, em cada uma das propriedades foram introduzidas galinhas poedeiras da linhagem Embrapa 051 (desenvolvida pela Embrapa Suínos e Aves), com 30 dias de idade. Tratava-se de uma linhagem produtiva (255 ovos/ave/ano), capaz de apresentarem bom peso na ocasião do descarte (2,7 kg ao final do primeiro ciclo de produção), além de ser adaptada a sistemas menos intensivos de produção. A base da dieta das aves foi constituída de ração balanceada e pelo descarte da produção de hortaliças e refugos de frutas.

Foram também introduzidas cabras mestiças, das raças Saanen x Bôer, gestantes, adaptadas a pasto. A dieta dos caprinos baseou-se na ingestão de volumosos disponíveis, a partir de pastos de espécies de ocorrência espontânea, capineiras e descarte de hortaliças produzidas localmente. Reprodutores da raça Saanen foram introduzidos nos núcleos da Horta Orgânica sendo que, em média, cada animal atende cinco unidades de produção. Os cabritos nascidos foram repassados para outras unidades distantes, a fim de evitar acasala-mentos indesejados e consanguinidade; as fêmeas foram mantidas para ampliar a oferta de leite.

Com base em um sistema de gestão técnica da unidade e de estratégia de comercialização direta, muitos produtores seguiram à risca as condições do projeto e, acima de tudo, como dizem os pesquisadores, muitos deles recuperaram a autoestima.

Para mais informações sobre projeto de implantação e produção integrada, entre em contato com:

Embrapa Agrobiologia
Tel: (21) 3441-1500
sac@cnpab.embrapa.br

Embrapa Suínos e Aves
Tel: (49) 3441-0400
sac@cnpsa.embrapa.b

Embrapa Caprinos e Ovinos
Tel: (88) 3112-7400
www.cnpc.embrapa.br/sac.htm

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