Agricultura

Algodão: a salvação veio do solo

Livres de grande parte das pragas do algodoeiro, os pequenos produtores de Catuti (MG) se veem ainda mais animados com a aprovação da nova variedade transgênica resistente a pragas. Graças a uma bactéria que vive no solo, o Bacillus thuringiensis (Bt), pequenos cotonicultores do município de Catuti (MG) e região começam a reconstruir a economia de uma área mineira movida pela cultura do algodão.

A história de prosperidade da fibra foi interrompida no final da década de 1980 e início da de 1990 com o aparecimento de várias pragas, entre as quais está o besouro bicudo-do-algodeiro (Anthonomus grandis).

O bicudo ainda persiste nas lavouras, mas não mais a lagarta curuquerê (Alabama argillacea), a lagarta-das-maçãs (Helicoverpa zea, Heliothis virencens), a lagarta-rosada (Pectinophora gossypiella) e, agora, a lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda). Esta última praga, além das outras três citadas, entra na lista de resistência da nova variedade geneticamente modificada de algodão, a Bollgard II, desenvolvida pela Monsanto, multinacional de desenvolvimento em biotecnologia.A planta é a segunda geração do algodão transgênico Bollgard, aprovado desde 2005. No dia 21 de maio deste ano, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou a nova variedade, que deve estar à disposição dos agricultores em 2010.

A salvação da lavoura algodoeira, na região mineira de Catuti, chegou já com a primeira versão transgênica da planta – que conferia maior resistência às pragas. E ela trouxe de volta ao campo o pequeno cotonicultor, Francisco de Deus Correa Neto, o ‘Chiquinho’ – que ficara afastado por 15 anos da cultura da fibra por causa da inviabilidade econômica da lavoura. “A produção nos tempos áureos rendia 100 a 120 arrobas por saca, quando eu parei, o rendimento da lavoura era de 20 arrobas por saca. Naquela época eu tinha de brigar com dois bicudos, o da roça, que não me deixava produzir, e o comprador, que sempre pagava mal”, lembra o produtor.

A safra 2007/2008 marcara o retorno de Francisco à cultura do algodão. Em apenas 1,5 hectare (ha), ele conseguiu um total 234 arrobas de algodão. Para a safra deste ano, a estimativa é de 1.200 arrobas numa área total de 14,66 ha. “A cultura desse ano foi prejudicada em função das chuvas, que foram poucas”, explica o cotonicultor. Apesar das baixas, o ânimo do cultivo do algodão é persistente, principalmente em função do manejo de defensivos com a lavoura. Antes da semente transgênica, eram necessárias cerca de 20 aplicações. Atualmente, bastam quatro para controlar, em especial, o bicudo-do-algodoeiro. Francisco adota um manejo preventivo contra a praga, e hoje percebe os resultados – com um ciclo curto de 100 dias, entre o plantio e a colheita, a lavoura pode render R$ 25 por arroba – vendido diretamente à indústria têxtil, e com todos os incentivos de produção garantidos pelos governos estadual e federal.

José Rodrigues de Souza, o ‘Zezão’, também é um dos remanescentes produtores de algodão catutienses. Ele resistiu à crise algodoeira, e começou a se recuperar de uns três anos para cá. Ele já conseguiu um rendimento de cerca de 200 arrobas por ha. “A terra aqui é boa e quando chove controladinho, ela se torna a melhor para o cultivo do algodão”, atesta Souza. “Já visitamos várias cidades e regiões, que onde se faz o cultivo do algodão e nunca encontramos um lugar com as características de nossa região, com o nosso clima”, declara. Para ele, o que faz falta são mais máquinas para o melhor trato da plantação e da colheita. Apesar da falta de maquinário, a menor preocupação com as pragas da cultura e os índices de produtividade alcançados elevam as expectativas dos produtores. “Nós temos tudo para dar certo. Tem um vizinho nosso que deverá colher bem nessa safra porque lá a chuva foi boa. Ele deve chegar a colher de 300 a 350 arrobas por ha este ano”, diz.

A retomada do algodão

Os municípios do norte de Minas, como Catuti, Mato Verde, Monte Azul, Porteirinha, Pai Pedro, Janaúba, Matias Cardoso e Jaíba compreendem uma região na qual o algodão detinha uma grande força. Antes eram 20 mil produtores, atualmente são contabilizados 63, que se uniram em forma de uma cooperativa, a Coopercati (Cooperativa de Produtores Rurais de Catuti) – da qual fazem parte ‘Chiquinho’ e ‘Zezão’. Com a criação do Projeto Retomada do Algodão (PRA), a partir de 2000, pela Associação Mineira dos Produtores de Algodão (Amipa), tanto a organização dos produtores como os rendimentos ob-tidos a partir da nova semente foram aumentando. “A chegada da tecnologia para os pequenos cotonicultores de Catuti elevou a produtividade de 40 arrobas por ha, em 2006, para 230 arrobas por ha, atualmente”, destaca o coordenador técnico do PRA, José Tibúrcio de Carvalho. “Hoje a área plantada é de 350 ha e devido ao clima da região, o cultivo do algodão se torna muito favorável. Como o ciclo produtivo é curto, em torno de 100 dias, os ganhos no final se tornam altos para os produtores”, enfatiza. Na região, o plantio geralmente é programado para os meses de novembro a janeiro, e entre os meses de março a maio, é realizada a colheita. Também, segundo Carvalho, o que antes era gasto com defensivos, hoje se usa na adubação do solo para o melhor desenvolvimento da cultura. Outro fator que dá respaldo aos pequenos produtores é a qualidade da pluma do algodão, o que agrega valor à produção. “Não é só porque são pequenos que não podem produzir com qualidade”, diz o prefeito de Catuti, Hélio Pinheiro da Cruz Junior. Segundo ele, a organização dos produtores garante a melhor técnica para o cultivo e melhores preços no mercado regional. “O que causa ânimo entre os produtores de algodão aqui da região, é fazer o que gosta e ter resultados”. Aos poucos, a região vai retomando a atividade que a desenvolveu antes.

Do bacilo à planta

A bactéria, usada como base em produtos para a agricultura orgânica, pela ação inseticida que ela demonstrava, trouxe à planta do algodão uma maior resistência às pragas (o curuquerê, a lagarta-das-maçãs, a lagarta-rosada e a lagarta-do-cartucho). O material genético do Bacillus thurigiensis foi incorporado à estrutura gênica do algodão, espécie Gossypium hirsutum. Dois genes da bactéria, em especial, desempenham um papel fundamental no ataque às pragas: o cry1Ac e o cry2Ab2. “Eles são responsáveis por codificar (produzir) as proteínas Cry1Ac e Cry2Ab2 – proteínas “cristal” capazes de controlar algumas das lagartas-pragas que infestam o algodoeiro”, explica o gerente de Biotecnologia em algodão da Monsanto, Fabiano Ferreira. “Essas proteínas atuam no intestino dos insetos, causando a morte deles por inanição e septicemia (infecção)”.

Em relação aos predadores naturais das pragas, a ação da proteína presente na variedade transgênica não trouxe perigo a eles. De acordo com o parecer técnico, enviado à CTNBio, os estudos, com as populações de espécies de predadores, mostraram que elas se mantiveram iguais ou maiores em cultivos com as variedades Bollgard e Bollgard II comparado com o algodão convencional. Os predadores naturais – benéficos à lavoura – são os percevejos predadores (Geocoris spp., Orius insidiosus e Nabis spp.), e insetos da família de lixeiros predadores, como Chrysopideae e Hemerobídeos.

Sobre os índices de aplicação de defensivos, de acordo com as condições de cultivo no País, foi constatado que, em média, com a nova variedade trans-gênica, são feitas duas aplicações de inseticidas a menos, comparada com a primeira versão transgênica da Monsanto; e quatro a menos do que no algodão convencional. “Ou seja, o algodão Bollgard II exigiu, em média, cerca de nove aplicações de inseticidas durante o processo produtivo da lavoura”, diz Ferreira. “A título de comparação, em média o Bollgard I requer cerca de 11 aplicações e as variedades convencionais, 13 aplicações”.

A condução agronômica de uma lavoura de algodão Bollgard II é igual à de uma convencional, no que diz respeito à época de plantio, adubação, controle de plantas daninhas, controle de doenças, entre outras tarefas de manejo com a lavoura, de acordo com o gerente de Biotecnologia em algodão da Monsanto, Fabiano Ferreira. “O uso de inseticidas em algodão Bollgard II é diferente, uma vez que a planta, por si só, é capaz de controlar algumas lagartas. Outro ponto a se observar é que o algodão Bollgard II deverá contar com uma área proporcional à área plantada com algodão convencional, com o objetivo de evitar o aparecimento de lagartas resistentes ao Bt. Essa proporção deverá ser de 5%”, destaca.

Os inimigos do produtor

Curuquerê (Alabama argillacea). Conhecido como lagarta-da-folha, o curuquerê inicia o ataque na primeira semana após o nascimento das plantas, podendo atacar até o final do ciclo da cultura. O dano causado é a desfolha, sendo que se inicia pela parte superior e em reboleiras. As lagartas são verde-claro, em baixa infestação, e até pretas em alta infestação, destacando-se na forma denominada mede-palmo. O ciclo é de 35 dias, sendo 20 dias na forma de lagarta, depositando de 500 a 600 ovos por ciclo (5 a 10 por planta).

Lagarta-das-maçãs (Helicoverpa zea, Heliothis virencens). As lagartas são verdes, amarelo-pálido ou rosadas, com faixas escuras no corpo e frequentemente com manchas pretas na base dos pelos. A fêmea vive cerca de 15 dias e coloca em torno de 600 ovos. O ciclo é de 60 dias, podendo ocorrer três gerações no ciclo da cultura. O período crítico vai da fase de botões florais até o aparecimento dos primeiros capulhos. Os danos se caracterizam pelo ataque de tecidos novos, folhas e botões florais, causando queda dos últimos. Posteriormente, há o ataque às maçãs do algodão.

Lagarta-rosada (Pectinophora gossypiella). A praga tem um ciclo variável de 21 a 45 dias em que o adulto, de hábito noturno, vive de cinco a sete dias. O aparecimento se inicia a partir de 70 dias, no começo do florescimento, tornando-se mais frequente após 100 dias. O ataque às flores é facilmente percebido pois elas não abrem. Nos frutos, as larvas penetram logo após a eclosão, alimentando-se das sementes, no interior deles.

Lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda). É a principal praga da cultura do milho no Brasil, e atualmente ataca também a cultura do algodão. No início, a lagarta raspa a folha, mas quando desenvolvida perfura a mesma danificando-a por completo. O período crítico é próximo ao florescimento. O grande problema com a praga é o desenvolvimento de populações resistentes aos produtos químicos utilizados objetivando seu controle. Altas infestações podem acarretar prejuízos que variam de 20% até 50% da produção. O ciclo do inseto é de pouco mais de 30 dias.

Mosca-branca (Bemisia spp). Praga de difícil controle, devido ao número de espécies vegetais que ataca (mais de 500). O inseto adulto vive em média 18 dias e seu período larval é de duas a quatro semanas. A rotação de inseticidas é importante para o controle dessa praga, evitando-se usar princípios ativos como piretróides em demasia e usá-los só após 70 dias. Além do controle químico, pode-se lançar mão de barreiras com gramíneas (milho e sorgo) que servirão de quebra-vento, destruição de restos de culturas, evitar plantar algodão perto de melão, melancia e soja, entre outras plantas hospedeiras.
Pulgão (Aphys gossypii). Inseto sugador, o adulto tem 1,5 mm e vive em colônias localizadas na face inferior das folhas, cuja espécie Aphys gossypii é a mais comum. O dano observado é o encarquilhamento e a mela (exudações açucaradas) o que deprecia a fibra, além de ser um importante vetor de viroses. Seu ataque vai do nascimento da planta até o aparecimento dos primeiros capulhos.

O mais temido de todos: o bicudo-do-algodoeiro

O besouro (Anthonomus grandis) ataca os botões florais e as maçãs jovens, na qual a fêmea deposita os ovos através de um orifício que depois é fechado com uma secreção amarela, protegendo-os no interior do botão. Em torno de cinco a sete dias, após o ataque, os botões caem ao solo, para só então completar o ciclo da praga, que é de duas a três semanas e os adultos vivem de 20 a 40 dias. As fêmeas põem em média 150 ovos, podendo chegar a 300 durante o ciclo e colocar mais de um ovo por botão (maçã). O ataque tem início pelas bordas da lavoura, sendo que vai desde o aparecimento dos primeiros botões até a abertura dos primeiros capulhos.

Como medidas de controle é recomendado, além da utilização de produtos químicos, medidas complementares, dentre as quais se destacam:

a) época de plantio. O plantio uniforme na região, com todos os produtores plantando na mesma época, faz com que encurte o período com estruturas de reprodução viáveis à deposição de ovos do inseto. Para ter sucesso no controle do bicudo, o produtor deve seguir o zoneamento agrícola específico para o tipo de cultivar de algodão.

b) catação de botões. Técnica simples que consiste na catação das estruturas atacadas pelo inseto e caídas ao solo. Após a catação, queima-se ou se enterram os botões, a uma profundidade nunca inferior a 30 centímetros (cm). Com essa prática, pode-se diminuir até 70% a necessidade de inseticidas. Deve-se fazer a catação de 5 em 5 dias, catando-se em área total em campos com até 15 ha ou nas bordaduras (10 a 15 fileiras) em áreas maiores que 15 ha.

c) arranquio e queima de restos culturais. Após a colheita, dependendo da disponibilidade do produtor e da região, é possível colocar o gado para pastar na área, durante 30 dias. Depois, os animais são retirados da área, os restos da cultura de algodão são amontoados e queimados. Isso diminui a fonte de praga para a próxima safra.

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