Pecuária

Exportações: porta fechada para a carne brasileira

Novo Sisbov entra em cena, mas não ajuda a convencer europeus sobre a origem da carne, freando as exportações para o bloco.

Conquistar mercados internacionais é uma batalha que o Brasil encara ano após ano. E está cada vez mais difícil determinados produtos, sobretudo os agrícolas, adentrarem em certos países, principalmente os mais ricos – e mais exigentes -, tanto por conta de barreiras sanitárias impostas, quanto pelo protecionismo adotado pelas nações de primeiro mundo; causas estas que muitas vezes são conseqüências uma da outra.

Se já era difícil penetrar as fronteiras da União Européia (UE), no último ano ficou ainda mais complicado chegar até os consumidores endinheirados e exigentes daquele continente. A maior dificuldade se deveu às novas exigências que o bloco impôs à nossa carne. Desde 2007 os produtores de carne brasileiros se viram obrigados a se depararem com novas imposições como, por exemplo, a rastreabilidade total do rebanho importado para a UE. Em outubro do ano passado a Comissão de Saúde da União Européia alertou que poderia suspender as compras, porque o controle feito no país não seria suficiente para garantir que a carne importada viria de áreas livres de febre aftosa.

O governo brasileiro decidiu agir e reeditou as regras do Sisbov, que é o conjunto de ações, medidas e procedimentos adotados para caracterizar a origem, o estado sanitário, a produção e a produtividade da pecuária nacional e a segurança dos alimentos provenientes da exploração econômica da bovinocultura.

Identificar, registrar e monitorar, individualmente, todos os bovinos e bubalinos nascidos no Brasil ou importados são os procedimentos recomendados, e muitas vezes obrigatórios para quem quiser exportar. Os métodos adotados nesse sentido devem ser previamente aprovados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Em 2007 o Brasil exportou 1.615.042 toneladas de carne, que renderam 4,42 bilhões de dólares. Para a UE foram destinadas 185.160 toneladas in natura, que trouxe 1,02 bilhão de dólares de lucro para o Brasil.

A União Européia é o principal importador dos produtos do agronegócio brasileiro e absorve 31,4% do total embarcado pelo setor. Em 2006, as exportações para o bloco somaram US$ 15,5 bilhões. Países Baixos, Itália, Bélgica e Alemanha são os maiores compradores dos produtos do agronegócio brasileiro na UE. Na pauta de exportações para o bloco, predominam o complexo soja (36,5%), produtos florestais (14,7%), carnes (11,7%), café (11,9%) e sucos de fruta (6,2%).

Novo Sisbov

Com o novo sistema, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro, o Ministério pretende rastrear a procedência da carne, desde o nascimento do animal até o abate. A adesão do pecuarista é voluntária, porém, quem planeja vender aos mercados que exigem o controle de rastreabilidade da carne, como a UE, precisa ingressar no Sisbov.

Ao se cadastrar no serviço, o pecuarista tem de cumprir uma série de exigências, entre as quais: informar dados como a identificação do rebanho no órgão estadual de defesa sanitária, o CPF, a inscrição estadual do estabelecimento, além de preencher o termo de adesão. Em seguida, ele escolhe uma certificadora, credenciada pelo Mapa, que irá verificar o cumprimento dos procedimentos previstos no Sisbov.

O Mapa está inspecionando cerca de seis mil propriedades denominadas “ERAS (Estabelecimento Rural Autorizado Sisbov)” para selecionar as fazendas, que integrarão a lista de estabelecimentos habilitados a exportar para UE. As vistorias estão sendo realizadas nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo.

Reviravolta

Porém, a União Européia resolveu suspender a importação da carne brasileira. O bloco não aceitou a primeira lista de 2,6 mil fazendas apresentadas pelo MAPA que estariam preparadas para exportar carne à Europa. Segundo veterinários europeus, somente 300 fazendas, ou 3% do total das propriedades brasileiras estariam de acordo com as exigências sanitárias feitas pelo bloco. Entre as exigências, constam a necessidade de comprovação de que o gado está há mais de 40 dias na propriedade e mais de 90 dias em um Estado livre da febre aftosa. Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo já estariam descartados por ter sido detectada a doença no rebanho destas Unidades nos últimos 2 anos.

O Governo, por sua vez, enviou à comissão avaliadora a lista com as 2,6 mil fazendas que, segundo ele, estariam adequadas às exigências dos europeus. No entanto, a Europa se recusou a publicar a relação em seu diário oficial, mas ressaltando que a decisão não foi tomada por causa de uma suposta ameaça à saúde dos consumidores e, sim, de uma suspensão técnica.

Desde o final de janeiro o Governo sabia que não teria garantias de que a exportação seria mantida. “Alertamos que, no momento, não há garantias de que a produção de carnes fresca de bovinos, obtidas de animais oriundos de fazendas constantes na referida lista, poderá ser exportada para aquele bloco econômico (UE)”, afirmou a Secretaria de defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura em carta. O documento, que circulou internamente no governo, é datado do dia 28 de janeiro e assinado por Ari Crespim dos Anjos, do Ministério da Agricultura.

Pressionada, principalmente por setores ligados à pecuária européia – sobretudo por bovinocultores irlandeses – o comissário de saúde do bloco, Marcos Kyprianou, que por meses veio defendendo os esforços do Brasil, se viu obrigado a ceder e acatou a suspensão.

“Consideramos autorizadas cerca de 300 propriedades a exportar para a UE, com base em inspeções prévias. Agora, não há um alista de propriedades brasileiras autorizadas e, neste momento não há propriedades brasileiras autorizadas a exportar para a UE”, disse Kyprianou.

O governo julgou, por meio de nota divulgada pelo Ministério da Agricultura “injustificável e arbitrária” a suspensão das exportações da carne brasileira pela União Européia. A nota cobra, também, “transparência e previsibilidade” por parte dos europeus para o retorno à normalidade do relacionamento comercial no setor já que, segundo o documento, os critérios europeus não foram definidos.

O MAPA alegou que enviou uma lista oito vezes maior do que a pedida pelos europeus, pois todas as propriedades inclusas na lista atendiam às demandas do bloco e, portanto, não poderia escolher entre elas.

Alguns setores do Governo acreditavam se tratar de um blefe, mas essa possibilidade logo foi descartada quando a União Européia desconsiderou a possibilidade de sofrer problemas de abastecimento de carne bovina com a entrada em vigor da suspensão das importações da carne procedente do Brasil. A medida é conseqüência da falta de acordo sobre a origem do gado.

“Há outros fornecedores de carne bovina. Temos os nossos e há outros países com carne bovina”, disse o porta-voz europeu para questões de Agricultura, Michael Mann, ao ser questionado sobre a possibilidade da UE sofrer escassez do produto nos próximos dias.

“Não acredito que exista uma grande diferença”, acrescentou Mann, em referência à situação do mercado europeu após a interrupção do ingresso de carne do Brasil, o principal fornecedor do bloco europeu.

A UE é responsável por 29,5% do total das exportações da carne in natura produzida no Brasil. Esse valor corresponde a 1,02 bilhão de dólares. Os frigoríficos, com receio de perderem receita com o embargo europeu anunciaram mudanças nos destinos finais dos seus produtos. Frigoríficos como o Friboi e o Marfrig buscarão outros mercados para absorver o excedente da produção. O Friboi informou em nota que deve exportar apenas 25% do total vendido para a UE no ano passado. Metade da carne que iria para o bloco será destinada aos mercados do Oriente Médio, Ásia e América Latina. O restante será vendido no mercado interno, o que deve derrubar os preços. Estratégia semelhante será seguida pelo Marfrig. Este, por sua vez, se empenhará em produzir carne cozida, já que este tipo de produto não sofrerá restrições por parte da Europa.

Voltando atrás

A novela entre a União Européia e os exportadores teve mais um capítulo no começo do mês, quando o governo brasileiro admitiu a existência de falhas na lista de fazendas aptas a exportar carne para o bloco, e reduziu o número de 2.681 para 600 fazendas. Essa nova listagem será apresentada à UE no dia 14 de fevereiro.

As 2.081 fazendas cortadas da lista apresentavam problemas burocráticos, como ausência de documentos sobre a importação dos animais, a inexistência de notas fiscais e a falto do número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) de alguns donos de rebanhos.

Mesmo com o número acima daquele recomendado pela UE, o Ministro da Agricultura se disse otimista com a nova lista. “Acreditamos que com toda a documentação em ordem, a UE aceitará a nova lista”, afirmou Reinhold Stephanes após reunir-se com secretários de agricultura de cinco estados.

Segundo o secretário de defesa agropecuária, Inácio Kroetz, a partir do dia 25 de fevereiro veterinários europeus farão vistorias aleatórias em propriedades brasileiras. Porém, essas visitas dependerão da aceitação ou não por parte do bloco, da lista de 600 fazendas apresentada pelo governo.

A missão européia avaliará fazendas em todos os Estados do País. Segundo o ministro, mesmo as propriedades não incluídas nessa nova lista poderão ser adicionadas posteriormente, desde que estejam de acordo com as exigências dos europeus quanto à sanidade do rebanho e rastreabilidade dos animais.

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