Agricultura

A globalização chega aos produtos orgânicos

A globalização atinge maior número de segmento do que se imagina. Áreas como informática, telecomunicações e moda, em que as novidades são absorvidas com extrema rapidez, ganham a companhia de alimentos cultivados de forma orgânica, ou seja, sem uso de agrotóxicos. Considerado até alguns anos a atrás como modismo ou alimentação de uma minoria da população, os produtos com cultivo orgânico saltam das feiras específicas e das lojas alternativas para as gôndolas dos grandes supermercados e invadem, embora ainda de maneira incipiente, outros países. Hoje, japoneses da cidade de Fukuoka, no extremo oeste do Japão, já sabem apreciar um cafezinho brasileiro produzido sob esse critério e importado de Machado, em Minas Gerais.

“A tendência por consumo de produtos com cultivo orgânico tende a aumentar no Brasil. Sabe-se que na Holanda, Inglaterra e Estados Unidos, a média de crescimento é de 25% ao não”, explica Wanderley das Neves Cardoso, diretor de comunicação da Associação de Agricultura Orgânica (AAO). “No Brasil, o mercado para produtos orgânicos aumenta em torno de 10 ao ano”, garante o trabalho. “A agricultura orgânica e o mercado de frutas e hortaliças – Panorama Mundial e situação no Estado de São Paulo”, preparado pelo agrônomo Hélcio de Abreu Jr. E Joop Atoltenborg, proprietário do Sítio “A Boa Terra”, especializado na produção de hortaliças orgânicas.

Os autores revelam que, conforme dados da União Européia, o total das áreas para esse tipo de cultivo somava 600 mil hectares, em 1993. Os governos da Alemanha, Áustria, França, Inglaterra, Estados Unidos, Cuba e Costa Rica Mantém legislações que estimulam esse tipo de cultivo. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem supermercados que oferecem apenas produtos orgânicos.

A Inglaterra tem como meta transformar 20% da área de cultivo no país em agricultura se sistema orgânico, até o ano 2000. Mais: o mercado da União Européia movimentava aproximadamente US$ 40 bilhões anuais, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural da França, em 1992. Cerca de 7% desse total representava produtos com características particulares, classificação que engloba a produção com adubação orgânica.

Os autores consideram o cenário animador. E no Brasil? Segundo Cardoso, levantamentos da AAO mostram que 2 mil há, entre são Paulo, sul de Minas Gerais, Brasília e Paraná estão ocupados com cultivo orgânico. Trata-se de uma área certificada, o que significa que corresponde às normas de produção orgânica (ver boxe). “Isso significa não usar agrotóxicos, adubos sintéticos e sementes modificadas”, explica Cardoso.

Em dezembro de 1996, a AAO lançou o Selo de Qualidade Orgânica, específico para produtos originários em unidade produtora certificada pela associação, que foi outorgado a 26 produtores. Hoje, esse número aumentou para 170. Ao longo do tempo, o perfil dos consumidores também sofreu modificações. E as feiras e as casa de produtos enfrentam a concorrência das grandes cadeias de supermercados.

Cardoso lembra que a rede Paes Mendonça foi a primeira a oferecer produtos de cultivo orgânico, em dezembro de 1996. Em pouco tempo as redes Sonae, Carrefour e Pão de Açúcar seguiram o exemplo. Na opinião dele, a explicação para o interesse é simples, ou seja, a globalização e a oferta em supermercados dos outros países. Portanto, um item a mais para o consumidor.

As hortaliças ainda compõem a maior parte dos cultivos na área certificada pela AAO. Cardoso atesta que os anos de cultivo, que intensificaram a nutrição dos solos das propriedades, e o controle alternativo de pragas somados às exigências dos supermercados permitiriam a atual qualidade visual dos produtos.

Hoje, as hortaliças estão acompanhadas, embora em escala bem menor, pelo café, soja e cana de açúcar. O mercado registra pouco interesse pelo café orgânico, talvez por registrar preço mais elevado, mas diversos produtores exportam desde 1994, especialmente para o Japão, Estados Unidos e Alemanha, além de terem enviado amostra para a Suíça.

A tendência internacional também abre o leque de ofertas, já que, além dos produtos in natura, os players internacionais do varejo oferecem também produtos orgânicos industrializados, como molhos de tomate. Cardoso afirma que o mercado internacional observa com atenção a produção brasileira orgânica de café, açúcar e soja.

Essa opinião é partilhada pelo agrônomo Ivan Caxeta, presidente da Associação de Cafeicultura Orgânica do Brasil. Criada em 1998, com sede em Machado, Minas Gerais, a entidade reúne 22 associados, entre produtores, comerciantes, exportadores, pesquisadores e importadores de café. Os associados estão espalhados por São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Espírito Santo. Muitos produtores da Bahia, Distrito Federal, Ceará e Rio de Janeiro mantém contatos com entidade, mesmo não sendo associado. O objetivo da associação é difundir o café orgânico, por meio de encontros e palestras.

Produtor de cultivo tradicional, Caixeta experimenta o plantio de 50 há de café orgânico, desde 1996, em área de 132 há. A produtividade é de 1.800 kg/há, ms ele acredita que deva crescer. Entusiasmado com a experiência, assegura que o ponto principal do cultivo orgânico consiste no tratamento do solo. O solo recebe adubo, como esterco de curral, esterco de galinha, torta de mamona, composto e húmus de minhoca. Ele conta que após a mudança de cultivo tradicional para o orgânico, a cultura reage e, entre o primeiro e o segundo ano, perde de 10% a 20% da produtividade. Essa perda é recuperada em seguida.

Na opinião dele, os resultados são animadores. A propriedade ganha no equilíbrio ecológico e a lavoura na produtividade. Os empregados trabalham com maior segurança, sem manuseio de agrotóxicos e, o consumidor ganha no produto final. Garante, porém, que cada região exige trabalho específico, pois os solos são diferentes. Ele lembra que a produção de café orgânico brasileiro concorre com alguns dos países da América do Sul, como o Peru, Colômbia; da América Central; e também do México, como produtor de café orgânico.

Orgulhoso do café orgânico que vende para a cidade de Fukuoka, no oeste do Japão, Carlos Fernandes Franco é adepto da agricultura orgânica há muitos anos. Exportador individual desde 1994, atualmente ele comercializa 1,8 mil sacas beneficiadas, representam 80% da produção. Os restantes 20%, café de qualidade inferior, são vendidos no mercado interno. Entusiasmado, ele espera crescimento para o mercado de exportação de café orgânico.

Proprietário da Fazenda jacarandá, com 205 há, em Machado, Minas Gerais, ele conta que, em 1964, após herdar parte da fazenda e comprar o restante dos irmãos, “já usava pouca química”. Engenheiro civil, mas interessado em agricultura, Franco lia muito sobre o assunto e conversava com os empregados da fazenda. “A gente simples do campo tem sábios conselhos”, garante. Resolveu investir no cultivo orgânico e para isso reservou 1/6 dos cafezais. Para adubar o solo, usou diversas variedades de produtos. Adubo composto, formado por matéria orgânica, restos de palhada, esterco de gado, inoculante de micro-organismos e água. Utilizou também bocachi, adubo composto, quando necessário. E ainda, torta de mamona, cama de frango e de galinha.

“Nesses períodos”, conta, “o meu objetivo era aprimorar o manejo do solo e baratear o custo da adubação orgânica”. Franco aproveitou o contingente de ervas invasoras como picão e leguminosas, nativas, como fedegoso, guiso de cascavel e mamona nativa, agem como adubo,” explica ele. Ainda como manejo evitou agressões ao solo, com máquinas e implementos pesados.

Em 1995, a propriedade, com a totalidade dos cafezais em cultivo orgânico, obteve a certificação da AAO. Ele aconselha aos produtores a paulatina mudança de um sistema para outro, já que o cafezal sente a mudança por três anos aproximadamente. Mais: garante que hoje já há preços competitivos entre adubação orgânica e química.

As regras da certificação

A agricultura orgânica compõem um sistema que se baseia em processos. Na prática, isso significa que o controle de ervas invasoras, a melhoria do solo e o controle de pragas e doenças dispensam a utilização de herbicidas, fertilizantes, fungicidas e inseticidas. Para resolução desses problemas, os produtores recorrem à adubação verde, plantio na palha, cultivo mínimo, cobertura morta, compostagem, adubação orgânica, biofertilizantes e pulverizações com caldas nutritivas.

A Associação de Agricultura Orgânica (AAO), fundada em 1989, certifica as áreas com cultivo orgânico, desde 1990. Essa certificação significa que os cultivos foram produzidos conforme as especificações necessárias, fator fundamental para a comercialização no mercado interno e externo. Para isso, as propriedades devem obedecer às regras de correção e manejo do solo, nutrição das plantas, saúde das plantas, manejo das invasoras, mudas e sementes, ale de requisitos para conversão do sistema convencional para o orgânico.

Conforme o Manual de Certificado, editado pela AAO, algumas das normas proíbem:
* Queimadas sistemáticas da biomassa,
* Erradicação de fauna e flora,
* Manutenção das áreas de proteção de mananciais, sem cobertura vegetal,
* Utilização de matéria orgânica com resíduos químicos ou biológicos com potencial poluente ou contaminante,
* Uso de adubos químicos em geral, de média e alta concentração de solubilidade,
* Uso de agrotóxico, biocidas e herbicidas químicos em geral,
* Uso de corretivos, fertilizantes ou condicionadores de solo com agentes químicos e biológicos potencialmente contaminantes ou poluentes,
* Uso de produtos mercuriais
* Uso de produtos inorgânicos sintéticos à base de materiais persistentes no ambiente, como chumbo, cádmio, arsênico, enxofre em composto,
* Uso de extrato e calda de fumo,
* Proibido o uso de sementes e mudas oriundas de plantas transgênicas
Para os produtores que pretendem investir em cultivo orgânico, as recomendações são:
* Para cultura anuais e hortaliças deve-se considerar o histórico da área em relação ao manejo, especialmente em relação à intensidade do uso de insumos,
* Para culturas perenes serão necessários dois anos de cultivo sem usar agrotóxicos e um ano sem usar adubos químicos.

Agricultura orgânica x transgênicos

Na sociedade brasileira já existe uma crescente massa de cidadãos conscientes das questões ambientais e que creditam à produção com sementes não alteradas geneticamente e cultivos sem a utilização de agrotóxicos e de adubos químicos, como mais saudável para o meio ambiente e consumidores.

Esta é a posição da Associação de Agricultura Orgânica (AAO), de São Paulo, que congrega cerca de 170 agricultores, produtores orgânicos para um mercado em expansão no Brasil e em todo o mundo. Esse mercado cresce em função de consumidores que demando produtos limpos, isto é, isento de contaminações. Wanderley das Neves Cardoso, diretor de comunicação da AAO, explica que, se há um modelo agroquímico que predomina atualmente, inclusive nos assentamentos, trata-se do resultado de campanhas publicitárias promovidas por indústrias de agrotóxicos, adubos químicos e sementes melhoradas geneticamente. Na opinião dele, as conseqüências ambientais do modelo da chama “revolução verde” são graves, que foi necessário que as produtoras de venenos viessem a reconhecê-los e tentar minimizá-los por meio da proposta de agricultura na Agenda 21.

Ele afirma também que o modelo agroquímico só pode ser viabilizado economicamente em virtude de elevados subsídios aportados principalmente por Estados do Hemisfério Norte. Subsídio de até 40% para aquisição dos denominados insumos modernos. “Situação muito distante de nossa realidade”, garante.

Cardoso Lembra que a pressão de consumidores ingleses fez com que muitas redes de supermercados e de fast food da Inglaterra retirassem os produtos transgênicos de suas gôndolas e cardápios, até que seja cientificamente comprovada a integridade para o meio ambiente e para a saúde humana. Os estudos preliminares realizados naquele país podem ser apontados como motivo para a resistência européia.

“Há que se considerar que o bem estar e segurança do planeta e da humanidade devem figurar em primeiro lugar, independentemente do cultivo ou do país que o adota”, assegura Cardoso.

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