Os
problemas se iniciaram em setembro de 2008, quando foi identificada
uma alta produção derrubando os preços,
que se mantiveram baixos por variados fatores, inclusive externos,
deixando os pecuaristas com baixíssimas margens de lucro
durante o ano e, em alguns casos, sem lucro. Como o preço
varia em relação a época e região,
o Brasil teve o litro mais bem pago em São Paulo, no
mês de julho, quando foi pago R$ 0,81. Já o menor
valor foi na Bahia, em janeiro, quando o produtor recebeu nada
mais do que R$ 0,56 por litro.
Variações no preço mexem com o mercado
rapidamente e é muito difícil de prever qualquer
situação futura. O superintendente técnico
da Associação dos Criadores de Gado Holandês
de Minas Gerais (ACGH-MG), resume como foram os últimos
anos do leite. Em 2007 foi muito bom, podemos dizer que
retirou o produtor do sufoco, ninguém esperava que fosse
acontecer. Mas isso foi até 2008, quando em agosto o
preço começou a declinar, passando a dar prejuízo
no final do ano. Em março houve recuperação
dos preços, assim como de costume, mas agora já
está lá em baixo novamente, exemplifica
Cleocy Fam de Mendonça Júnior.
No Sítio Takehara, localizado em Jacareí, a 85
quilômetros da capital paulista, são produzidos
1.500 litros de leite tipo B por mês, e o alimento é
destinado à cooperativa da região, que pagava,
em novembro, R$ 0,87 por litro. Apesar de parecer um valor acima
do praticado no País à época, não
era, já que a proximidade com a capital paulista, maior
consumidor de leite do Brasil, justifica os altos custos de
produção (o Estado de São Paulo produz
pouco mais de 2 milhões de litros, sendo que consome
mais de 8 milhões anualmente). Os custos tornam os 87
centavos insuficientes para o produtor. Os custos na fazenda
estão altos e esse preço não contribui
para terminarmos as contas no azul, conclui Hissachi Takehara,
proprietário do sítio.
Genética
Apesar das reclamações dos produtores, o mercado
para quem trabalha com animais de elite se manteve em bom
nível durante o período de baixa do leite. Apesar
da queda no preço do litro, os leilões se mantiveram
aquecidos. Exemplo disso é a vaca Borg Brenda 525 vendida
a preço recorde, 140 mil reais agora no final do ano,
lembra Cleocy Júnior.
Na Fazenda Morro Agudo, em Pindamonhangaba, também
no interior de São Paulo, está sendo realizado
um grande investimento em genética, com venda de matrizes,
tourinhos e embriões. Atualmente vendemos os
tourinhos a seis mil reais, sendo que em 2009 comercializamos
10 e pretendemos duplicar no ano que vem, afirma Guilherme
de Lima Soares, veterinário responsável da fazenda.
A duplicação deverá acontecer também
com as fêmeas, já que foram concebidas 30 neste
ano, mas para 2010 a ideia é atingir os 60 exemplares.
A expansão na fazenda não é apenas em
número de animais, mas em investimento na estrutura
para abrigar o rebanho pretendido.
Problemas
enfrentados
Apesar de criadores de animais de genética terem conseguido
bons resultados, a maioria dos produtores de leite brasileiros
passaram por momentos difíceis em 2009. Segundo o Presidente
da Comissão Nacional de Pecuária Leiteira da
Confederação de Agricultura e Pecuária
do Brasil (CNA), Rodrigo Alvim, falta apoio do governo para
estocar a superprodução. No segundo semestre
de 2008 identificamos que tinha um milhão de litros
de leite sendo ofertado no mercado interno e que precisaríamos
estocar boa parte para não baixar o preço drasticamente,
explica Alvim. Com isso, a Confederação entrou
com pedido no Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (Mapa) para a captação de R$
500 milhões, para buscar recursos que seriam utilizados
para estocar o leite excedente. Segundo Alvim, a liberação
só foi concedida em janeiro de 2009, quando o leite
já tinha sido vendido abaixo do preço de custo.
O Brasil precisa ter uma política que contribua
com o produtor na hora que ele precisa. Caso esse valor fosse
aprovado na época do pedido, poderíamos ter
mantido o preço em alta e ainda ter reservado leite
em pó para ser vendido aos poucos, trazendo lucratividade
ao setor, afirma. Segundo Alvim, o governo precisa focar
no mercado externo, tornando o Brasil um país exportador.
Para isso, precisamos da contribuição
do governo para estocar leite na época de excedente
e assim termos estoque suficiente para o ano inteiro, porque
hoje nós queremos exportar quando sobra, mas na época
de seca não temos produto. O importador tem de ter
a certeza que tem o produto quando precisa e não apenas
em determinadas épocas, conclui.
Mas este não é o único fator que o Brasil
deve melhorar para incrementar a exportação.
O fator qualidade é outro que entra em
jogo, segundo Aníbal Vercesi, diretor técnico
da ABCGIL. O Brasil sofre com a falta de qualidade do
leite e em menos de cinco anos não vamos mudar isso.
Devemos trabalhar neste ponto cada vez mais para termos condições
de competir com o leite uruguaio, porque nosso leite é
mais barato e ecologicamente mais correto, opina.
O diretor de lácteos do Grupo Bertin, Ronan Toniolo,
compartilha da opinião e acredita que a qualidade do
leite nacional ainda é deficitária. Segundo
ele, dentro de uma mesma bacia leiteira se encontram diversas
qualidades de leite, com significativas diferenças
na quantidade de gordura, por exemplo. Estimamos que
apenas 30% do leite que adquirimos vêm de produtores
profissionais, o restante vem de extratores de leite,
comenta.
Fim
do superávit
A balança comercial brasileira sofreu com o mercado
lácteo em 2009, já que em 2008 obteve superávit
e passamos a ter déficit no ano passado. De janeiro
a outubro de 2009, o Brasil exportou 57,6 mil toneladas de
produtos lácteos, sendo 51,7% do volume exportado em
2008. A diferença em valores é ainda pior, devido
a queda do dólar: de $ 431 milhões no ano retrasado
para $ 131,2 milhões em 2009. O grande culpado é
a desvalorização do dólar frente ao real,
que tornou os produtos nacionais mais caros em relação
aos dos nossos vizinhos importadores e, ao mesmo tempo, fez
com que houvesse maior demanda sobre os produtos internacionais
por aqui. Com isso, importamos 80% a mais que em 2008 (números
referentes de janeiro a outubro).
Para se ter uma ideia da reviravolta que o Brasil tinha conquistado
no mercado lácteo nos últimos anos, a balança
comercial de 1998 mostrava um déficit de US$ 512 milhões.
Já em 2008, tivemos superávit de US$ 556 milhões.
Uma inversão superior a um bilhão de dólares
em 10 anos.
Consumo
Interno
Não são apenas aspectos externos que alteram
rapidamente. Números de 1994 e de 1995 mostram aumento
de 180% no consumo de iogurte no Brasil. Para o diretor de
lácteos da Bertin, uma vez que a pessoa começa
a consumir derivados lácteos, ela se acostuma e passa
a incorporar o dia a dia e não deixa de adquiri-los,
mesmo em épocas de crise. O que pode acontecer
é a pessoa mudar de marca, buscando um preço
menor, mas não deixa o costume de consumir derivados
de gordura animal e volta à gordura vegetal, por exemplo.
Pelo menos foi isso que o grupo Bertin pôde avaliar
após a crise. Para Toniolo, o resultado da empresa
em 2009, ano de crise mundial, quando teve incremento de 12%
em volume e de 16% em faturamento, comprova que o brasileiro
já se habituou a consumir iogurtes, requeijão
e queijos.
O executivo da Bertin credita o aumento do consumo ao aumento
de renda do brasileiro nos últimos quatro anos, quando
a população passou a ter oportunidade de consumir
derivados. Com isso, mesmo no ano de crise, o brasileiro não
abriu mão desse produto. Para Toniolo, é um
caminho sem volta!
Já para Rodrigo Alvim, da CNA, o brasileiro não
prioriza os derivados do leite na hora do supermercado, retirando
o produto em épocas de pouca estabilidade. Produto
lácteo é o primeiro a deixar o carrinho de compra
da dona de casa, porque são produtos de valor agregado,
afirma. Números divulgados pela Tetra Pak Dairy Index
que acompanha os fatos, números e tendências
mundiais da indústria de lácteos mostram
que a tendência de queda no consumo em países
ricos não se concretizou, inclusive obteve aumento
de 0,6% em 2009. Com a crise, se imaginava que os derivados
lácteos teriam queda nos países ricos, que historicamente
já consomem os produtos, mas não foi isso que
aconteceu, aponta Rodrigo Alvim. Em países emergentes
foram registradas diferentes taxas de aumento de consumo,
como na China que registrou 13,4%, já que o País
não tem a cultura de consumir o leite bovino, sendo
o consumo per capita atual de 19 litros.
No Brasil, o aumento de derivados foi de 2,6% em relação
a 2008, número considerado muito bom por Rodrigo Alvim,
da CNA. Esse porcentual foi ótimo levando em
consideração a crise que enfrentamos no início
do ano. O importante é a perspectiva para os próximos
três anos, onde deveremos obter média anual de
crescimento de 3%, completa.
Independentemente do consumo dos derivados, é unânime
entre os entrevistados que o Brasil ainda deva buscar aumento
no consumo per capita, já que hoje são 140 litros
de leite por pessoa ao ano, bem abaixo dos 200 litros na Argentina,
e dos 180 litros indicados pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). Temos muito a crescer
internamente. O brasileiro não tem o costume de tomar
tanto leite quanto é indicado pela OMS, 180 litros,
ou pelo Ministério da Saúde, de 200 litros,
comenta Alvim.
2010
incerto
Em
março, o preço do litro do leite pago ao produtor
deverá subir, mas ninguém faz ideia de quanto,
afirma o superintendente técnico da ACGH-MG. Os índices
históricos mostram o aumento do preço na época
de março até julho e agosto onde a curva começa
a baixar novamente até o final de ano. Mas como o mercado
externo influencia diretamente no preço do produto,
ninguém quer dar palpite de preço. Não
dá para falar como será o preço no próximo
ano devido a globalização do leite, explica
Aníbal Vercesi. Já para Cleocy Junior, o dólar
em baixa e a alta oferta de leite em pó no triângulo
do leite (Uruguai, Argentina e Nova Zelândia) fizeram
com que s multinacionais, instaladas no Brasil, passassem
a comprar leite estrangeiro, diminuindo o preço interno.
Para Rodrigo Alvim, o Brasil tem tudo para se tornar o maior
produtor de leite no futuro, sendo que atualmente somos o
sexto no ranking mundial, com 25.327 mil toneladas em 2007,
perdendo para EUA, Índia, China, Rússia e Alemanha.
Segundo ele, as características brasileiras são
ótimas para a produção, basta ao governo
ter políticas de exportação, com trabalhos
voltados ao financiamento da estocagem de leite.
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