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O VINHO QUE VEM DO CAJU
rev 132 - fevereiro 2009

O agrônomo e agricultor de Teresina (PI) Lenildo de Lima e Silva é um homem acostumado a driblar as dificuldades vividas no sertão nordestino. “Passei anos da minha vida lidando com a lavoura. Sou genuinamente filho de sertanejos”, conta ele, que chegou até a exercer um cargo de representante comercial. Porém, a experiência do homem do sertão foi posta à prova em uma missão aparentemente impossível. Em 1998, Lenildo contraiu uma grande dívida e como não bastasse o prejuízo de anos anteriores, outras dificuldades apareceram. “Fiquei com uma ‘mão na frente e outra atrás’. Até que um dia, resolvi visitar meu irmão em seu sítio próximo à cidade. No caminho, como grande devoto que sou, pedi fervorosamente a Nossa Senhora Aparecida que me ajudasse a me livrar das dívidas e iluminasse meu caminho”, relembra o agrônomo.
“E não é que o milagre aconteceu”, diz sorridente. Quando chegou no sítio avistou muitos cajueiros supercarregados. “Foi daí que veio a brilhante idéia de fazer doce de caju”, conta ele. O plano deu certo. Apesar das primeiras experiências não serem bem sucedidas. A princípio, o doce não agradou ao paladar dos clientes. Até que por meio de muita persistência, o agrônomo conseguiu dar o “ponto”. “Foi assim que comecei a vender meu doce de caju pela cidade”, ressalta.

Este foi o começo da história de sucesso com o cajueiro, uma fruta típica do sertão nordestino e de grande abundância. Antigamente, nada além das castanhas era aproveitada dos pés. Hoje, o fruto com popularidade é exportado para quase todo o mundo. O pseudofruto (famoso caju) também ganhou espaço, devido às vitaminas que possui e por ser consumida ‘in natura’, em forma de doces caseiros, suco e até cajuína – uma bebida, sem álcool, preparada a partir do suco de caju –, e, diga-se de passagem, os índios já produziam esta mistura.
De agrônomo a empresário, Lenildo industrializou os derivados do caju e até criou novos produtos para o mercado. Hoje são mais de 400 receitas, tais como: a cajuína, licor de caju, doces de caju, rapadura e mel de caju. Mas a “menina dos olhos”, garante ele, é mesmo o vinho do caju. “Contei com a ajuda dos estudos da Embrapa Meio Norte (PI). Coincidentemente uma pesquisadora de lá trabalhava em um projeto de desenvolver vinho de mel. Ela trouxe o conhecimento dos estudos e eu ingressei com a experiência”, diz. “Para a fabricação, a gente colhe o caju selecionado, retira-se o suco e leva para uma fermentação diferenciada. Neste projeto não pode haver contaminação, tanto que os equipamentos são especiais. Em média são percorridos 60 dias para ficar no ponto, onde o álcool é formado na fermentação da própria fruta. Depois vai para os tonéis de madeira para o envelhecimento”, descreve Silva.
Hoje o vinho de caju é comercializado em supermercados da cidade de Teresina. Recentemente, Lenildo demonstrou o produto, em Belém (PA), durante um evento e foi sucesso absoluto. “O vinho tem boa aceitação, principalmente entre os estrangeiros”, diz.
Neste ano, muito satisfeito o empresário pretende dobrar a produção, principalmente do vinho de caju. A meta é comercializar 60 mil litros. Atualmente, a Cooperativa de Produtores de Cajuína do Piauí (Cajuespi), que mantém 60 cooperados – e onde Lenildo é sócio-diretor –, produz 10 mil garrafas de cajuína e 53 mil potes de doce de caju por ano.
Além de ganhos, ele e os derivados do cajueiro trouxeram para a cidade de Teresina, a dignidade. “Os benefícios para os agricultores foram muitos, além da renda estamos divulgamos bastante o caju – que hoje já tem uma atenção especial do governo e vários programas de investimento para os pequenos produtores. Avançamos muito nessa área, mas temos muitas coisas ainda para fazer. Com fé em Deus, chegaremos lá”, argumenta. “Não tem nada melhor do que reconstruir a vida, adoçando a vida das pessoas”, diz Silva, lembrando das sábias palavras de sua mãe, quando vislumbrou faturar dinheiro com o caju.

Ajuda que veio caiu do Céu

Dados do IBGE revelam que entre os estados nordestinos, o Piauí se destaca como o segundo maior produtor de caju do Brasil, perdendo apenas para Ceará. No ano de 2008, foram cultivados 742 mil hectares (ha), com uma produção de 243 mil toneladas (t) de castanhas. Só no estado foram 184 mil (ha) de cajueiro, com uma produção de 68 mil (t). Os dados mostram 24,87% e 27,98%, respectivamente, da área colhida e produção, em relação aos obtidos no País.
Os números tão vistosos se devem graças aos órgãos governamentais e instituições que se juntaram para encontrar um meio de estimular o fortalecimento da cultura e aumento de renda para muitos produtores. Foi daí, também que surgiram as mini-fábricas de beneficiamento de castanha. O governo do estado criou um estoque regulador de castanha de caju, utilizando-se da infra-estrutura já existente no estado, principalmente nos municípios de Picos, São Raimundo Nonato e Parnaíba, grandes pólos produtores. “A Embrapa Meio Norte contribuiu com a tecnologia de produção, por meio de instalação de unidades de campo, assim como recomendação de cinco clones de cajueiro anão-precoce, visando melhorar a qualidade da matéria-prima”, diz o pesquisador da Embrapa Meio Norte (PI), José Lopes.
Além disto, cursos sobre o aproveitamento do caju foram aplicados pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)/ PI. “Houve um demanda pelo curso, em vários municípios do estado, onde há uma produção significativa. A idéia era evitar o desperdício do pedúnculo que chegava a quase 80%. Muitos produtores aproveitavam somente a castanha, desperdiçando uma parte do caju que poderia ser utilizada na produção de muitos derivados”, conta a gestora do Projeto de Cajucultura do Sebrae no Piauí, Geórgia Pádua.
Foi por meio destes projetos, que a Cooperativa de Produtores de Cajuína do Piauí (Cajuespi) se tornou um grande exemplo na busca de atingir novos mercados, melhorando determinados processos de produção e comercialização e, por que não, até a exportação. “Quem diria, teremos em breve um contrato para exportar para a Europa, principalmente para Portugal e Espanha”, afirmou Lenildo Lima e Silva.
Pelo menos no Piauí, o caju vale ouro. A cajucultura é uma das atividades de maior importância econômica e social para o estado do Piauí e para a população rural, principalmente durante a estação seca e pelo fato da maior parte dos plantios serem explorados por pequenos e médios produtores. No período da safra, saem diariamente da região semi-árida piauiense dezenas de caminhões frigoríficos com o produto, para abastecer o comércio do Centro-Sul do País. “O que falta tão somente é a divulgação dos produtos produzidos com o caju em outras regiões não produtoras, assim como um porto e zona de exportação para facilitar o envio da amêndoa para outros países”, avalia o pesquisador José Lopes.

Matéria Vinho de Caju
Vinho
Título: O vinho que vem do caju
Por: Fátima Costa


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