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À ESPERA DE NOVO ÂNIMO
rev 132 - fevereiro 2009

Apesar de sofrer com preços abaixo do custo de produção nos últimos meses, os produtores de borracha de São Paulo esperam se beneficiar com o aumento de consumo do mercado brasileiro

Responsável por grande parte da produção nacional de borracha natural (principal matéria-prima da indústria pneumática brasileira), o estado de São Paulo já viveu momento da grande expansão de seus seringais. Segundo dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) em 2004, a produção de borracha do gênero Hevea – Hevea brasiliensis, a nossa popular seringueira, chegou a 79.041 toneladas (t).Em 2007 (últimos dados divulgados pelo instituto), a produção atingiu 95.541 (t) de borracha, ou seja, um crescimento de 22%.
As condições climáticas altamente favoráveis que reduz o aparecimento do fungo Microcyclus ulei (causador do mal-das-folhas e principal prejuízo da cultura) e variedades mais resistentes foram fatores determinantes ao desenvolvimento da heveicultura em São Paulo.

De acordo com os estudos do IEA, a introdução da seringueira no estado foi fruto da política pública do governo, com o objetivo de se dispor novas alternativas agrícolas aos produtores. “Mas, a expansão da cultura foi retardada em, no mínimo, dez anos, devido à falta de política para o setor”, diz o presidente da Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor) e engenheiro agrônomo, Jayme Vazquez Cortez.
Hoje, a heveicultura paulista está concentrada no noroeste do estado, em municípios como São José do Rio Preto, Barretos, General Salgado, Catanduva, Marília, Tupã, Votuporanga, Araçatuba, Bauru e Jales. Atualmente 80% da produção são destinados à indústria pneumática e os outros 20% às indústrias leves; como farmacêutica e decoração, segundo dados da Apabor. Os números mostram: atualmente, a heveicultura paulista ocupa uma área plantada de 70 mil hectares, dividido por quatro mil (entre pequenas, médias e grandes) propriedades. “Havia a previsão de que, até 2020, a área de plantio fosse ampliada, visando reduzir o déficit entre produção e consumo de 289 mil (t) das indústrias brasileiras manufatureiras de borracha. Porém, perante a crise financeira e as quedas nos preços muitos produtores estão diminuindo as áreas de plantio. O que é possível estimar uma redução considerável nesta cultura, em São Paulo”, analisa.
Mesmo diante do cenário não muito favorável (veja A QUEDA DE BRAÇO DA BORRACHA), a expansão da heveicultura paulista, como em qualquer região, sempre teve seus entraves naturais, principalmente porque a primeira extração é possível somente após sete anos do plantio ou a partir do momento, em que a árvore atinge 45 centímetros de diâmetro de tronco. “Sem dúvida, um investimento demorado. Além de que, obviamente, não existe um plano financeiro para culturas de caráter permanente e que tenham um período muito longo de carência”, ressalta o presidente da Apabor, Jayme Vazquez Cortez.
Mas, devido ao aumento do consumo do mercado interno de borracha seca, muitos produtores rurais começaram a se motivar. Além disto, a elevação do quilo pago da borracha, na casa dos R$ 2, fez todos se animaram. “Países tradicionalmente produtores consideram o Brasil, o país do futuro em termos de produção de borracha e, principalmente São Paulo, pela disponibilidade de área, de mão-de-obra, genética e tecnologia já comprovada”, ressalta Cortez.

Pioneirismo e experiência perante a crise

Na época das vacas magras, alguns produtores rurais resolveram trocar antigas atividades pela heveicultura. Na Fazenda do Bosque, no município de Santa Rita D´Oeste (SP), o cenário em nada lembra as propriedades tradicionais da região (onde prevalecem a pecuária corte e leiteira, o cultivo da laranja e do eucalipto, banana e uvas), apesar de até hoje conciliar a plantação de mamão e milho. São 20 mil seringueiras em processo de sangria (extração de látex), 18 mil pés em fase de desenvolvimento e mais 80 mil recentemente plantados. “Este ano, ainda plantarei 100 mil pés e a meta é chegar até 300 mil”, afirma a produtora Raquel Bessa Carvalho Diniz.
Com 26 anos na atividade, ela não tem dúvida: “a seringueira é uma das culturas mais rentáveis, apesar da momentânea crise”, se entusiasma. “Acho que isto é passageiro e nós temos grande potencial para expandir cada vez mais, pela facilidade de produção”, diz a produtora, que aproveita até as folhas das seringueiras na fabricação de uma espécie de adubo, utilizado para proteger o solo, mantendo a temperatura das mudas recém-plantadas.
Na Fazenda do Bosque, a produção de seringueiras das variedades RRIM 600, clone PB e PB 235 atingem a excelência, cada árvore chega a 11kg/ano de coágulo (borracha seca conseguida, a partir da mistura com substância ácida própria para esse fim). Toda a produção é destinada até as usinas de beneficiamento de borracha, distantes a 200 quilômetros da propriedade. Raquel, que se diz apaixonada pela heveicultura, optou pela cultura graças ao incentivo de dois amigos e produtores, entre eles, Joaquim Junqueira Durval, pioneiro no cultivo na cidade de Barreto (SP). “Ninguém acreditava que estava trocando a pecuária pela seringueira. Porém, visualizei algo que realmente queria fazer. A borracha é muito útil em todos os setores. Além de ajudar no reflorestamento e não agredir ao meio ambiente mantém o homem no campo, garantido-lhe uma renda fixa e servindo como agricultura familiar”, comenta Raquel Bessa Carvalho Diniz.
Para quem anos atrás optou por trabalhar com seringueira o negócio era mais vantajoso. Esta é a opinião do produtor Antonio Carlos Di Tullio que investiu na heveicultura. Hoje, nos municípios de Monte Aprazível e Nhandeara (SP), ele tem duas propriedades, que gera boa renda. Há 18 anos, o heveicultor plantou as primeiras mudas e hoje são mais de 200 alqueires, sendo 100 em plena produção. Pelos cálculos do produtor são 100 mil árvores, com cada qual produzindo por ano, de 7 a 8kg/ coágulo. Para Tullio, hoje a alta produtividade da cultura está ligada diretamente à genética da planta, o manejo adequado e a mão-de-obra especializada. As mudas vêm oriundas da Malásia (Ásia), região dos grandes produtores mundiais de borracha. Na propriedade a variedade cultivada é a RRIM 600, que se adaptou bem à região, e é uma das mais procuradas pelos produtores. Atualmente, Tullio investe em 45 funcionários que trabalham em manusear o instrumento de corte e a administração da retirada do látex natural colhido da planta. Depois, o material segue dali até as usinas em São José do Rio Preto (SP).
Diferentes de outras culturas, como o cultivo de grãos, que vêm amargando prejuízos nos últimos anos, a produção de borracha agora que parece sentir os humores do clima do mercado mundial. Segundo Tullio, os preços atuais que estão em queda, nada lembram a grande crise da Ásia em 98 e 99, quando a oscilação do dólar levou os preços ao patamar de R$ 0,60, o quilo do coágulo. “Naquela época, o governo ajudou aos produtores subsidiando a diferença. Depois disto, a cultura evoluiu e com o dólar subindo a atividade se tornou rentável. Até novembro, o preço pago chegou a R$ 2,20 kg/ coágulo. Mas, com a crise financeira veio também a queda dos preços. A última cotação foi de R$ 1,50 e a previsão para os próximos meses, varia entre R$ 1,05 a R$ 1,12”, conta o produtor.
Quando o assunto são os preços pagos na borracha, muitos são categóricos e Tullio não foge à regra. Na sua opinião, toda vez que há uma oscilação no mercado sempre os produtores pagam as contas. “As usinas poderiam facilitar a vida de todos para termos novos estímulos. Muitos estão apreensivos com a situação do mercado”, comenta. “As indústrias pneumáticas aproveitam a crise e importam a borracha, pagando-se um custo muito baixo. O heveicultor brasileiro não é valorizado e ainda há uma concorrência desleal com a matéria-prima que vem da Ásia”, finaliza Tullio.

Quadro Diferenciado
A queda de braço da borracha

Que a crise financeira atingiu o setor primário de borracha isto é notável. Os heveicultores estão investindo menos em novos plantios e reduzindo custos, com os empregados, no caso de propriedades maiores. Até pouco tempo, o produtor e diretor da Associação dos Produtores de Borracha Natural de São Paulo (Aprobom) Luis Antonio Pelegrini, contava com a cotação firme da borracha no mercado internacional. “Os preços estavam bem altos. Podia se dizer que o negócio remunerava bem”, comenta. “Hoje, o mercado está ruim”, diz Pelegrini, produtor de 1.500 pés, do município de Santana da Ponte Pensa, na região de Jales (SP). “O mercado está paralisado. Normalmente, os prazos para os pagamentos eram de apenas uma semana, hoje é de 60 dias, sendo que a última cotação chegou a R$ 1,12”, ressalta.
Segundo o presidente da Aprobom – que agrega 30 pequenos produtores de 22 municípios paulistas – os produtores aguardam ansiosos uma reunião da câmara setorial onde serão discutidos assuntos sobre a crise e a sobrevivência da atividade neste momento. Situação esta não somente encontrada em São Paulo. Em janeiro, os produtores baianos passaram a receber o preço de R$ 1,00/kg de coágulo de campo com DRC (parâmetro que indica a quantidade de borracha seca obtida) de 55%, valor que segundo os produtores inviabilizaria a exploração de borracha na região. Para alguns heveicultores, diante do quadro, torna-se difícil manter a atividade, tendo em vista os elevados encargos com mão-de-obra e a previsão de aumento do salário.
Para o gerente comercial da Usina Noroeste Borracha, Paulo Cezar Martins, por ser a borracha natural uma commodity, o preço nacional é fortemente influenciado pelo comportamento do mercado internacional e acompanha a alta do petróleo. “Quando você tem um pneu ou qualquer material que utilize borracha você pode utilizar um percentual de sintético e de natural. Se o petróleo for caro, você vai utilizar mais natural. Quando o preço do petróleo cai, fica mais barato a sintética e o preço da natural tem que cair porque as empresas utilizarão mais sintéticas”, diz Martins.
Com a crise, o gerente prevê uma redução de produção por parte dos pequenos produtores. “Já o grande heveicultor está investindo e aguardará um bom momento para comercializar o produto. Embora temos usinas trabalhando com ociosidade”, analisa.
Paulo Cezar Martins lembra que no passado foi feito uma resolução estipulando os preços da borracha antecipadamente à comercialização. “O preço de abril, por exemplo, já foi definido em março. Com isto, é injusto falar que ocorre cartel ou há monopólio”, frisa. Para o gerente, os produtores aproveitaram os benefícios do passado, justamente com a alta do dólar e a principal reclamação do heveicultor são os custos com a mão-de-obra especializada. “Normalmente, o empregado (sangrador) trabalhava em um regime onde recebia parte da produção. Mas com a queda de preços houve também redução salarial. Este cenário se repete a qualquer cadeia produtiva. Hoje, os produtores estão optando pelo pagamento do salário fixo”, ressalta Martins. “Todos os setores foram atingidos e novos custos com mão-de-obra e produção foram repassados também para (nós), usineiros”, diz. “Mesmo diante destas condições, a seringueira ainda é uma cultura viável e rentável à espera de novo fôlego”, finaliza Martins.

Matéria Seringueira
Borracha
Título: À espera de novo ânimo
Por: Fátima Costa


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