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DEDO DE PROSA - Marc Van Montagu
rev 183 - maio 2013

Os pioneiros da Revolução Genética. O responsável pela obtenção das primeiras plantas resistentes a insetos e tolerantes a herbicidas, o belga Marc Van Montagu, fez uma passada rápida no Brasil no começo de abril. O pioneiro nos estudos em transgênicos esteve em Bento Gonçalves (RS) no 4º Simpósio Brasileiro de Genética Molecular de Plantas, promovido pela Sociedade Brasileira de Genética. Em entrevista ao repórter Fábio Moitinho, Montagu deu detalhes sobre o início dos estudos nessa área e as implicações futuras que essa tecnologia proporcionará à agricultura.

Revista Rural – No início de sua descoberta, a de promover a união de genes distintos numa mesma planta, o senhor já imaginava a grande repercussão que isso teria para o desenvolvimento da agricultura?
Marc Van Montagu –
A questão é formulada de um jeito estranho. Posso entender que o conceito de gene e genoma (que é a soma de todos os genes presentes numa dada espécie, que nesse caso seria uma de interesse agrícola) não é tão fácil de explicar. Aos interessados, tenho de expor um quadro para explicar isso: desde mais de dez mil anos o homem trabalha no cultivo de plantas. Isso indica que ele tenha cruzado variedades da mesma espécie de planta, como o milho, por exemplo, que o levou a selecionar uma nova variedade que terá propriedades mais benéficas de ambas cultivares iniciais, agora, unidas numa só. Na primeira metade do século 20, houve quem começou a entender que há unidades responsáveis por cada característica na planta, que chamamos de genes. Um gene era então uma unidade abstrata. Não se podia conhecê-la verdadeiramente, química ou fisicamente. Na segunda metade do século 20, aprendeu-se que um gene é um segmento de uma muito, muito longa macromolécula chamada DNA. Em cruzamentos convencionais, feitos por selecionadores, grandes segmentos de DNA passaram de um organismo a outro, cada qual contendo muitos genes (dezenas ou até centenas). Nós desenvolvemos uma tecnologia capaz de adicionar a uma dada cultivar um número limitado de genes. Atualmente, é comum chamar plantas que contêm novos traços genéticos através dessa tecnologia, por plantas [geneticamente modificadas] GMs ou [organismos geneticamente modificados] OGMs [os transgênicos]. Quando começamos, fomos taxados por equipes de pesquisa fundamental como profissionais sem muita consideração pela agricultura, fato que até então não sabíamos. Assim como criadores e fitologistas não conheciam a base molecular do que estava acontecendo quando eles selecionaram uma nova cultivar. Mas no final da década de 1970, muito antes de termos provado que o método permitiu construir uma planta com uma nova propriedade, alguns cientistas advogaram todos os milagres que poderiam surgir, como plantantações que não mais precisariam ser fertilizadas pela ideia de que ela poderia fixar o nitrogênio do ar, assim como os micro-organismos que induzem espécies leguminosas a fazer essa captação através de nódulos nas raízes.

Rural – Quanto tempo levou esses estudos? O senhor se baseou em quais trabalhos ou métodos para garantir o primeiro exemplar transgênico?
Montagu –
Levou uns bons cinco anos antes de entendermos a interação entre essa bactéria de solo (Agrobacterium) e a planta. Então, outros oitos anos antes de podermos alterar o mecanismo natural de engenharia do gene que estava envolvido nessa bactéria, para usá-la pela liberação e expressão de um gene de escolha numa planta modelo. Ao todo, a pesquisa levou cerca de 30 anos, e a planta modelo utilizada foi o tabaco.

Rural – Gostaria que o senhor descrevesse o objeto do estudo que o levou a essa descoberta. Por exemplo, quais os genes (e por que esses genes) que o senhor trabalhou e como se deu esse processo?
Montagu –
A história é um pouco longa… No começo, percebemos que algumas estirpes de Agrobacterium induziam a proliferação de células numa planta infectada, outras não. Pudemos demonstrar que aquelas plantas que não se infectaram tinham um círculo extra de DNA, o qual chamamos de plasmídeo Ti. Depois de sabermos dos resultados de alguns pesquisadores franceses (Morel e Tempé), que a estirpe de Agrobacterium que induzia a proliferação de células (chamadas de cecídios [hipertrofia ou neoformação de tecidos vegetais]), e também determinava que esses cecídios contivessem um novo tipo de pequenas moléculas. Algumas dessas estirpes forçou a planta a produzir um tipo de molécula. Outro tipo de Agrobacterium desenvolveu outra molécula. Em cada caso, a molécula fez com que os cecídios das plantas induzissem-na a asbsorver Agrobacterium como um nutriente. Dizemos que a molécula induzida pode ser usada como fonte de carbono e nitrogênio por essa específica estirpe de Agrobacterium. Então é a estirpe bacteriana, e não a planta em si, que determina qual composto será feito. Postulamos que foi essa bactéria que fez a engenharia genética na planta. Por conter esse plasmídeo Ti, houve a obtenção da capacidade de introduzir o gene (ou genes) a forçar a planta colonizada a sintetizar o novo composto. Então temos demonstrado os detalhes moleculares de como isso ocorre. Isso comprova que, de fato, esse é um evento de engenharia genética. Logo depois, houve uma corrida entre o laboratório de Mary-Dell Chilton, em Saint Loius, no Estado de Missouri, nos Estados Unidos e nós. [Chilton é uma renomada pesquisadora que fundou a Incorporação de Biotecnologia Syngenta (SBI)]. Simultaneamente descobrimos que a cópia de um segmento do plasmídeo Ti era tranferido da bactéria para o núcleo celular da planta e lá se integrava estavelmente no cromossomo. Isso quer dizer que esses genes de origem bacteriana tornaram-se parte do genoma da produção de tecido e herdado por todas as células a partir da divisão celular no cecídio. O próximo passo foi construir plasmídeos que poderiam transferir e inserir um segmento de DNA sem a formação de cecídios. Isso significa a obtenção de células sadias que podem se regenerar numa planta normal e fértil, e, ainda, expressando esse novo gene que antes era de um plasmídeo bacteriano. Os resultados desse estudo foram apresentados em janeiro de 1983 num simpósio da Nature [a mais importante publicação cientítica do mundo] em Miami (EUA) por três grupos, uma equipe da Monsanto (Rob Fraley e Rob Horsch), Mike Bevan e Mary-Dell Chilton, e a equipe Ghent, a qual contava com Luis Herrera, um então estudante graduado do México como primeiro autor do estudo. Nosso trabalho estava sob a direção de Jeff Schell e minha.

Rural – O senhor tinha receio de que causaria também opiniões contrárias a essa linha de estudo? Quais foram as reações que foram provocadas no início?
Montagu –
Não tive receio. No princípio dos anos de 1970, no início da engenharia genética bacteriana, alguns ativistas como o advogado Jeremy Rifkin alardeavam algumas “preocupações científicas” e começou-se uma onda de medo e anúncio de cenários de fim dos tempos; já em 1974, organizamos o primeiro encontro científico em Ghent, Bélgica, onde todo esse conhecimento estava disposto a ser analisado. Muitos participantes, agora ganhadores de Prêmio Nobel, concluíram que não poderiam ver um perigo inerente dessa tecnologia, mas que isso seria uma boa oportunidade para estudar mais afundo essa nova tecnologia. O próximo encontro foi em fevereiro de 1975, na Califórnia (Asilomar) onde uma moratória foi requerida em função de algumas transferências genéticas, quando vírus periogosos foram envolvidos. Rapidamente, foi entendido que não havia algo inerentemente perigoso na metodologia, e essas recombinações de organismos, feitas em laboratório, eram substancialmente equivalentes a todas os eventos de recombinação observados na natureza. Essa é a consequência que se tem em cruzamentos na agricultura e pecuária ou em tensões construídas por microbiologistas de batérias, leveduras ou fungos, e virologistas. Desde a metade dos anos 1980, ninguém falava sobre atividades contra os transgênicos. As primeiras plantas que obtivemos, as quais tinham importantes características agrícolas, como resistência a insetos, tolerância a herbicidas ou que apresentavam vigor híbrido, poderiam ser testadas no campo sem os ataques destrutivos de ativistas. Naquela época, tínhamos cerca de 45 campos de testes na Bélgica, ao passo que nos Estados Unidos tinham poucos.

Rural – Pelo fato de também ser um estudo recente, na época em que o senhor fez o anúncio da descoberta, havia algum receio por parte do senhor acerca dos efeitos que a transgenia poderia causar ao homem ou ao meio ambiente?
Montagu –
Por que deveríamos? Não houve e ainda não há um cenário porquê essa tecnologia seria mais perigosa para a saúde ou para o meio ambiente do que o próprio cruzamento convencional de plantas. Tudo depende do que essa construção genética faz. A preocupação de fato estavam no aumento da população mundial, que já tinha triplicado nos últimos 50 anos, na poluição gerada pela insustentável produção industrial e no crescimento urbano. Depois da Revolução Verde, a Revolução Genética foi bem-vinda como uma tecnologia crucial para resolver nossos problemas ambientais.

Rural – Hoje está mais do que provado de que o transgênico veio para dinamizar o potencial agrícola mundial, quais deverão ser os rumos da genética vegetal? Já detemos grande parte da biotecnologia ou ainda faltam muitos campos a se pesquisar?
Montagu –
A tecnologia de transgênicos tem avançado em primeiro lugar em pesquisas fundamentais em plantas. Agora, essa área de pesquisa avança tremendamente a cada ano, no entanto, atos inconsiderados de entusiasmo de ativistas mal-informados tem trazido muita desinformação. É urgente que os cientistas do setor público, envolvidos em pesquisas fundamentais e aplicadas, aprendam a explicar à sociedade do que efetivamente se trata essa nova biotecnologia vegetal, e o porquê nosso planeta precisa urgentemente disso, e como fazer com que esses resultados possam ser aplicados por pequenas e médias empresas no atendimento às demandas da população. No entanto, isso só poderá ser feito se produtores rurais, convencionais ou transgênicos, se entendenderem com biológos moleculares e cientistas do meio ambiente para a cooperação em produzir, juntos, plantações que possam trazer uma intensificação sustentável da produção agrícola e da silvicultura em termos globais. Estamos certos de que ainda temos de descobrir muita coisa antes de entendermos a base molecular da diferenciação celular, o desenvolvimento de orgãos, a resposta sobre condições de estresse, a defesa da planta sobre doenças e assim por diante. Só poderemos ter êxito nisso se todo mundo abraçar essa causa.

Rural – Como o senhor acha que tem andado o campo de pesquisas na área de genética vetegal? A qualidade dos temas e descoberts apresentadas tem sido efetivamente valiosas?
Montagu –
Absolutamente. É essencial que a curiosidade básica guie a pesquisa, pois ela traz a agradável e inesperada coincidência de levar cientistas bem informados à inovação. O essencial sempre será a necessidade de trabalhar não só sistemas modelo. Biólogos moleculares tem chegado muito perto de agronomistas, reprodutores e fitopatologistas para o entendimento das diferenças nas raças de solo. Não podemos prever fatos e a osbervação nos guiará e trará novo conhecimento e inovação, por isso, a genética vegetal é crucial. Pode ser até um trabalho entediante, mas é certo que uma sociedade que investe em ciência terá o devido retorno. Ambos os Estados Unidos e a Europa sinalizam a necessidade pelo conhecimento baseado em bioeconomia. Para desenvolver este conceito com sucesso teremos de confiar fortemente na genética vegetal.

Rural – Muito se aplica essa tecnologia a efeitos antagônicos a pragas e doenças, o próximo passo seria garantir maior captação de nutrientes pela planta ou a resistência hídrica?
Montagu –
Sim, apesar das perdas por doenças ainda não estarem totalmente sob controle. Para muitas doenças fúngicas, não temos boas espécies resistentes. Doenças virais, por exemplo, evoluem rapidamente e podem ser bem devastadoras. O trabalho de proteção por estresse biótico deve ser acelerado porque temos agora boas evidências que a adição de um grupo de genes antipatógenos é bem tolerada pela fisiologia da planta. Uma vez que são, na sua maioria, a partir de genes de origem microbiana, eles interagem menos com os mecanismos moleculares da planta. A alteração da fisiologia vegetal é frequentemente mais difícil devido às múltiplas interações e controles que são envolvidos ao longo da evolução. Por isso o progresso é lento, com uma necessidade de múltiplos campos de teste. A ideia se torna inacessível ao setor de centros de pesquisas públicas na Europa devido a sobrerregulação do tão chamado princípio de alta precaução. Concordo que certamente vamos precisar terrivelmente de um melhor suporte para tais pesquisas.

Rural – Gostaria que o senhor ressaltasse uma pesquisa brasileira que chamou a atenção nessa área, e o quanto essa descoberta tem a contribuir com o desenvolvimento da agricultura?
Montagu –
O Brasil está bem posicionado com o suporte que é dado à pesquisa fundamental, como por exemplo o Programa Ciência Sem Fronteiras, e com os esforços da equipe de pesquisadores da Embrapa que têm dirigido há 40 anos pesquisas fundamentais e aplicadas numa só organização. Um exemplo de destaque é o trabalho do professor Aragão [Francisco Aragão, pesquisador e engenheiro agrônomo da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília (DF)] sobre o feijão resistente a vírus. Trata-se de uma inovação crucial para milhões de pequenos produtores brasileiros. Será um grande prazer chamar nossa organização, o Instituto Flamengo pela Biotecnologia (VIB) [instituto de pesquisas das ciências da vida sediado em Flanders, na Bélgica], e a Embrapa para cooperar e fazer o bom uso de nossas habilidades mútuas.


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