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Roberto
Rodrigues - "Câmbio ainda é o maior inimigo
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143 - janeiro 2010
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Roberto
Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da
Fundação Getúlio Vargas o GV Agro
Para 2010, cautela nunca é demais ...O
balanço que faço é este: grãos
em geral foram bem com boa remuneração. Ruim
para café, laranja, carne e a cana no primeiro semestre,
mas que melhorou no segundo semestre de 2009.Na
verdade, esse mecanismo de câmbio devassado continuará
perturbando em 2010. O Brasil já está
se adequando. Há fazendas trabalhando na questão
da rastreabilidade, mas é preciso trabalhar com muito
mais vigor.......o governo pode fazer algumas
compensações.... Uma delas é a redução
tributária, é desonerar completamente as exportações
agrícolas. O
cenário para 2010 não é alegre é
um cenário conservador".
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É
preciso colocar as barbas de molho e apertar os cintos para
atravessar este ano que deve ser complicado. Este é
o ponto de vista do coordenador do Centro de Agronegócio
da Fundação Getúlio Vargas o GV
Agro Roberto Rodrigues.
Em entrevista concedida à Revista Rural, o economista
falou como será este ano, em relação ao
agronegócio no País (após um 2009 cheio
de especulações e depois de um cenário
de crise financeira internacional).
Durante a entrevista, ele apontou os maiores entraves e quais
serão as saídas para o produtor e para o mercado.
O especialista formou-se em engenharia agrônoma pela Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, (Esalq)
de Piracicaba (SP). Produtor de soja e de cana-de-açúcar,
empresário, professor, e após três anos
à frente do Ministério da Agricultura (entre 2003
e 2006), Roberto Rodrigues consolidou sua posição
de liderança no setor e é uma das maiores referências
quando o assunto é o agronegócio brasileiro.
Revista Rural Depois da crise financeira mundial que
surgiu em meados de 2008, e que até certo modo não
afetou alguns setores da economia brasileira, qual foi a real
situação da agricultura brasileira em 2009?
Roberto Rodrigues - O ano de 2009 foi até surpreendentemente
positivo. Embora os custos de produção da safra
plantada em 2008 e colhida em 2009 tiveram subido muito, a crise
acabou elevando o valor do dólar internamente e os preços
caíram em dólar lá fora. Acho que com a
vantagem cambial que nós tivemos, os produtores, em geral,
se compensaram na remuneração das commodities
no ano de 2009, no caso da soja, milho, algodão, etc.
De modo geral, para as commodities agrícolas, o ano não
foi ruim. Foi apenas muito ruim somente para quatro produtos:
café, porque os custos de produção estiveram
muito acima dos preços praticados; laranja, pela mesma
razão e, aqui tem um problema adicional, pois o consumo
do suco e da laranja caiu no mundo por causa da crise financeira;
as carnes que sofreram muito, sobretudo, com a desvalorização
cambial no segundo semestre; e o quarto produto que foi muito
ruim no primeiro semestre e melhorou no segundo foi a cana,
que já vem a anos com os preços baixos, do álcool
e do açúcar. Porém, aconteceu da Índia
passar por um período de seca muito grande, nos últimos
dois anos, deixando assim de exportar o açúcar.
Com isto, o Brasil assumiu a liderança mundial com quase
metade do açúcar vendido no mundo inteiro, no
ano de 2009, com preços mais altos dos últimos
25 anos. Isto acabou no segundo semestre compensando um pouco
as perdas de anos anteriores. Conclusão, o balanço
que faço é este: grãos em geral foram bem
com boa remuneração. Ruim para café, laranja,
carne e a cana no primeiro semestre, mas que melhorou no segundo
semestre de 2009.
Rural Em 2009, todos os especialistas projetavam um período
de cautela, onde o agricultor deveria manter sua liquidez e
no qual o governo deveria oferecer suporte aos preços
no mercado interno e às agroindústrias na tentativa
de centralizar esforços para manter as vendas externas.
Isto realmente aconteceu?
Rodrigues Não aconteceu de fato. Na prática,
o governo realmente colocou o dinheiro à disposição.
Havia até um bom volume de recursos, praticamente um
total de R$ 10 bilhões, sobretudo, para frigoríficos
e usinas de açúcar e de álcool. Porém,
existe a burocracia que limita o acesso ao crédito, ou
seja, o dinheiro estava disponível, mas não chegou
aonde teria de chegar, de modo que o resultado não foi
positivo. Por outro lado, o mercado estreitou muito no mundo
inteiro e os preços também caíram. A Antecipação
de Crédito de Câmbio (ACC) que as usinas utilizam
oferecida por tradings ou bancos privados, que é o credito
para exportação, também ficou um pouco
cara e não chegou em hora adequada para os exportadores.
Com isto, houve uma redução nas exportações
e os valores caíram bastante em 2009. E muito embora
o governo tenha tomado às providencias necessárias,
na área financeira, o processo não se completou.
Rural Alguns analistas apontaram que no ano de 2009,
os principais entraves foram as dificuldades de comercialização,
maior rigidez na concessão do crédito rural, redução
de 8% no uso de fertilizantes nas lavouras e queda da área
plantada na safrinha de inverno de milho. Será que o
País poderá ter os mesmos problemas em 2010?
Rodrigues O maior entrave de 2009 e que apareceu no segundo
semestre foi o problema cambial, e que poderá persistir
em 2010. Porque na verdade o Brasil se transformou num País
interessante para os investidores estrangeiro. Ele tem hoje
uma economia estabilizada, com as instituições
bastante críveis e uma inflação totalmente
debelada pelo governo, com as suas consequências e consistências.
Além disto, o anúncio do pré-sal produziu
uma outra onda, a injeção de dólar no Brasil,
apesar da exploração ocorrer daqui a 10 anos,
mas o dólar já veio aproveitando os investimentos
que virão no futuro e esta situação é
praticamente irreversível. Em função disto,
o câmbio ficou ruim para quem exporta e para quem compete
com produtos que podem entrar e sair do País. Só
que a agricultura depende disto, vários produtos têm
a maior parte da sua condição no mercado internacional,
no caso da soja, e, particularmente, o suco de laranja. Na verdade,
esse mecanismo de câmbio devassado continuará perturbando
em 2010.
Rural Além destes problemas poderão ocorrer
outros em 2010?
Rodrigues - Tem outros problemas também, sendo um deles
ligado ao câmbio indiretamente. Nós plantamos a
safra de verão, no final de 2009, com insumos comprados
a um câmbio de R$ 1,90 e vamos colhê-la com um câmbio
de R$ 1,60. Então tem um descasamento. Além do
câmbio em si ser um problema, o descasamento no preço
final na colheita também é um pepino.
E tem outro problema que é a excessiva produção
de alguns produtos, que é o caso da soja, que teve recorde
mundial de colheita no ano de 2009, nos Estados Unidos, no Brasil
e na Argentina, que são os três grandes produtores.
Isto levará a um aumento no estoque mundial da soja na
ordem de 50 milhões de toneladas e como consequência
o preço tende a cair. Alguns analistas já falam
numa soja a R$ 8 o bushel, outros falam em R$ 9, e até
R$ 7, o bushel. De qualquer maneira, é menos do que foi
o ano de 2009, que chegou a R$ 11 a R$ 12, o bushel. Isto significa
problema para a soja e para o milho, que igualmente tem estoque
muito grande e depende bastante do comércio de carne
que, por sua vez, está impactado por causa do câmbio.
Há também um problema adicional quanto à
carne suína. Dependemos muito da Rússia e precisamos
de mais mercado. Só que para isso, o setor está
fazendo a sua parte. Na carne de frango, se a China cumprir
o compromisso que assumiu e passar a comprar do Brasil, nós
teremos boas perspectivas, das carnes, é a que tem mais
condições e isto implica em mais consumo de soja
e de milho, mitigando um pouco os problemas de estoques mundiais,
reduzindo os preços também. O algodão,
por fim, teve uma replantação menor em 2009, o
que aumentou os preços no mercado internacional em dólar,
mas o câmbio tirou essa vantagem. Vejo 2010, um ano complicado
para as principais commodities. Por outro lado, café
e laranja, não têm nenhuma perspectiva de melhora
significativa, porque as condições negativas continuam
acenando, embora o café, seja evidentemente ligado à
especulação, já que não faz sentido
nenhum, uma vez que a oferta e a demanda estão bem equilibradas
e o suco de laranja continua no mesmo cenário, no segundo
semestre de 2010. Portanto, ruim também em 2010. Com
isto, a cana é a grande beneficiada pelo processo da
seca na Índia, só espero que os preços
de cana em 2010 compensem as perdas dos últimos anos.
De qualquer maneira, o cenário para 2010 não é
um cenário alegre é um cenário conservador.
E preciso colocar as barbas de molho e apertar
os cintos para atravessar este ano que deve ser complicado.
Rural - E por falar em câmbio, alguns especialistas defenderam
uma revisão da política cambial, dizendo que o
setor agrícola está perdendo rentabilidade com
o real supervalorizado ante o dólar. O ideal, na avaliação
deles, seria que a moeda norte-americana estivesse cotada em
R$ 2,20. De acordo com eles, com as cotações nos
níveis atuais que em 16 de dezembro valia R$ 1,75
-, os empresários do agronegócio tendem a ficar
desestimulados e endividados. De que forma o governo poderá
auxiliar o produtor?
Rodrigues - O ideal para mim não é R$ 2,20, ou
R$ 2,30 e até R$ 3, o dólar (brincadeira....risos).
De fato, a questão cambial está afetando duramente
a nossa condição competitiva no caso das carnes,
particularmente. É muito difícil que o governo
mude a política cambial. Na verdade é uma das
âncoras da política econômica como um todo,
assim como a questão da taxa de juros, portanto, é
difícil uma mudança profunda. Acho complicado
uma mudança, digamos, radical na política cambial
que permita vantagens para o setor primário da economia.
Porém, o governo pode fazer algumas compensações,
todas elas complicadas também. Uma delas é a redução
tributária, é desonerar completamente as exportações
agrícolas, zero de imposto até porque exportar
imposto é uma burrice sem precedentes, e
não só para a agricultura, mas para a agroindústria
e a cadeia produtiva como um todo. O segundo é colocar
crédito para exportação abundante e barato
para compensar de alguma forma o desequilíbrio na questão
cambial. E o terceiro, é o que ele já está
fazendo, comprando dólar, comprar muito mais dólar
para com isto tentar reverter esse desequilíbrio cambial.
Todas às questões são complicadas e tem
a ver com a política tributária com a política
fiscal, naturalmente que a Receita e nem o sistema financeiro
não gostarão dessas ideias, mas é preciso
que algumas ações sejam tomadas para minimizar
os prejuízos dramáticos que o setor sofrerá
por causa do câmbio, valorizado pelo real, valorizado
como está hoje.
Rural - No setor da pecuária vimos que ao longo deste
ano muitas transformações acontecerem. No seu
ponto de vista, quais são as pendências que ainda
impedem o País de explorar integralmente as possibilidades
do mercado europeu de carnes?
Rodrigues - Tem duas questões centrais: uma delas é
ligada à abertura de mercados importantes, como o: Japão,
Coréia e os Estados Unidos, por exemplo, para carne in
natura. Esses países insistem em não abrir
seus mercados com um argumento totalmente errado, precário
e obviamente movidos por interesses comerciais. O argumento
que eles usam é que o Brasil ainda tem regiões
que não estão livres da febre aftosa com vacinação.
Isto é uma tolice, se pensamos no tamanho do País
e se pensarmos que o Brasil exporta carne das áreas livres
de aftosa com vacinação e sem vacinação,
como é o caso de Santa Catarina. Isto é que precisamos
resolver. O governo e o setor têm feito um esforço
muito grande para abrir o mercado, mas eles são difíceis
e complicados, pois há interesse comercial e que estão
evidentes nesses processos. Para isto, precisamos resolver problemas
internos, ter clareza e assumir compromisso definitivo para
eliminar essa história do Brasil, que é tema recorrente
e que deveria que ter sido resolvido há muito tempo.
O segundo problema é o da União Européia
que fechou o mercado a pouco mais de um ano, com o argumento
que a rastreabilidade não funcionava aqui. O Brasil já
está se adequando. Há fazendas trabalhando na
questão da rastreabilidade, mas é preciso trabalhar
com muito mais vigor neste processo e também fazer promoção
comercial adequada para que possamos avançar. A Associação
Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec)
e a Associação Brasileira de Frigoríficos
(Abrafrigo) estão trabalhando nisto com valor de agregação,
mas é preciso condições claras do governo
e do setor. Há uma concorrência dura. Nós
temos uma competição formidável, mas é
preciso resolver, fazer a lição de casa com a
defesa e com a rastreabilidade interna, para eliminar de uma
vez por todas as barreiras que nos são colocadas. |
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