|  
                   Aqui 
                    no Brasil, o primeiro animal Santa Gertrudis veio como um 
                    presente ao então presidente Getúlio Vargas 
                    (1882-1954) dado pelos proprietários do King Ranch 
                     isso, por volta da década de 1950. Quem conta 
                    essa história é um dos criadores e selecionadores 
                    mais respeitados da raça no País, o americano 
                    Carson Zachary Geld, da fazenda Pau DAlho, no município 
                    de Tietê (SP). A idade, 80, e as sequelas deixadas por 
                    um acidente vascular cerebral (AVC) em 2005 de forma alguma 
                    apagaram as lembranças daquela época. De acordo 
                    com Carson, Vargas ganhara um touro da linhagem de Monkey 
                    que foi dado a um japonês, muito amigo do 
                    presidente. Ao saber disso, um grande fazendeiro da época, 
                    Guilherme Campos Salles, acabou conseguindo esse touro. 
                    King Ranch ficou muito bravo, porque ele não 
                    queria deixar aquele sangue para outras pessoas estranhas, 
                    lembra Carson. Então foi Campos Salles que pegou 
                    esse touro e começou a disseminar a raça aqui 
                    no Brasil. Posteriormente, o próprio King Ranch 
                    se instalou no País para trabalhar a raça a 
                    fim de melhorá-la e também desenvolvê-la 
                    em cruzamento industrial. 
                     
                    A vinda ao Brasil 
                     
                    Atualmente, a raça mostra-se bem adaptada ao frio da 
                    região Sul e melhor ainda ao calor do Centro-Oeste 
                    e Norte brasileiros. Um trabalho de seleção 
                    que contou com a vinda da família Geld em 1953. Carson 
                    e a esposa, Ellen Bromfield Geld, trocaram o solo norte-americano 
                    para se aventurar num país que dava sinais de industrialização. 
                    O convite para se mudar para cá, segundo Ellen, partiu 
                    de um fazendeiro daqui do Brasil, que visitava a propriedade 
                    do pai dela, próxima ao município de Mainsfield, 
                    Ohio, nos EUA. O produtor tinha por objetivo desenvolver um 
                    projeto semelhante ao do pai dela em solo brasileiro. 
                    A propriedade de referência era de Louis Bromfield (1896-1956), 
                    que além de fazendeiro também foi um escritor 
                    muito conhecido. Na fazenda Malabar, ele desenvolvia um trabalho 
                    interessante em conservação de solo. Lá 
                    havia de tudo um pouco, como a cultura de grãos e criações 
                    como gado, carneiro e porco. A intenção daquele 
                    visitante era implantar uma Malabar em terras brasileiras. 
                    Segundo Ellen, a partir do relato dele, as pessoas que estavam 
                    produzindo alimentos aqui no País, naquela época, 
                    estavam mudando para a cidade, em função da 
                    ideia de prosperidade que o processo de industrialização 
                    trazia, e, por isso, a produção de alimentos 
                    se enfraqueceria. Então, ele queria, entre outras 
                    coisas, provar que no Brasil você poderia plantar tudo 
                    que se planta no mundo inteiro. Ele queria formar uma fazenda 
                    nos moldes da de meu pai. 
                    O convite foi feito e apesar do Brasil jamais estar nos planos 
                    do casal Geld, o desejo por uma terra só deles, para 
                    fazer o que bem entendessem com ela, os trouxe pra cá. 
                    Nós estávamos num momento de decidir o 
                    que fazer, e queríamos realmente de ter uma propriedade 
                    realmente nossa, conta Ellen. Ele convenceu a 
                    gente, e, de repente, aparecemos aqui, com filho e cachorro, 
                    lembra bem humorada. 
                     
                    A seleção do Santa Gertrudis 
                     
                    O trabalho de seleção na fazenda Pau DAlho 
                    começou a partir do plantel do King Ranch daqui do 
                    Brasil. Nós pensamos, essa é uma 
                    raça nova, conta Ellen. Então 
                    vamos pegá-la para divulgar, para não entrar 
                    no meio de zebu, porque todos, na época, criavam. Compramos 
                    o boi daqui, formamos pastagens, e levou tempo. A criação 
                    tornou-se um desafio para o casal Geld. Os animais precisavam 
                    de correções na pele, que era muito solta, e 
                    no umbigo, muito longo, por exemplo. Características 
                    que foram aos poucos sendo amenizadas, até chegar num 
                    animal precoce, rústico e que se desenvolve bem mesmo 
                    em condições baixas de pasto. 
                    As participações em feiras e exposições 
                    foram mostrando o tipo de trabalho que deveria ser desenvolvido 
                    com o gado. Numa dessas ocasiões, lembrada por Carson, 
                    a fazenda levou uma novilha que seria o grande sucesso da 
                    exposição, capaz de desbancar todas as outras 
                    e levar o troféu de grande campeã  era 
                    uma das primeiras vezes que a família Geld participava 
                    de uma pista de animais. Segundo, o selecionador, era uma 
                    exposição no Parque da Água Branca, na 
                    década de 1960, em São Paulo (SP). 
                    Tinha um juiz americano que veio, o nome dele era John 
                    Craicker. E nós tínhamos essa novilha que achávamos 
                    que era a top, bonita, 100%. Ela foi resultado de uma seleção 
                    de animais importados dos Estados Unidos. Então nós 
                    achávamos que íamos ganhar a taça. Aí, 
                    entraram na pista todas as novilhas de todos os criadores 
                    e a nossa novilha. Depois o juiz foi apontando todos os defeitos 
                    dos animais que estavam na pista. Quando ele chegou no nosso 
                    animal, ele disse que poderia ficar falando por um ano sobre 
                    os defeitos dela, relata com muito bom humor sobre a 
                    situação, e Ellen, nesse mesmo tom, disse ainda: 
                    Ela tinha todos os defeitos. Nós ficamos furiosos, 
                    com o Craicker. Mas ele acabou sendo um grande amigo nosso. 
                    Hoje a história se reverte, segundo Carson. Se 
                    25 animais entram hoje em pista, todos eles apresentam boas 
                    qualidades da raça e podem ser premiados, diz 
                    o pecuarista. Episódios como esse da novilha serviram 
                    de lição para o melhor desenvolvimento da seleção 
                    do gado. Um exemplo disso se reflete no concurso entre as 
                    fêmeas do Santa Gertrudis, promovido pelo casal há 
                    25 anos, o Novilha do Futuro  o último, realizado 
                    no dia 4 de abril deste ano. O evento reúne os criadores 
                    da raça para avaliação dos animais que, 
                    para participarem, devem estar com prenhez confirmada e com 
                    parição até os 24 meses de idade. Hoje 
                    em dia é cada vez mais difícil julgar [as novilhas], 
                    destaca Ellen, porque elas se aperfeiçoaram tanto 
                    que estão ficando todas iguais, como devem ser, como 
                    qualquer raça de gado. Então com o tempo elas 
                    foram absorvendo o sangue de outras raças, e se traduzindo 
                    isso em Santa Gertrudis. Além da avaliação 
                    dos animais, o Novilha do Futuro também se destaca 
                    pela venda desses exemplares de puro sangue em leilão, 
                    como uma forma de disseminação de uma boa genética 
                    aos criadores do País. 
                     
                    Adaptação às necessidades de mercado 
                     
                    A dedicação a uma raça requer um trabalho 
                    técnico de avaliação sobre que tipo de 
                    animal o mercado pede, e o que se deve fazer, em termos de 
                    manejo, para atingir esse padrão. Nesse sentido, a 
                    Associação Brasileira de Santa Gertrudis (ABSG) 
                    pôde divulgar e auxiliar a disseminação 
                    da raça em todo País. Um trabalho que contou 
                    com a participação de José Arnaldo Amstalden, 
                    superintendente técnico da associação. 
                    Foram 35 anos dedicados ao melhoramento da raça. E 
                    ao longo desse período, Amstalden percebeu a necessidade 
                    de mudança morfológica do animal que o mercado 
                    exigia. Isso tornava o trabalho com a raça desafiante. 
                    Segundo ele, no início o animal tinha de ser de conformação 
                    mais compacta e de estatura média para mais baixa. 
                    Depois, isso mudou totalmente. O que se exigia era um animal 
                    mais alto, pesado e de terminação mais tardia. 
                    Na década de 1990, isso tudo mudou novamente. 
                    Voltou-se ao animal de estatura mediana, com uma boa cobertura 
                    de carne, de acabamento rápido e que depositasse o 
                    mínimo de gordura, lembra. 
                    Pelo mesmo processo tiveram de se adaptar as demais raças 
                    desenvolvidas no País, mas o trabalho que realmente 
                    importa, segundo Amstalden, está nas características 
                    produtivas do Santa Gertrudis, como a funcionalidade, desenvolvimento 
                    rápido e precocidade. Se for fêmea tem 
                    de parir todo ano, e já iniciar cobertura em torno 
                    de 15 a 18 meses, em regime de campo. O touro tem de caminhar 
                    bastante, possuir bons cascos, ter boa libido e fazer um bom 
                    trabalho de cobertura a campo, mesmo em regiões mais 
                    extensas, enfatiza. 
                     
                    Produtos de qualidade 
                     
                    E todas essas qualidades estão presentes na raça 
                    e que produzem resultados bem interessantes no caso de cruzamentos 
                    industriais a partir dessa funcionalidade dos touros em vacas 
                    zebuínas. Eles produzem um animal muito interessante 
                    que é o meio sangue Santa Gertrudis, destaca 
                    Luis Fernando Doneux Jr., gerente de pecuária da fazenda 
                    Jatobá, em Itaí (SP). O resultado é 
                    um animal que vai ter precocidade, que vai ficar pronto mais 
                    cedo, com uma qualidade de carne excepcional. Nos cruzados, 
                    criados a campo, eles vão chegar com 27 a 30 meses 
                    prontos, com 17 a 18 arrobas. Mas eu já cheguei a confinar 
                    animais na fazenda com 14 a 15 meses prontos para o abate, 
                    atesta. Palavras de um bom conhecedor da raça há, 
                    mais ou menos, 20 anos. Em um dos trabalhos de registro de 
                    animais, que fez a convite da ABSG, em diversas regiões 
                    do País, Doneux pôde conferir a eficiência 
                    do rebanho. Eu fui vendo a adaptação da 
                    raça em condições extremas, no Rio Grande 
                    do Sul, e para minha alegria, no norte do País, Goiás, 
                    Centro-Oeste, a adaptação foi melhor ainda, 
                    conta. 
                    Atualmente sob o comando do criador Antonio Roberto Alves 
                    Corrêa, a ABSG, localizada em São Paulo (SP), 
                    congrega mais de 100 criadores, os quais são responsáveis 
                    por um rebanho estimado em cerca de 35 mil cabeças. 
                    Um número muito pequeno se comparado à população 
                    brasileira de bovinos de 169,9 milhões de cabeças, 
                    segundo dados de 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia 
                    e Estatística (IBGE). 
                    O Santa Gertrudis pode significar apenas 0,02% do rebanho 
                    nacional, mas é uma raça sintética nova, 
                    que está apenas há cerca de 70 anos presente 
                    mundialmente, e, aqui no Brasil, há cerca de 50 anos. 
                    Pelo resultado garantido nesse curto período, dá 
                    para sentir o quanto essa genética poderá desenvolver 
                    para a produção pecuária brasileira. 
                    Um destaque não só aos touros, mas às 
                    fêmeas desse sangue. Elas têm uma habilidade 
                    materna, uma habilidade de leite, elas desmamam uns bezerros 
                    muito pesados, então tem um índice, uma venda 
                    de bezerros, muito valorizada, destaca o presidente 
                    da ABSG. E isso vem proporcionando uma difusão 
                    da raça, para cruzamento, além do que, nós 
                    vemos, cada vez mais, que as pessoas estão terminando 
                    os animais com mais antecedência, e para isso precisam 
                    de um grau de docilidade que só o Santa Gertrudis tem. 
                   |