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                   Em 17 anos no cultivo de soja 
                    em Dourados (MS), a safra ser colhida em fevereiro será 
                    a pior, de acordo com o produtor Darci Lago Decian. “A 
                    chuva foi muito irregular na região, para se ter uma 
                    idéia, em uma área de minha propriedade chegou 
                    a chover cerca de 200 milímetros (mm) e em outra, 10 
                    quilômetros distante, foi registrado apenas 15 mm”, 
                    conta. Dos 1.600 hectares (ha) plantados, Decian estima uma 
                    quebra de safra que pode variar de 40% a 50%. Ao todo foram 
                    cinco semeaduras, de 10 de outubro a 23 de dezembro do ano 
                    passado – a variedade de soja mais prejudicada foi a 
                    superprecoce, que corresponde a 35% do total da área 
                    cultivada. “O investimento, a grosso modo, não 
                    é o melhor. Você gasta de R$ 220 a 230 com sementes, 
                    R$ 1.000 a R$ 1.300 com adubo, para receber R$ 15 a R$ 16 
                    pela saca, e ainda correr o risco de geada”, contabiliza 
                    Decian. 
                    Em situação semelhante está o produtor 
                    Carlos Gabriel Galego, de Vicentina (MS). A soja semeada de 
                    10 de outubro a 15 de novembro, numa área total de 
                    350 ha, deverá ter uma quebra de safra de cerca de 
                    49%. Numa área também de 350 ha, arrendada no 
                    município vizinho, Jateí, a produtividade será 
                    mais satisfatória – com uma oferta melhor de 
                    chuva, a lavoura deverá render 120 a 130 sacas por 
                    2,42 ha. Há 28 anos na lida com a lavoura, Galego se 
                    dedica à produção de soja e milho desde 
                    a década de 1990. 
                    Duas histórias com o mesmo desfecho: quebra de produção 
                    em função de falta de chuva. E são apenas 
                    duas histórias, que representam a realidade vivida 
                    por tantos outros agricultores sul-mato-grossenses, gaúchos 
                    e paraneneses – que amargaram uma longa estiagem neste 
                    ano safra 2008/2009.
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                    Dezembro histórico 
 
A época das águas chegou mais tarde em determinados municípios da porção sul de Mato Grosso do Sul. Dados da Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados, indicaram que dezembro (2008) foi o mais seco dos últimos 30 anos na região, atingindo uma média de 18 mm de chuva – foram apenas três naquele mês, todas inferiores a 10 mm. 
A irregularidade de precipitação, segundo informações do governo estadual de MS, foi caracterizada pela falta, escassez e má distribuição de chuvas. A região foi a mais afetada pela longa estiagem, e deverá amargar uma perda de 300 mil toneladas (t) de soja. Ao todo o estado poderá registrar uma quebra de safra ao redor de 550 mil t, num cenário mais otimista. “Em termos de renda, a queda do faturamento tem um impacto forte na economia da região”, declara Jerônimo Alves Chaves, superintendente de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Agrário da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do Comércio e do Turismo (Seprotur) do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul. “Estimativas indicariam uma perda de cerca de R$ 300 a R$ 350 milhões que deixariam de circular, num cenário mais otimista”. 
Cenários climáticos não favoráveis e o empobrecimento gradual do solo são questões que precisam ser levadas em consideração na hora de cultivar qualquer cultura. De acordo com Cláudio Lazzarotto, agrometeorologista e pesquisador da unidade da Embrapa de Dourados, a agricultura em MS se resume no cultivo soja-milho. “Os conceitos de rotação e sucessão, não podem ser efetivamente aplicados no tipo de produção tanto de Mato Grosso como de Mato Grosso do Sul. O que existe é um exemplo de monocultura de duas espécies. O trabalho é o mesmo todos os anos, se duvidar, até o próprio trator faria sozinho o cultivo da lavoura”, analisa Lazzarotto de forma humorada a habitual prática de cultivo na região. 
Adaptação é a palavra-chave para a agricultura brasileira nos próximos anos. O País está vivenciando efeitos climáticos e cada vez mais, o solo e o clima limitam mais o cultivo de determinadas culturas. É nesse sentido que a agrometeorologia – uma ciência que se utiliza de informações climáticas, solo, recursos hídricos e cultivares para o desenvolvimento da agricultura – servirá para o produtor rural como uma ferramenta importante para a garantia de alternativas viáveis e sustentáveis para a produtividade no campo. 
Em Mato Grosso do Sul, de acordo com Lazzarotto, há duas orientações essenciais que são repassadas aos produtores, no sentido de fugir de épocas de longas estiagens: 1º) nunca esquecer da rotação de culturas – é importante que se entenda esse sistema com um número máximo culturas, entre oleaginosas, leguminosas, ou pastagem – com ciclos e escalonagem [espaço de tempo] de semeadura diferentes; e 2º) trabalhar pela melhoria no solo. “O aumento dessa capacidade se daria com um manejo adequado de maquinário que trabalham com a terra e de cultivares que ajudariam o solo no processo de retenção de água, que mesmo em longos períodos sem chuva, ajudaria a manter a produtividade na lavoura”, explica.
                   Queda no milho gaúcho 
                     
                    A estiagem registrada na porção sul do Rio Grande 
                    do Sul atingiu fortemente a produção de milho, 
                    segundo Ronaldo Matzenauer, diretor técnico da Fundação 
                    Estadual de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do 
                    Sul (Fepagro-RS). A produção teve uma queda 
                    em 1 milhão de toneladas, o que deve forçar 
                    a importação do grão para atender a demanda, 
                    por causa das criações de suínos e aves 
                    na região. “Em termos gerais, a média 
                    mensal de chuvas se manteve em 100 a 150 mm, variando de região 
                    para região dentro do estado. Analisando que culturas 
                    como soja e milho, necessitam de seis a oito milímetros 
                    de água por dia, na fase de crescimento e enchimento 
                    dos grãos, em um mês a cultura já estaria 
                    em déficit hídrico, e foi isso que comprometeu 
                    a produção do estado”, explica Matzenauer. 
                    Segundo o pesquisador, essa longa estiagem, registrada em 
                    meados de agosto e setembro (2008), é característica 
                    de anos neutros, ou seja, um período climático 
                    no qual não há sinais de El Niño e La 
                    Niña – fenômenos climáticos que 
                    envolvem oscilações de temperaturas oceânicas 
                    na porção de águas do Pacífico 
                    Equatorial para mais (El Ninõ) e para menos (La Niña), 
                    isso modifica a distribuição de umidade e de 
                    chuvas, especialmente, na América do Sul. “Os 
                    anos neutros são caracterizados pela grande variabilidade 
                    de ocorrências, desde intensas chuvas a períodos 
                    longos de estiagem”, ressalta. 
                    Parcelar a semeadura é uma das alternativas para se 
                    escapar desses efeitos do tempo e diminuir os riscos da atividade 
                    agrícola – o escalonamento da produção. 
                    “Se o produtor tiver uma área de 30 ha, que ele 
                    semeie 10, aguarde 15 dias, semeie outros 10, aguarde outros 
                    15 dias e termine a semeadura com os 10 ha restantes”, 
                    exemplifica Matzenauer. 
                    O agricultor deve estar atento às informações 
                    sobre como está a oferta de recursos na região 
                    que está desempenhando a atividade. Segundo o diretor 
                    técnico da Fepagro-RS, há regiões que 
                    já não mais sustentam determinados cultivares 
                    em função de limitação de clima 
                    e condições de solo. Reconversão de áreas 
                    agrícolas é o caminho para melhor aproveitamento 
                    em termos de produtividade. Variedades que suportariam mais 
                    a falta de água, como o sorgo ou a própria cana-de-açúcar, 
                    por exemplo, poderiam ser estudadas para o cultivo em áreas 
                    onde persistem estiagens mais prolongadas e com clima mais 
                    quente. 
                    O importante, antes de qualquer coisa, é o estudo caso 
                    a caso. De acordo com o pesquisador da Embrapa Agropecuária 
                    Oeste, Cláudio Lazzarotto, há questões 
                    de particularidade de solo, nutrientes que estão a 
                    disposição nele, clima e variedades de culturas, 
                    que resultam numa informação específica 
                    sobre a necessidade daquela área, qual o método 
                    de plantio e o tipo de agricultura que pode ser desenvolvida 
                    com obtenção de um melhor resultado na hora 
                    da colheita – por isso a necessidade do produtor ter 
                    sempre um apoio técnico ao agricultar. 
                     
                    Ventos de mudança 
                     
                    Culturas como amendoim e algodão praticamente nem existem 
                    mais na região da grande Dourados – isso em função 
                    da praticidade do manejo da soja e o retorno econômico 
                    garantido pelo grão. Também o que antes se observava 
                    pelas fases da lua, hoje instrumentos meteorológicos 
                    dão previsões de como as chuvas poderão 
                    se comportar. Alguns fatores negativos e outros positivos 
                    foram moldando a atividade agrícola no País, 
                    mas é fato que cedo ou tarde o produtor deverá 
                    mudar as condutas dele com o solo e com o uso da água. 
                    Estudos da Embrapa Informática Agropecuária 
                    em conjunto com a Universidade de Campinas (Unicamp), demonstraram 
                    que o País sofrerá mudanças no zoneamento 
                    agrícola em função daquilo que se pode 
                    chamar de aquecimento global – uma alteração 
                    do clima de todo o planeta. Matzenauer analisa que esses impactos 
                    já estão ocorrendo na região Sul do País 
                    – culturas de grãos como o milho e a soja estão 
                    migrando para área de clima mais ameno. 
                    A partir do estudo, coordenado pelos pesquisadores Eduardo 
                    Delgado Assad (Embrapa) e Hilton Silveira Pinto (Unicamp), 
                    o cultivo, em especial na região Nordeste, deverá 
                    ser mais limitante. Lá, a seca deverá se acentuar 
                    mais ainda, comprometendo culturas como a de feijão, 
                    milho, mandioca e algodão. Esse quadro, segundo os 
                    estudos, podem aparecer em 2020. 
                    Quadros climáticos não favoráveis desafiam 
                    a agricultura e potencializam a importância da agrometeorologia 
                    como um recurso para minimizar os riscos que a atividade agrícola 
                    vai enfrentar nos próximos anos. “Nós 
                    já estamos vivendo os efeitos desses fenômenos”, 
                    diz o presidente da Sociedade Brasileira de Meteorologia (SBM), 
                    Luiz Cláudio Costa. “Já vivíamos 
                    eles anteriormente, só que agora eles vão ocorrer 
                    com maior frequência e intensidade”, destaca. 
                    Mas se depender do desenvolvimento da pesquisa, os produtores 
                    podem ter um certo conforto. De acordo com Costa, o Brasil 
                    foi o grande responsável pelo desenvolvimento científico 
                    na área de agricultura tropical, e é a partir 
                    desses estudos que tecnologia poderá avançar 
                    mais no campo com, a) previsões mais precisas e antecipadas 
                    que possam permitir tomadas de decisões; b) técnicas 
                    adequadas de manejo hídrico – como e quando irrigar, 
                    a tipologia de solo e cultivares adequadas à região; 
                    e, finalmente, c) indicações de cultivares mais 
                    resistentes a determinadas temperaturas. 
                    Adaptação (reiterando) será o caminho 
                    que o agricultor deverá caminhar, seja na manutenção 
                    da biodiversidade da região, a integração 
                    de sistemas como o agrosilvipastoril (agricultura, floresta 
                    e pecuária), rotação de culturas e variedades, 
                    e técnicas eficientes de plantio direto, que garante 
                    maior eficiência na absorção de CO2. No 
                    entanto, de acordo com Costa, o Brasil ainda precisa investir 
                    mais nessa área, para potencializar mais as pesquisas, 
                    na garantia de respostas sazonais com alto nível de 
                    acerto sobre o comportamento climático. Atualmente 
                    o que se consegue nesse sentido são sete dias, e com 
                    uma melhor infraestrutura e mais unidades de medição 
                    e estações meteorológicas essa informação 
                    pode chegar com cerca de três meses de antecedência. 
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