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BÚFALO - SELVAGEM, MAS NEM TANTO!
rev 126 - agosto 2008

Apesar de uma pequena participação no mercado pecuário, os búfalos colocam o Brasil entre os países, com um dos maiores rebanhos do mundo.

Muito discriminados pelo mercado, os búfalos brasileiros já estão movimentando 72 milhões de dólares anuais para criadores e laticínios. Mesmo sendo pouco, se comparado aos bovinos, o Brasil se destaca como o maior criador de búfalos do ocidente com três milhões e meio de cabeças e com crescimento anual de aproximadamente 4%. A título de comparação, o rebanho bovino é de 186 milhões, mas cresce menos. De 2006 para 2007 aumentou apenas 2,5%, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O aumento da população de búfalos no Brasil se deu nas décadas de 60 e 70, quando a média de crescimento anual foi de 10,86%. Apesar do “boom” neste período, o rebanho não parou de crescer. De 1961 a 2005 a porcentagem atingiu 1.806, segundo dados da Associação Brasileira de Criadores de Búfalos (ABCB). Hoje, apesar da média nacional ser de 4%, em algumas regiões, como São Paulo e Minas Gerais, chega a 12%, devido à forte demanda por derivados do leite de búfalas.

Atualmente quase 70% da criação nacional é realizada por pequenos criadores que possuem entre 10 e 50 cabeças. Isso passa a idéia de amadorismo, mas o Brasil é o país mais avançado na América do Sul e está em processo de exportação de búfalos para os vizinhos continentais, como Argentina, Colômbia, Venezuela, Peru e também para países do Caribe e do Oriente Médio, como o Líbano.

De acordo com os criadores, o búfalo é extremamente dócil e tem dupla aptidão – leite e carne – as leiteiras produzem até os 20 anos de idade. Os animais são ótimos reprodutores e são mais resistentes a doenças que os bovinos. Devido às qualidades, tanto a Argentina como a Colômbia estão interessados em importar animais do Brasil para focar na produção de leite. Já a Venezuela pretende criar o animal voltado para a cultura de carne. “Há um interesse particular do Hugo Chávez (presidente venezuelano) em criar búfalos por lá, porque o animal cresce sem tantos cuidados sanitários e não precisa de tanto acompanhamento”, explica Otávio Bernardes, presidente do conselho administrativo da Associação Brasileira de Criadores de Búfalos (ABCB).

No passado Peru e Argentina receberam diversos animais brasileiros para reprodução. Mais precisamente em 2007, a Venezuela recebeu 1.300 búfalos e já manifestou interesse em receber outros 12.000 ainda neste ano. Em julho, uma delegação colombiana de técnicos esteve no Brasil para realizar uma inspeção no sistema sanitário brasileiro, visando um inédito protocolo sanitário para aquisição de búfalos.

Já para o Oriente Médio, o Brasil exporta animais em pé para o abate visando à produção de carne, a cerca de dois anos. Este tipo de comércio está sendo realizado inicialmente com o Líbano.

Assim como cada país tem um interesse com o búfalo, aqui no Brasil não é diferente. No norte do País, os animais são desenvolvidos para a produção de carne e é onde se concentra 60% de todo rebanho nacional. Destaque para o Estado do Pará, o maior criador de búfalos do Brasil. Em São Paulo, praticamente todas as fazendas que criam o animal são voltadas para a produção de leite. O estado do sudeste possui apenas 9% do rebanho nacional, mas produz 90 milhões de litros de leite por ano (é o líder na produção de leite no País). Quando nasce um bezerro macho nas fazendas leiteiras ele é vendido a criadores de gado de corte. “Só aqui em São Paulo são produzidas 1.540 toneladas de carne de búfalos por ano e são vendidas como carne de boi”, afirma Bernardes. “Esse tipo de venda, sem discriminar a procedência do animal, é legalizada pelo governo federal já que não há diferença de sabor com a carne bovina”, finaliza.

Mas, a carne de búfalo contém melhores valores nutricionais se comparado à bovina, como explica o texto “Propriedades do LEITE e da CARNE de búfala”. A única pista para reconhecermos uma carne de búfalo é reparar que a gordura é mais esbranquiçada do que a bovina. “Já fizeram uma série de testes para ver se alguém consegue diferenciar as carnes, mas não dá. Eu mesmo não sei diferenciar pelo sabor, só se eu ver a gordura”, explica Bernardes, presidente da ABCB.

Um exemplo de criação

Renato Amaral é veterinário especialista em búfalos e há oito anos se tornou proprietário da Fazenda Santo Anjo, localizada em Sorocaba, a 102 km da capital paulista. Com 82 búfalas, a fazenda produz cerca de 200 litros de leite por dia com cerca de 55 “vacas” em lactação (os produtores de búfalos usam os mesmos termos usados na criação de gado, como vaca, bezerro e novilha). Amaral realiza inseminação artificial com sêmen de ‘touros’ italianos da raça Mediterrâneo (que não é comum no Brasil e por isso não existem touros em coleta no País). Em outras raças, como a Murrah, já é possível conseguir touros brasileiros tão bons quanto os italianos, sendo que a Itália é o segundo maior criador de búfalos do ocidente com cerca de 300 mil cabeças.

O proprietário da Fazenda Santo Anjo pretende aumentar o número de animais de 82 para 100 cabeças no próximo ano. A aptidão de reprodução dos búfalos é outro ponto positivo. “Para mim a maior qualidade dos búfalos em relação aos bovinos é a fertilidade. As búfalas são animais muito férteis. Em manejo adequado você tem quase 560 de animais produzindo todo ano”, comenta Amaral.

Apesar de possuir 82 búfalas, nem todas estão em lactação no momento. Cerca de 27 estão na etapa final de cria e por isso não produzem leite. Os búfalos têm uma particularidade com relação à reprodução: os animais só entram no cio em períodos com pouca luz, ou seja, no inverno. Com isso, o verão é o período final da gestação (época que se interrompe a lactação) e o mercado fica com grande ausência de leite de búfalas. “Hoje, com a tecnologia da fertilização artificial, os criadores já estão conseguindo extinguir esses períodos”, afirma Amaral, que também possui um laticínio dentro da própria fazenda onde é utilizado exclusivamente leite de búfalas.

Atualmente, a produção deste leite no Brasil, cerca de 92 milhões de litros provenientes de 82.000 búfalas, cresce em torno de 30% ao ano. E não é só a produção do leite que aumenta, a quantidade de mozzarella de leite de búfalas comercializadas no País apresentou um crescimento de 32,3% nos últimos cinco anos.

A Associação Brasileira de Criadores de Búfalos (ABCB) estima que circularam US$ 55 milhões nos laticínios e outros US$ 17 milhões entre os produtores. No mercado de derivados, a mozzarella representa 70% de comercialização entre os derivados produzidos. Tradicionalmente, a mozzarella de leite de búfala é o produto mais conhecido, consumido e vendido no Brasil. Mas nos últimos anos, uma série de derivados entrou no mercado, como o doce de leite e a manteiga.

No Brasil são cerca de 150 laticínios trabalhando exclusivamente com o leite de búfalas. Um deles é a Fazenda de Laticínios Santo Anjo que leva a marca “Di Búfala” nos produtos. Renato Amaral, o proprietário, adquiriu a fazenda e montou o laticínio no local e além de usar tudo o que é produzido na fazenda (200 litros/dia), compra mais 800 litros por dia de criadores da região. Atualmente o laticínio produz quatro derivados: ricota, mozzarella, doce de leite e queijo tipo frescal. Apesar da mozzarella ser a mais conhecida no Brasil, o laticínio tem o frescal como líder de vendas. Hoje, há laticínios no Estado de São Paulo que produzem outros derivados como manteiga, coalhada e queijo coalho. Na região norte do País, também é elaborado o queijo Marajuara.

O crescimento da produção de derivados também está em alta. “O mercado está em expansão, mas não é só para a mozzarella, o doce de leite e os outros produtos estão crescendo bastante”, explica Amaral. Devido ao alto custo do litro do leite de búfala, os derivados também contêm alto valor agregado. “O leite de búfala, em algumas épocas do ano, chega a dobrar de preço em relação ao preço do leite bovino”, destaca Amaral.

Outro que apostou neste mercado de queijos foi o laticínio Levitare. Em 2000, José Martinho Nakid iniciou a criação de búfalos e a exploração da atividade leiteira. Começou com a produção caseira de mozzarella de búfala e em 2002 construiu um laticínio. “Iniciamos a produção de mozzarella em barras de 1 kg e 4 kg, pois identificamos um mercado pouco explorado. Isto porque, o mercado focava sua produção em mozzarella no formato de bolas no soro”, comenta Nakid. A estratégia deu certo e a Levitare ganhou rapidamente o mercado. Com os constantes investimentos, a indústria é hoje um dos maiores lacticínios que processam leite de búfala no Brasil. Atualmente, a Levitare atende toda a região metropolitana de São Paulo, Litoral, Vale do Ribeira e do Paraíba. “Nossos produtos são encontrados nas melhores padarias, hortifrutis e pizzarias”, enfatiza o proprietário.

Ele conta que a produção diferencial (mozzarella em barras) é hoje responsável pela grande fatia do faturamento do laticínio. O restante está dividido entre outros tipos, como as bolas e as bolinhas, queijo Minas Frescal, manteiga, requeijão, parmesão, provolone, minas padrão e Gouda. “Nossa produção cresce a cada ano devido ao aumento de pessoas interessadas em produtos mais saudáveis e de gosto diferenciado dos tradicionais queijos do mercado. Os consumidores já identificam que os produtos derivados de leite de búfalas são ao mesmo tempo sofisticados e com preços acessíveis”, conclui.

Pirataria no Campo

Após a mozzarella ser comercializada em grande escala nos principais centros do País, muitos laticínios começaram a produzi-la. Por diversos motivos, alguns desses começaram a usar leite bovino na composição e vendia o produto como se fosse 560 de búfalas. Um dos motivos foi o alto preço do leite. “O custo de produção com leite de búfalas chega a ser de 80 a 560 maior que o da mozzarella com leite bovino, o que explica as tentativas de fraudes diante dos consumidores desinformados”, afirma Bernardes, presidente da associação.

Outro motivo para a falsificação é a falta de leite de búfalas no verão. Apesar da tecnologia de inseminação ter como reverter o quadro, poucos criadores possuem condições financeiras para custear o programa. Assim, o mercado ainda sofre com a falta de leite de búfalas no verão. “Todo mundo queria comer a mozzarella, mas não tinha leite de búfala disponível, então começaram a colocar o leite bovino. Começou a aparecer mozzarella amarela por aí”, ironiza Bernardes. Outros laticínios chegaram a adicionar substâncias branqueadoras para disfarçar a fraude, o que prejudicava ainda mais o sabor do queijo. “Pra mim isso é um problema de saúde pública. Uma pessoa alérgica ao leite bovino pode comprar uma mozzarella dita de búfala, só que é misturada, e isso pode ocasionar algum problema”, afirma Amaral. Além deste mal, o prestígio da mozzarella de búfala também teve uma queda, já que os queijos “falsos” não tinham o mesmo sabor dos originais.

Para acabar com todos esses problemas, a Associação Brasileira de Criadores de Búfalos lançou o Selo de Pureza 560 Búfalo. “Lançado no ano de 2000, o selo foi criado para dificultar a constante falsificação de derivados do genuíno leite de búfala, presentes em muitas prateleiras, sobretudo, em forma de mozzarella”, diz Maria Cecília de Almeida Prado, coordenadora executiva do Selo. A ABCB passou a disponibilizar um selo para os laticínios que produzissem derivados usando somente o leite de búfala. Atualmente, a associação faz testes regularmente nos locais de produção e também com os produtos encontrados nos pontos de venda. “Qualquer um poderia fazer um queijo com leite bovino e embalar falando que é de leite de búfala. Mas com o selo, não sou eu que estou garantindo a qualidade, é a associação que fiscaliza e assegura isso”, diz Amaral.

Para ele, tanto como produtor como para laticínio que trabalham com búfalos existe um mercado próspero pela frente. “O laticínio compra mais caro o leite, mas vende mais caro. O produtor ganha em rendimento, porque precisará de menos leite pra fazer um quilo de queijo”, compara, Amaral, ao rendimento do leite bovino. “O leite de búfala, em algumas épocas do ano, chega a dobrar de preço em relação ao preço do leite bovino. É um bom caminho, você tem um leite que é pago melhor que o bovino, mas você tem menos leite”, completa o proprietário.

Na opinião de José Martinho Nakid, proprietário da indústria Levitare, a criação de búfalos no Brasil está em uma crescente, pois os derivados de leite de búfala caíram no gosto do paladar do consumidor brasileiro. “Por ser mais saudáveis e altamente digestivos, acabaram agradando todos os públicos e passando a fazer parte do cardápio diário. O consumo não está mais restrito à já tradicional pizza de mozzarella de búfala com tomate seco e rúcula”, afirma o proprietário, que mantém no seu plantel 150 cabeças.

Para ele, a carne de búfalo está se difundido agora, e com certeza terá uma posição de destaque no futuro, pois aumentam dia a dia o número de pessoas que buscam alimentos mais saudáveis. “Neste contexto a carne de búfala será uma boa opção por possuir 43% menos colesterol, 55% menos calorias, 40% mais proteínas, além de ser 12 vezes menos gordurosa se comparada à carne bovina”, finaliza Nakid.

Propriedades do LEITE e da CARNE de búfala

Em comparação ao leite bovino, o leite de búfala possui mais componentes nutritivos, como proteína, lipídios e lactose e menor quantidade de água e de teor de colesterol (veja a tabela com as porcentagens). “Do ponto de vista nutricional é muito superior: baixo teor de colesterol e alto nível de vitamina”, comenta Otávio Bernardes, presidente do conselho administrativo da Associação Brasileira de Criadores de Búfalos (ABCB). Apesar de ter menor teor de colesterol, o leite possui mais gordura que o leite de vaca. Com isso, ele rende muito mais no laticínio. “O leite tem mais proteína, mais gordura, porém, menos colesterol. Com isso, no laticínio ele rende mais”, explica Renato Amaral, proprietário da Fazenda Santo Anjo.

Apesar da qualidade do leite, falta quantidade. Uma búfala criada com diversos cuidados para produzir leite pode chegar a produzir 5.000 litros de leite / ano, o que é muito pouco se comparado à produção de uma vaca da raça holandesa, por exemplo, que chega a produzir mais de 10 mil litros / ano.

A carne também possui um bom valor nutricional em comparação a carne bovina. É mais magra – 12 vezes menos gordura - e possui menor nível de colesterol (40% menos). Além disso, contém 11% a mais de proteínas e 10% a mais de minerais. Os búfalos podem ser abatidos com 24 meses, chegam a 450kg de peso vivo.


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