Pode
causar estranheza quando se ouve falar em uma raça de origem japonesa por
este não ser um país que tem por tradição o processo
de seleção bovina. Mas talvez pelo fato de eles não
terem tanta tradição, não terem tanto volume [de gado], é
que eles trabalharam muito em cima da carne diferenciada. É uma raça
onde tem sido feito um trabalho milenar baseado em cima da diferenciação
da carne, explica Rogério Satoro Uenishi, médico veterinário
e superintendente técnico da raça no Brasil. Essa é uma raça
peculiar, pois está sendo aperfeiçoada geneticamente há quase
500 anos, mas sua história remonta tempos mais antigos já que ela
é conhecida desde a época dos samurais. Foi introduzida originalmente
da península coreana no século II com a finalidade de servir de
tração no cultivo de arroz. Os primeiros bovinos foram importados
para a região de Shikoku, ilha localizada no sul do Japão, e que
por ser uma área montanhosa acabou influenciando no processo de criação
dos animais e conseqüentemente na sua carne também. Sua expansão
foi lenta e restrita, pois ali os animais ficavam isolados em áreas pequenas
e cada área tinha essencialmente uma população fechada. Por
conta dos impedimentos geográficos e divergências de opinião
a respeito da seleção e criação, o gado tornou-se
distinto entre as regiões do Japão, mas com alguma coisa em comum:
O sabor e a maciez da carne.
Essa raça existe no Brasil desde
1992. Neste ano a empresa Yakult foi a responsável pela primeira importação
de animais e sêmen provenientes dos Estados Unidos. Posteriormente em 1996,
1997 e 1998 novamente a Yakult importou lotes de embriões e sêmen
de Wagyu, com genética 560 japonesa via Canadá e Estados Unidos,
comprovando o empenho da empresa na seleção e produção
de animais de alto valor genético, como explica Uenishi: No começo
o nosso trabalho era concentrado mais para assegurar a genética dentro
da empresa. Depois nós resolvemos ampliar a genética para outros
criadores. Aí nós inclusive começamos o trabalho junto com
a associação para ampliar e divulgar a raça.
O trabalho de aperfeiçoamento genético dessa raça busca como
resultado uma carne diferenciada das demais raças, esclarece Uenishi: Nós
temos na seleção linhas distintas. Tem a linhagem preta aonde eles
[os bois] transmitem mais marmoreio, ou seja, pra trabalhar com uma carne mais
diferenciada. E temos a linhagem vermelha que transmite mais tamanho, mais carcaça,
e nós fazemos o cruzamento das duas linhagens, a preta e a vermelha para
objetivar animais de porte maior e também com marmoreio, com maciez da
carne. O marmoreio ao qual Rogério se refere é o processo
de infiltração da gordura entre as fibras musculares, formando desenhos
característicos na carne e que conferem sabor e maciez única quando
preparada. No seu preparo, o próprio sabor da carne se combina com a gordura
derretida entre as fibras, produzindo uma suculência única e um sabor
característico. Essa carne é mundialmente conhecida como o Kobe
Beef, uma carne muito apreciada e que possui elevado valor agregado. Essa é
outra vantagem da criação do boi Wagyu, afirmam os criadores: No
Japão, quando se consegue o marmoreio máximo, que é o de
grau doze e quando é trabalhado por uma marca mais forte, o quilo da carne
chega a custar 2.000 reais. Na Europa ou nos Estados Unidos tem hambúrguer
[de kobe beef] que custa 700 dólares. Essa diferenciação
de se ter uma carne com um valor bem elevado é que faz o interesse dos
criadores de selecionar essa raça, afirma Uenishi.
Pensando
nesse nicho mercadológico a Fazenda Rubaiyat entrou com tudo na criação
do gado Wagyu e na comercialização do Kobe Beef, como explica Belarmino
Iglesias, dono do restaurante Rubaiyat: Nós há muitos anos
estamos criando a raça Brangus. Até então, achávamos
que tínhamos conseguido o melhor bife possível produzido nos trópicos,
e em viagens temos visto que o Kobe Beef começa a repontar nos melhores
restaurantes do mundo a preços bastante caros como produtos premium. Começamos
a ouvir falar desses cortes nos Estados Unidos e na Europa, fomos atrás
para ver a genética e descobrimos o Wagyu, e que foi a grande surpresa.
A raça é realmente espetacular, afirma Iglesias que acredita
firmemente no potencial mercado consumidor do produto que possui um preço
elevado. O Brasil é o segundo maior consumidor de carne vermelha no Mundo.
Os criadores estão se esforçando para adaptar o Wagyu às
condições brasileiras, já que o habitat desse boi é
muito diferente do clima e pasto encontrado aqui. Para isso diversos cruzamentos
estão sendo feitos para que a raça alcance o patamar desejado pelos
criadores, como explica Marco Aurélio Mitidieri, criador e Presidente do
Conselho Técnico Deliberativo da raça Wagyu: A parte do cruzamento
da raça, utilizando-se sêmen ou touro é diferente em cada
região do país. No Centro-Oeste, essa raça se adapta bem
no cruzamento com zebuínos ou sintéticos, só que é
preciso tomar o devido cuidado de não apurar muito a parte taurina e se
esquecer da parte zebuína. Você precisa ter um certo grau de sangue
zebu para que eles sejam mais adaptados às partes de temperatura e ecto
e endo parasitas. Hoje estão se fazendo alguns cruzamentos, no Rio Grande
do Sul principalmente, com a raça Aberdeen Angus para melhorar ainda mais
a carcaça e a qualidade da carne. Esses produtos advindos desse cruzamento
[Wagyu com Angus] produz uma carne de excelente qualidade., afirma.
Além de produzir uma carne mais macia, a raça conta com outras vantagens,
como explica Marco Aurélio: As fêmeas são extremamente
precoces. Hoje um Wagyu começa [a se reproduzir] a partir dos nove a dez
meses de idade, sendo que com essa idade e com 220, 230 quilos, esses animais
já estão aptos a serem coletados embriões. Nós fazemos
parte do corpo técnico da raça e trabalhamos tanto na parte de andrologia,
na coleta de sêmen e na transferência de embriões e esses animais,
as fêmeas no caso, são muito prolíferas e precoces. Consegue-se
coletar um bom número de embriões de qualidade e, no caso dos machos,
consegue-esse coletar e industrializar sêmen de alta qualidade. Realmente
são animais precoces e muito produtivos. Na parte de produção
esses animais são terminados em torno de 16 a 17 arrobas porque ele consegue
depositar a gordura tanto entre a musculatura quanto com o acabamento de carcaça,
afirma Mitidieri.
O Wagyu é uma raça taurina, mas se adapta
melhor ao clima brasileiro do que as raças européias. Ele não
tem tantos problemas com estresse térmico, lembrando sempre que não
pode ser considerado como um zebuíno, que é muito mais adaptado
ao clima tropical. Esta adversidade obrigou os criadores a se adequarem e se especializarem
em cruzamentos com as raças zebuínas, como conta Belarmino Iglesias:
No nosso entender, no Brasil você não vai conseguir produzir
uma carne com o grau de marmoreio que se consegue no Japão pelo fato de
aqui ser trópico. Mas, cruzando o Wagyu a partir do Zebu, do Nelore, do
Brahman, vindo pra raças britânicas, você vai fazer um bife
muito importante., garante Belarmino, que via na rusticidade
o maior receio de problemas de adaptabilidade do boi nos pastos brasileiros: Ela
[a raça] é de uma adaptabilidade, de uma rusticidade, que era o
nosso temor há uns anos atrás; e é super adaptada, não
requer maiores cuidados do que um Aberdeen Angus puro ou do próprio Brangus,
então nós estamos muito satisfeitos com os resultados em se tratando
de genética, que vamos apresentar brevemente, afirma.
O
maior trunfo dessa raça é sem dúvida a maciez da carne: É
o seu diferencial. As raças zebuínas sofrem com uma limitação
de maciez [da carne]. A fibra muscular dessas raças são mais longas,
o que impede de se conseguir maior maciez. As raças européias sofrem
mais com problemas de adaptação ao clima brasileiro. O Wagyu possui
uma carcaça e maciez da carne semelhante aos bois de origem européia,
mas se adaptam melhor no trópico do que essas raças, afirma
Rogério Uenishi.
O plantel brasileiro de gado Wagyu vai aumentar
vertiginosamente nos próximos anos, prometem os criadores. Hoje existem
15.000 cabeças entre puros e cruzados. Só neste ano a Fazenda Rubaiyat
contará com 5.500 vacas inseminadas artificialmente com o Wagyu. A Fazenda
Bosque Belo, do criador John George de Carle Gottheiner, localizada em Aquidauana,
Mato Grosso do Sul também aderiu ao Wagyu tanto para inseminar suas vacas
Nelore como as da raça Brangus, num total de 4.000 animais. O Wagyu
é um salto à frente em termos de qualidade, afirma Gottheiner.
O Brasil ainda carece de animais puro sangue Wagyu, portanto os criadores
sugerem começar a trabalhar a raça cruzando com animais de outras
raças, afirma Rogério Uenishi: Hoje, como nós temos
ainda relativamente pequenas quantidades de matrizes, a melhor forma de iniciar
o criatório seria fazendo cruzamento industrial utilizando sêmen
da raça Wagyu. O sêmen para cruzamento é comercializado num
valor bastante satisfatório, na faixa de uns 15 a 20 reais a dose.
A vantagem é que essa raça pode ser cruzada tanto com os zebuínos,
como com qualquer raça européia, como Aberdeen Angus, Brangus ou
Hereford e até com raças leiteiras, como explica Uenishi. No
Japão, por exemplo, ele [Wagyu] é cruzado com a raça leiteira
[holandesa] e lá existem trabalhos que falam que o cruzamento da raça
Wagyu com a raça holandesa produz carne de excelente qualidade. Eles conseguem
agregar muito valor em cima desse tipo de cruzamento.
Os pecuaristas
que trabalham com a raça garantem a satisfação e sugerem
para os criadores que quiserem começar a trabalhar com o Wagyu, investir
primeiro em embriões, como explica Marco Aurélio Mitidieri: (...)
adquirir embriões de selecionadores aonde você tenha o sangue de
animais fechados japoneses porque é uma raça que está sendo
selecionada há mais de mil anos. Então tem que se trabalhar principalmente
os puros. Em contrapartida muitos criadores estão se especializando
em criar animais sintéticos. Mas hoje já existe no mercado
embriões e sêmen a disposição para que um novo criador
possa trabalhar, afirma Marco Aurélio.
Rogério Uenishi
considera que a raça Wagyu veio para acrescentar variedade e qualidade
no gado brasileiro: Eu acho que o ponto chave é que a raça
Wagyu é mais uma raça que está disponível no mercado
brasileiro. O principal diferencial é que é a raça que mais
consegue transmitir o marmoreio, ou seja, produzir carne com maior maciez e maior
sabor. Belarmino Iglesias concorda com Uenishi: É a raça
que tem na sua principal característica passar o marmoreio nos seus cruzamentos
e isso nós não vimos em raça alguma, nem no Aberdeen Angus,
que é considerado o Mercedes Benz da pecuária. Eu te diria então
que o Wagyu é o Rolls Royce da pecuária. |