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FERRUGEM - PERIGO MAIOR A CADA SAFRA
rev 99 - maio 2006

A doença que se alastrou pelas principais regiões produtoras do país, já atinge status de epidemia e, o que é pior, o problema não para por aí. O fungo que antes só atingia as plantas durante a fase de floração, hoje, já afeta às lavouras no seu estágio vegetativo, ou seja, muito mais cedo.

As causas apontadas pelos especialistas para justificar o alastramento rápido da ferrugem asiática nas lavouras de soja estão relacionadas, principalmente, ao monocultivo e ao mau uso das tecnologias empregadas no combate à doença.

No primeiro caso, ocorre um fenômeno que está sendo chamado de ponte verde provocado pela soja plantada nos meses de inverno, sobre pivô central.

Essa soja safrinha que é plantada com a finalidade de produzir sementes para a safra de verão acaba funcionando como hospedeiro para o fungo, no período de entressafra, explica Amélio Dall’Agnol pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Soja (CNPSO), Embrapa Soja, de Londrina, PR, que faz um alerta para esse fato apontando-o como principal motivador do aparecimento precoce da doença nas lavouras de soja este ano.

Dall’Agnol observa que é comum acontecer o aparecimento da soja involuntária e/ou tigüera após o término da colheita, problema decorrente da queda acidental dos grãos no solo, seja na hora da colheita ou mesmo durante a operação de transporte. “A soja plantada no pivô central tem um efeito parecido só que numa proporção muitas vezes maior”, ressalta o pesquisador que é o atual presidente do Consórcio Nacional Anti-Ferrugem da Embrapa Soja, em parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

A preocupação com a soja de inverno é tamanha que já atingiu até a esfera política. Os estados de Mato Grosso e Goiás, que apresentaram sérios problemas com a ferrugem na safra atual, criaram uma resolução estadual que proíbe o plantio da soja, por um prazo de 60 dias, após o término da colheita. Os técnicos aguardam para ver se essa medida, tomada em caráter emergencial, trará algum resultado na próxima safra. Caso isso aconteça já existe um esforço para transformá-la em lei federal.

O outro motivo apontado pelo especialista para o insucesso da soja em algumas regiões do país, foi o baixo uso de insumos tecnológicos nas lavouras. “O aparecimento precoce do fungo e a alta pressão populacional sobre as plantas não deram tempo nem mesmo para o produtor aplicar uma dosagem preventiva”, destaca Dall’Agnol que relata casos de localidades onde a ferrugem pegou os produtores de surpresa, antes mesmo da primeira aplicação, tornando o problema quase que insolúvel.

A situação mais crítica foi verificada nos estados de Mato Grosso onde houve casos de perda generalizada. Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Minas Gerais e São Paulo também enfrentaram sérios problemas, mas por questões mais ligadas ao excesso de chuvas. O aparecimento precoce da ferrugem que atingiu as lavouras, ainda no seu estádio vegetativo e as condições de clima favoráveis ao seu desenvolvimento provocaram uma elevação nos custo de produção das fazendas, relata André Pessoa, engenheiro agrônomo e sócio diretor da Agroconsul, empresa responsável pela organização do Rally da Safra, maior levantamento de safra mantido com recursos da iniciativa privada.

Além disso, esse aumento excessivo no número de operações de controle levou muito produtor a buscar caminhos alternativos. Há relatos de produtores que necessitaram fazer cinco até sete aplicações de fungicidas para combater a doença, sendo que o normal seria no máximo três, destaca o pesquisador da Embrapa Soja que passou 18 dias viajando com o pessoal do rally e viu de perto a situação nos principais pólos de produção de soja do país.

Perda na produtividade foi inevitável

Com mais de 80% das lavouras de soja já colhidas a safra brasileira da oleaginosa fecha o período com um volume colhido próximo a 54 milhões de toneladas, isso considerando as projeções mais otimistas. O Mato Grosso que plantou 5.7 milhões de hectares colhe pouco mais 15 mil t., número que mostra uma diminuição na participação do estado de 29,3 em 2004/05 para 27,7%. A produtividade entre 40 e 45 sacas/ha., também ficou muito abaixo do esperado para o estado que foi recordista de produtividade nos últimos anos, com média de 55 sacas de 60 quilos, por hectare plantado.

Coincidência ou não as cidades mais atingidas, foram, justamente, aquelas onde a soja de inverno foi cultivada no ano passado. Com exceção das regiões de Nova Mutum, Lucas do Rio Verde e Sorriso, cidades mais ao Norte, que tiveram um nível de perda menor, todas as demais regiões do estado tiveram suas produtividades reduzidas pela ferrugem. Na região noroeste do estado (Tangará da Serra, Campos de Julio e Sapezal), onde a falta de chuva atrasou o plantio e depois dificultou a aplicação dos produtos as perdas foram grandes. A região de Primavera do Leste viveu a situação mais crítica, com casos onde a perda decorrente da ferrugem foi total. “Na grande Primavera, a produtividade deve ficar entre 40 e 45 sacos por hectare”, estima o pesquisador destacando que na região centro-sul do estado (Rondonópolis, Serra da Petrovina), a ferrugem também foi bastante severa, mas houve também ataque por lagartas desfolhadoras e percevejos.

Com a segunda maior área de soja do país, 3.8 milhões de hectare, o Paraná, entrou, pela primeira vez, para a lista dos estados que mais perdas sofreram por causa da ferrugem asiática. Os agricultores paranaenses viveram durante o desenvolvimento da safra uma situação climática extremamente desfavorável, facilitando o aparecimento do fungo Essa situação foi também registrada nas regiões Norte e Centro Sul do estado, onde a doença configurou-se como uma epidemia, ou seja, de ocorrência generalizada e alta agressividade, lembra Claudia Godoy, pesquisadora da Embrapa Soja que acompanha os trabalho no estado. Por conta disso a produção paranaense sofre uma frustração nas estimativas iniciais de 12.2 milhões t. e fecha com 9.1 milhões t. e produtividade de 39 sc/ha. Os estados de Goiás e de Minas Gerais também enfrentaram ataque precoces da ferrugem o que fez cair as estimativas iniciais da produção. No caso dos agricultores goianos o clima foi o principal inimigo com longos períodos de chuva e dias nublados. Muitos relatos de produtores dão conta que os fungicidas não tiveram a mesma eficácia dos anos anteriores para o controle da ferrugem. Especula-se que a causa poderia ser a seleção de população do fungo resistente aos produtos, não havendo, no entanto, comprovação para essa suposição, destaca Dall’Agnol. A produção total foi de 6.6 milhões de t. de soja para uma produtividade de 45 sc/ha.

Já os sojicultores de Minas Gerais, um dos primeiros a registrar a ocorrência de focos da doença, tiveram, como fato marcante da atual safra, o elevado número de aplicações de fungicidas. Há relatos de propriedade que chegaram a fazer cinco até sete pulverizações, número bem acima da média do estado que deve fechar entre duas e meia e três aplicações de fungicidas. O volume de soja colhido nas cidades do triangulo mineiro foi de 2.6 milhões t., com produtividade de 43 sc/ha.

A grande surpresa veio do Rio Grande do Sul. Após amargar dois anos de péssimos resultados os produtores gaúchos se recuperam marcaram a terceira maior safra do país, 8.3 milhões toneladas de soja. No estado a incidência de ferrugem nas lavouras também foi bastante alta, mas a severidade não foi considerada importante, com exceção de algumas regiões. A produtividade de 35 sacas por hectare ficou dentro da média histórica da região fato que trouxe ainda mais alivio para os agricultores, destaca o representante da Agroconsult.

Ferrugem é causa de prejuízos

Desde de 2002 a ferrugem asiática já acumula prejuízos que chegam a 5 bilhões de dólares, atingindo, direta ou indiretamente, todos os segmentos da cadeia da soja no Brasil. Na parte dos produtores o efeito é sentido, sobretudo, no aumento das aplicações de fungicidas durante a safra, fato que reflete na já apertada margem de lucro da atividade agrícola.

Só para se ter uma idéia o custo de cada aplicação de fungicida é de cerca de US$ 30,00/ha. Se pegarmos um cenário, que foi bastante comum este ano, de cinco aplicações ao longo da safra, esse gasto já sobe para US$ 150,00/ha. Na conversão, considerando o dólar a R$ 2,14, da um valor de R$ 321,00. Isso só com fungicidas. Na outra ponta da cadeia, o preço pago pela saca de 60 quilos, nas principais praças de comércio se manteve na casa dos R$ 15,00 a R$ 17,00. Isso vezes 16,6 sacas que totaliza uma tonelada, esse valor é na melhor das hipóteses de R$ 282,00, ou seja, insuficiente até mesmo para cobrir os gastos com pulverização. A saída está na opinião dos especialistas está primeiro na contensão imediata do problema através de ações pontuais e regionalizadas. Segundo é o desenvolvimento de novas variedades de sementes resistentes ao fungo da ferrugem asiática. As pesquisas, no entanto, apontam para uma solução nesse sentido num prazo de cinco a dez anos. “Como o país não pode esperar tanto tempo para ver o problema da ferrugem equacionado o negócio é manter vigilância sobre a lavoura desde já, para que na próxima safra o problema ocorra, mas em menor intensidade”, conclui Dall’Agnoll.


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